quinta-feira, dezembro 30, 2004

Na minha abrigada varanda, voltada a sul, nestes dias tépidos e soalheiros falta quem lá se sente a aquecer-se ao sol. Uma criada velha que lá remendasse uma pano quase sem préstimo e se lavantasse depois, lá pelas quatro e meia, por se irem aproximando as horas do lanche.
Assim como está, devoluta de quem a use mais do que para olhar além dela os montes ao longe, é uma tristonha coisa.

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Com algum espanto noto assomos de indignação quanto às falhas do estado português na assistência aos portugueses no Sudoeste asiático.
Convém esclarecer que o estado, em Portugal, tem como objectivo imediato e primordial o servir-se e enaltercer-se a si mesmo: os cidadãos são apenas uma preocupação mediata e secundária. Havia portugueses recolhidos na embaixada de Espanha? Parece que sim. O telefone da embaixada portuguesa em Banguekok atendia com uma gravação? Parece que sim, igualmente - eu ouvi. Mas, ao contrário de alguns, não me admirei que assim fosse.
É que é assim, aqui, que é, e não de outro modo.
O Estado português, que já foi imperial, não cura de minudências. Tem as altas questões que lhe dizem respeito com que se preocupar e representa um Portugal eterno que não pode ser atrapalhado pelas aflições pontuais de alguns poucos dos seus cidadãos. Por isso, o Ministro dos Negócios Estrangeiros se irritou - uma irritação branda e bem educada - quando lhe colocaram algumas questões de pormenor. E tinha razão! Apenas em pequenos países sem o peso do nosso destino e do nosso passado o estado serve para cuidar dos seus cidadãos, apenas em estados menores e desprestigiados é que embaixadores ausentes e que não regressassem imediatamente ao seu posto seriam sumariamente demitidos, apenas pequenos estados como a Suécia enviam os seus ministros dos negócios estrangeiros. Aqui, em Portugal, os ministros servem altos desígnios e cumprem altos destinos.
É assim.
Linkaram este blog o Olhos Azuis , o Monodia , o Vacalhum e o Batata Quente .
O Impensavel agradece, muito obrigado.

terça-feira, dezembro 28, 2004

Post em que vociferava apagado.
Não quero atulhar - macular - de ruídos inúteis este dia ermo.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Esta semana, entre Natal e Ano Bom, no côncavo do tempo, uso-a em nadas: abrir livros, folhear outros, andar aqui por casa de um lado para o outro, em conversas-paisagem com amigos que esmoem o festim e o tempo, à lareira ou à roda da braseira. (E é tudo o que faço). Depois, em Janeiro, já não é assim, a curvatura dos dias perde a perfeita serenidade, pressente-se o esgar escrupuloso e duro do início.

quinta-feira, dezembro 23, 2004



Christmas Gifts: Daylight and Dawn, Eric Gill, c. 1913,
Tate Gallery

Um Santo e Feliz Natal!


terça-feira, dezembro 21, 2004

O Inverno começou hoje.





Estava a começar a escrever um post para contar o que se passou comigo enquanto lia, ontem, já na cama, o "Vinte horas de liteira" - o que se passou foi ter-me esquecido do copo da água, o que me obrigou a percorrer um gélido corredor, uma entrada cavernosa e outro corredor onde o frio mais inclemente reinava, isto com algumas peripécias insignificantes pelo meio mas que tencionava contar - quando me apercebo da tão agradável menção que o Contra a Corrente quis fazer a este blog.
Agradeço, muito grato e saíria de cardo, um cardo escocês, na botoeira da lapela, comemorando, se, como descobri ontem, durante aquele passeio nocturno e enregelado, o meu alfaiate se não tivesse esquecido da dita, dando-me hoje a estaparfúdia desculpa de não ser hábito os tweeds terem tal...
"A distinguish bishop, a priest and a peasant are in a great cathedral. In turn the priest and bishop approach the altar rail, beat their chests and declare, «I'm nothing, I'm nothing». The humble peasant, moved to imitate, shuffles to the altar and says the same thing. The bishop turns furiously and hisses the priest's ear, «Who the hell does he think he is?»"

No TLS de ontem. Lembrei-me hoje, quando fui tomar café na taberninha em frente. A dona, boa pessoa, mas uma incrível snob, lamentava a perda do espírito dos natais de outrora face ao avassalador materialismo de hoje. A snobice dela, muito requintada, é como a de alguns amigos meus, uma snobice-anti snob. Sei, por isso, quanto eram pobres os natais da sua infância e quanto os relatos dos materialistas natais de agora, em casa da filha, lhe são queridos, a história de uma façanha, de uma ascensão social bem sucedida. Lembrado disso, ia contestar risonha e brevemente aquele seu ódio às demasias hodiernas quando me lembrei da anedota.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Consegui tratar de tudo em Lisboa entre o meio-dia e as quatro da tarde. Espero que não ser obrigado a sair daqui senão depois do Ano Novo. Para estes dias ambiciono o sossego silencioso das conchas em volta.
Egoísmo pacato, mas egoísmo quand même bem sei.

sábado, dezembro 18, 2004

Gostaria de dizer que corei como um sentimental general inglês ao saber que esta Senhora gosta tanto deste blog e que com toda a simpatia e despacho o diz, que ficara eu com isso très ému - presque -, que...
Mas fiquei assim, assim é que foi que fiquei:



quinta-feira, dezembro 16, 2004

Valha-nos o azul imenso, quase abençoadamente demasiado
que, por baixo dele, aqui, tudo é de menos.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Outro dia magnífico.
Acredito em Parménides:
"[...]
Não foi um mau destino que te enviou a viajar" E "aprender [...] o coração inabalável da realidade fidedigna" um convite que relembra em mim diligências antigas.
É do sol, do azul e da nitidez da aragem branda.

(O poema fui buscá-lo ao "Antes de Sócrates" de Trindade Santos)

terça-feira, dezembro 14, 2004

Onde se finca o ponto fixo ao redor do qual giramos, edificamos, recuamos, avançamos, cedemos, damos, recebemos, tememos e ameaçamos?
Cioran - que, creio, estou a a parafrasear nesta tarde de Outono perfeito - crê na necessidade de renunciarmos ao apoio sobre qual construimos tudo, que abandonemos essa terra firma e vagueemos.
O mais que consigo nos melhores momentos - em dias como este - é sentir a dureza dessa terra, esse calo do que se é, e preferir a essa exiguidade da terra calcada a deriva para norte. Mas isso não é a ainda indiferença nem a renúncia, é um erro de método e que redunda em mero turismo ontológico.

Akseli Gallen-Kallela, 1905 Lake Keitel
National Gallery


segunda-feira, dezembro 13, 2004

Aproveito este breve surto de vontade para agradecer aos blogs que recentemente "linkaram" o Impensável:
O Boticário de província e o Nota bene.
Muito obrigado.
E a influenza, a má influência que nos põe de cama e nos desorganiza metafísicas e universos - como bem sabia Pessoa -, quando os micróbios, netos dos miasmas, se lançam sobre nós.
E no fogão o fogo crepita. O fogo crepita no fogão é um desgraçado lugar comum muito abundante em descrições dos prazeres de Inverno ou dos do espírito, se meditarmos, lermos em frente ao, ou dessas actividades formos distraídos pelo mesmo.
O que me parece injusto para tão comum lugar liteterário é a trabalheira necessária para que o fogo crepite. Encomenda da lenha, implorar para que não esteja molhada, vigiar para que fique arrumada e, depois, o pior, ir à arrecadação buscar a lenha e trazê-la escada acima. O fogo crepita? Ora vejamos: um fogo laborioso crepita. Se os meus escrúpulos em pedir à empregada que traga para cima sacas generosas de lenha persistirem, vejo-me privado da contemplação do lugar comum e, no cair frio da tarde de Inverno, resta-me, de uso ameno e caseiro, o fumegante chá. A loira torrada, a torrada dourada, também já se foi, há muito. Há alguma coisa sobre lombadas pousadas de livros, livros esquecidos sobre uma mesa ou um sofá, mas sempre os achei pouco entusiasmantes.
O que não posso decentemente é pedir à empregada, a quem dou instruções para ter cuidado com os pesos, etc, etc, que traga as preciosas sacadas de lenha, para que esta crepite no começo do texto...
Impedido da contemplação e desfrute de lugares comuns que caros me eram, e brandos - o fogo crepita brando, interessante, este - eis um side effect estranho do paternalismo nas relações laborais.


sexta-feira, dezembro 10, 2004

O "blog" não está esquecido. É o frio (isto não é um protesto). Com este frio e alguns aquecedores avariados, sair à noite da sala é uma temeridade. E por lá fico, entre a contemplação das chamas no fogão e o livro que escolho para a noite.
O tempo, contudo, vai mudar. Ventos do Sul, algumas chuvas, os aquecedores foram já substituídos, o gabinete pequeno de onde escrevo tornar-se-à habitável e convidativa para a bavardage.


terça-feira, dezembro 07, 2004

Fico ciente, mas já esperava isto, condiz com todo o resto. Mas, em compensação, são tãooo expressivos, tãoooo imaginativos, tãoooo de fazer qualquer pedagogo adejar de comoção. E, depois, Espanha, onde começa o mundo a sério, fica tão perto, podemos ir lá quando precisarmos de alguma coisa mais maçadoramente precisa.

P.S. Convirá notar que fora qualquer coisa que se traduza em botar cimento - e actividades conexas - este país é absolutamente incapaz de resolver qualquer problema, seja dos velhos, seja dos que vão aparecendo com os tempos novos de lá de fora (que aqui, como dizia Pessoa, o presente é antiquíssimo). O que se faz, verdadeiramente, e bem, é acostumarmo-nos a que seja assim, à habitualidade do desaire (paráfrase desagradável, esta).

segunda-feira, dezembro 06, 2004

ALL the words that I utter,
And all the words that I write,
Must spread out their wings untiring,
And never rest in their flight,
Till they come where your sad, sad heart is,
And sing to you in the night,
Beyond where the waters are moving,
Storm-darken'd or starry bright.

Yeats

sábado, dezembro 04, 2004

Releio o "Portugal Contemporâneo" do Oliveira Martins.
A tarde, de um cinza súbito, é o cenário cúmplice da leitura.

P.S. das 18:36: Não reiniciei o O.M. Tenho de confessar, eu, um defensor dos dias cinzentos, que me fez falta a tarde soalheira: imuniza um pouco contra a absorção do pessimismo de Oliveira Martins. Sem sol, fiquei por aqui, numa versão de passeio triste cibernético.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

A Bomba Inteligente quis ter a simpatia de destacar um post deste blog atribuindo-lhe a "Bomba de Ouro" um dos mais respeitados galardões no mundo blogosférico. O Impensável agrade, muito reconhecido e confundido.

O Impensavel, porém, sente-se no dever de esclarecer que, ao contrário do que possa parecer, a afirmação proferida não é uma boutade, mas fruto de longas reflexões sobre o país.
Ora vejamos: parece consensual que os portugueses querem que o país se aproxime do nível de vida dos demais países europeus da UE. Mas, pobre e atrasado, haverá um caminho a percorrer, decisões a tomar, etc. etc. O traçado desse caminho e essas decisões não têm de ser descobertas por nós: existem já. Com pequenas diferenças de método, é aquele caminho, são aquelas decisões que nos levam . E chegar , e o mais depressa possível parece ser o que todos queremos com determinação. E queremo-lo tanto que, quando desabam sobre nós diagnósticos frios sobre o longe que estamos do objectivo, o país estremece, diria que se apavora no medo de continuar como é, triste e atrasado. A última vez que tal sucedeu foi com a análise do Dr. Medina Carreira, publicada no Queijo Limiano.
E o que dizem, no fundo, todas essas análises lúcidas? Que estamos no caminho errado, que usamos métodos errados e ineficazes e que os usamos por medo dos side efects dos métodos correctos, que a maioria desses erros, dessas omissões, se deve ao medo da cura, de onde deriva a tibieza, à pusilânimidade, governamental - e à nossa, profissionais que somos na arte da auto-ilusão.
Por isso, a proposta do gerente suiço. Já estiveram num hotel suiço? Pois vão lá...

P.S. E é de um gerente que precisamos, não de um director de colégio interno, seja ele inglês, vocação que parece ser a do Presidente da República.

terça-feira, novembro 30, 2004

Eu preocupado com divertimentos e o Dr. Sampaio a providenciá-los...
Estou convencido que este governo cai mal. Isto é, cai em vão. Decerto houve aselhices, inabilidades. E houve alguns pecadilhos. Nada que não tivesse acontecido antes.
Mas o que fez cair este governo foi o ser ele formado, melhor, ter a cara de pessoas próximas daqueles que se sentem perto do poder, que estão dentro do círculo comutativo do poder, ou tuteiam quem dele faz parte: ora, de vez em quando, metade dos habitantes desse território parco finge que é nova, que é "diferente", que tem um "projecto", põe umas carantonhas de papelão onde estão pintalgadas as insígnias da gravitas e com um ar de distância, com um ar grave, "governa". Estes, os que agora caem, por demais conhecidos nas redacções dos jornais, na "noite" lisboeta, entre as festas dos empregados mais bem pagos dos interesses, não "calhavam", a "suspension of disbelief" funcionava mal. E, sem fantasia, este - esse - país não vive: começa a matutar que assim não pode ser e reclama carantonhas severas: por isso Cavaco, que quer agora as reformas que não fez, ou Guterres, a versão séc XXI da retórica tão balofa quanto grave do oitocentismo que Eça fustigou. Ou Sócrates, que foi a correr pôr uma caraça lúgubre de estadista.
Substancialmente, não fazem nada de diferente do que estes fizeram. Nem vão fazer. É inútil, pior, é estulto esperar que façam, tratando-se da mesma massa. E a massa é má.
Eu, para que ninguém sofra mais, porque estas coisas sempre custam, e fazem despesa, e alvoraçam (atrasei hoje páginas de leitura) alvitro que se contrate para a governação um bom gerente de hotel suiço. Ficávamos todos melhor servidos.
Se poder vir também algum pessoal...

No outro dia - sempre no outro dia - fui a Lisboa e conversei demoradamente com o meu alfaiate. Acabei por me decidir pelas palas nos bolsos. Depois, resolvido esse e outros assuntos, saído da alfaiataria, respirei o ar frio do Chiado e comprei, numa livraria, o "Ritos de iniciação e sociedades secretas" do Eliade. Quase à porta da livraria conspirava Pacheco Pereira, uma bela nota de "Chiado ancién" que estimei observar. Eduardo Prado Coelho, na Bénard, fez-me perder o ânimo que buscava nuns scones e chá. Desalentado, desci o Chiado.
Estive a pensar em relacionar tudo isto, cosmicamente, como passatempo para a season.

A apresentadora solicitava aos participantes que não se perdessem em "tecnicismos". Ora vamos lá ver em que pode consistir um "tecnicismo", uma questão de datas, por exemplo: nos países do 1º mundo - e em parte dos do 3º - o prazo máximo de prisão sem acusação não vai além de alguns dias ou mesmo de horas. Aqui, pode ir até um ano. E, até muito recentemente, a pessoa podia estar presa sem saber sequer porquê, sendo essa, aliás, a prática corrente. A coisas destas chama a apresentadora "tecnicismos". É interessante.
Tudo o que aqui é dito agora, já o disse antes. Nunca será demais, porém, relembrar o que somos, a persistência da brutalidade, da crueldade, da desumanidade a par com a má fé daqueles que têm o atrevimento de proclamarem na praça pública o "avanço" e a bondade dos nossos códigos.
As questões penais ( e de processo penal) são um bom instrumento para aferir da conta em que nos temos, do que achamos que merecemos, do que somos. E, aqui somos culpados, provisórios inocentes, culpados a ser.

sábado, novembro 27, 2004

O silêncio é, aqui - e "aqui" é o mundo dos blogs - quase impossível: confunde-se com desleixo e abandono, abastardado pela persistência do último post, pela sua "antiguidade" convexa. E gestos tais como posts vazios, grandiloquências de adolescente devoto, excesso de veemência, de afinco, também são pouco recomendáveis.
Fica assim, por isso, como está, um post velho à cabeça, por me apetecer estar calado.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Tons ouro, amarelo, crèmes foncés e esmaecidos, verdes gastos da velha Gobelins (a data, c.1750, constava em baixo numa placa pequena), o programa de uma tarde, a visita à ilha do lago. Um cortesão ajudava as senhoras a subirem para o barco. Alguma melancolia. Pensei, por um tempo, tratar-se de um divertimento há muito aborrecido por todos, mas havia sorrisos de algum entusiasmo. O concerto da ilha, onde já se encontram convivas. Escapam-me os pormenores, há muito que não vejo a tapeçaria e penso agora que estão a acabar os tempos em que a poderei rever sem demasiadas explicações, sem manchas de pretexto, aparecer para o lanche basta, eis todo o necessário - e, se por desejo de mudança que não é de esperar da idade da minha anfitriã, estivesse agora noutro lugar, numa sala menos acessível, ainda assim seria bem acolhido e pareceria natural o meu pedido para a rever. Relembrei-me hoje, depois do almoço, daquele pequeno bosque e da ilha ao ouvir as "Pièces froids" de Satie que foram, pelo labor da luz e da memória, mais do que peças musicais, a sala, a peça de passagem, sempre fria, onde, em tardes de sol, a pequena orquestra esperava os retardatários entre os dois contadores sombrios.

sexta-feira, novembro 19, 2004

Da sala, fogão aceso, livro novo, alguma neura, contemplo o blog e os caminhos que a ele levam, como sítios longínquos e desabrigados.

quarta-feira, novembro 17, 2004

À minha lista do "também já não era o que foi" veio juntar-se a The Economist: um estudo daquela revista coloca Portugal no 19º lugar (a contar de cima!!!) na lista dos países onde é bom viver. Portugal estaria, segundo o estudo, acima de países como a Grã-Bretanha e a França (sic).
Já há tempos a Economist se tinha declarado republicana tendo, por isso, entrado para a minha lista de "só me faltava esta, não tarda nada estás no cesto dos papéis" .
Está provado agora que ensandeceu de vez.
Menos papelada para ler.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Por vezes chega, velha visita, o sentimento do precário de tudo isto - e "isto" somos nós e tudo o que nos rodeia.
Encontro algum paradoxal alívio num sentir geológico, numa microscopia de lentidão quase incomensurável, absurda.
Uma outra velha amiga, emerge do frio, sorri, admoesta-me sobre as minhas preocupações com as malaises em voga e lembra-me que preciso de ir comprar tinteiros para a impressora.
"Sempre passeia e apanha sol" - diz ela.
Evito a capitulação total: "compro os tinteiros amanhã, em Lisboa. São mais baratos".

sexta-feira, novembro 12, 2004

...................................
Through all their former Places, we
Like Individuals go
Who something lost, the seeking for
Is all that's left them, now

Emily Dickinson

segunda-feira, novembro 08, 2004

Tarde azul, amena e a eternidade do que já foi. Traços de nuvens rosa, sobre o cinza ténue do fim de tarde.
Schubert, op. 100, breves reflexões sobre a contingência e elogio da peripécia. Vidas aventurosas de antanho e sua glorificação.
Preguiça e vagares.

sábado, novembro 06, 2004

Assisti (ontem?) à libertação da hospedeira do avião envolvido no tráfico de droga.
A justiça venezuelana parecer ser o que a nossa não é: célere.
Nalguns telejornais, contudo, a situação é tratada com o espírito "até que enfim, são inocentes, ora esta, o atrevimento!"
Quando se trata da "nossa" "justiça, ao invés, é preciso ser sereno, respeitar os trâmites, os prazos ( no caso da prisão preventiva sem acusação, 18 - dezoito - vezes superior, em Portugal), aguardar, não discutir o que está em segredo de justiça e aceita-se placidamente que inocentes possam estar presos sem saberem porquê.
Somos assim.

Tarde magnífica. Vou passear.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Estou convencido, pelo que fui lendo nos jornais, que há pessoas inocentes detidas no caso da Venezulea, como já disse num post anterior e, por isso, espero que sejam libertadas o mais depressa possível.Dito isto, averiguemos de legitimidades para mostrar indignação perante o sucedido com a tripulação do avião envolvido no tráfico de droga: o Código de Processo Penal da Venezuela, produto de um governo anterior ao de Chavez, é, incomparavelmente, mais avançado, por mais humano, por mais respeitador dos direitos de defesa que o nosso. Ao pé daquele diploma o nosso código é um amontoado de horrores. Calem-se, por isso, todos aqueles que, aqui, defendem que é preciso "deixar trabalhar a justiça", quando isso significa, por exemplo, poder ter pessoas presas sem acusação durante um ano de e outras enormidades de igual jaez permitidas em Portugal com geral aplauso.O estado das prisões da Venezuela é que já se pode assacar a Chavez e, por isso, não me surpreende que seja o que se diz que é. Convirá, porém, lembrarmo-nos que, pertencendo nós, nominalmente, ao 1º Mundo, o estado das nossas prisões, observado por um norueguês ou um sueco, não será muito menos horrivel do que o dos cárceres venezuelanos, o que não deixa margem para grandes indignações. Atento tudo isto, era melhor que estivéssemos calados.
Com conhecimento ao marujo FNV que já denunciou alguns double standards.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Sempre estive convencido da vitória do Presidente Bush e as primeiras projecções confirmaram a minha previsão. Esperei ainda um tempo para ver se haveria algum suspense, mas logo percebi que não. Que fazer para animar a noite? A resposta surgiu rápida: assistir a tudo através de um canal francês. Assim fiz! E, de facto, muito me ri com a TV5. Os franceses, que ainda há pouco tempo tiveram de optar entre dois homens de estado de uma estatura gigantesca, Le Pen e Chirac e olhavam, por isso, a coisa de muito alto, não deixavam de alinhar pelo smart casual de Kerry e da sua femme-potage, a afro-americana (assim ela se apresenta) Teresa Ferreira. Sem a menor preocupação de rigor ou isenção, falaram, falaram durante horas (o que aquela gente adora ouvir-se e fingir que ouve os outros ouvirem-se...) sobre a má escolha dos norte-americanos.
Enquanto falavam para deplorarem o resultado, devem ter arranjado ocasião para darem as suas ordens de compra, já que, quando acordei, hoje de manhã, a bolsa de Paris estava em alta (franca).
Uma noite divertida com uma conclusão moral e matinal adequada.

quinta-feira, outubro 28, 2004

Declara-se, solenemente, que o signatário não tem quaisquer interesses económicos ou de outro jaez nas empresas envolvidas.
Dito isto:
Que o café é muito bom, é. E o design da máquina idem.
Começo o dia com um Livanto e...
Vejam...
O Rua da Judiaria fez um ano. Em nome da reciprocidade deveria abster-me raivosamente de mencionar a efeméride. Não posso, porém: o Rua da Judiaria tem-me fornecido informação interessante, fruto de trabalho onde se adivinha comprometimento, seriedade e interesse. O Impensavel, por seu turno, é um blog de impressões dilettantes. Perante situações tão diferentes, invocar a reciprocidade? Não! Parabéns!

O Impensavel ainda não descobriu onde está a informação das datas de fundação dos blogs. Cumprimentador por natureza, vê-se, por isso, afastado das comemorações. Agradece-se, sem alvíssaras, a quem elucide.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Tenho seguido, desatentamente, as notícias da prisão de vários portugueses na Venezuela.
Não sei se estão inocentes ou culpados ,mas todos eles, inocentes e culpados, se os houver, tiveram sorte, muita sorte em serem presos na Venezuela, país do 3º mundo, e não no ridente Portugal de "brandos costumes"
Na Venezuela os interrogatórios apenas podem ser efectuados das sete da manhã às sete da noite - e não, como em Portugal madrugada fora, sem limite de tempo - os arguidos têm acesso a todo o processo e, desde que estejam presos preventivamente, a acusação tem de ser deduzida em 20 dias (1). Se não o for, serão libertados.
Ou seja, nada de semelhante à barbárie portuguesa.
Interessante é relembrar as vozes que, aqui, ainda recentemente, se levantaram para defender o nosso código de processo penal. Diz tanto sobre nós, este sereno convívio com a brutalidade e a desumanidade...

(1) Prazo em Portugal, normal 6 (seis) meses, mas pode chegar a 1 ano (um ano). E já agora, emendo "sereno". Leia-se entusiasta.

terça-feira, outubro 26, 2004

A noite passada tive frio, daquele frio agradável de se ter, por ser o remédio dele uma peripécia pequena e fácil. Antes, lá fora, tinha observado o nevoeiro. O silêncio é feito daquele mesmo granulado de penumbra e espera.

Desfaço-me do branco e adopto este azul para o que vem, o cair raso e macio, de passos lentos.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Uma senhora deputada do PS que, penso, já foi secretária de estado de assuntos referentes ao arrendamento, quer introduzir modificações ao novo regime de forma a evitar "despejos por raiva". Acho que sim. E que, sendo a raiva uma nefasta emoção, deve a deputada apresentar projectos de legislação anti-raiva em todas as actividades económicas. Diria mesmo, a vacina anti-rábica deveria ser condição para se exercer qualquer actividade económica.
E empresa criada, negociação, novo produto lançado no mercado, tudo deveria sofrer o escrutínio de uma comissão - com algumas centenas de membros seráficos, de nomeação parlamentar, que certificasse as boas intenções das partes.
Linkou o Impensavel que muito obrigado, agradece, o Binoculista.

sábado, outubro 23, 2004

A previsão era de ventania, de temporal desfeito. Esteve um dia glorioso, uma tarde magnífica como só as têm Outubro e o Outono e a noite está muito calma, muito serena. Não tenho é ninguém com quem a partilhar, nem que seja para uma simples passeata. A culpa é minha, todavia. Confiado nas previsões do Intituto Nacional de Meteoreologia, bastante mais sombrias do que se podia prever pela observação destas, resolvi ficar por aqui, enquanto os incautos se derrramavam por concertos, jantares e passeios. O meu programa para este fim-de-semana era, em suma, a recolha sumarenta, amanhã, dos relatos das desditas dos desgraçados, a quem eu iria consolando, não sem lhes relembrar que bem lhes tinha dito, velho sábio avisado, que não estava tempo para sair.
Ao invés, ficarei a remoer, aborrecido e amuado, os relatos que não me diexarão de fazer em retaliação.
Que tire daqui uma lição: entre as previsões europeias e as norte-americanas, não hesitar, doravante, em seguir as últimas.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Where I am, I don't know, I'll never know, in the silence you don't know, you must go on, I can't go on, I'll go on.

Samuel Beckett, The Unnamable



quarta-feira, outubro 20, 2004

"Vou descansar no cinza húmido destes dias" Isto não é uma frase, é um lugar comum, trivial, um sintoma dessas sensibilidades que andam por aí nas promoções da metáfora pronto-a-vestir e que há trinta anos faziam "efeito". Estão gastas, felizmente, mas são baratas e não se resiste à pechincha.
Não descansei nada, estive irritado e preocupado, farto da ventania. Outro dia medíocre, folheei o TLS que chegou e mais nada. E agora reparo nesta outra pechincha, mais dvdosa(1) e modernaça mas que vai dar no mesmo, é o ar confessional hodierno, a gente finge confessar nadas em má prosa e que sim, que é assim mesmo, muito spleen, busca-se aquiescências e, vá lá, já adivinharam, cumplicidades, ainda se diz, sem tremolos. Que desonestidade, que falta de vergonha na cara, este fingir que se disse tudo, que se desabafou, oh o culto da fragilidade, do "eu sou isto" ou o mais sofisticado naif e oculto, o compungido: "se eu fosse apenas isto", outra impostura bondosa quando se é pouco mais, segundo tudo leva a crer, que esse lamento fingido e verdadeiro. Enfim, o que me tem animado é o Gilgamesh. Não fora o Gilgamesh, em boa hora comprado, e estaria a contas com um Outubro muito desagrádavel. Sério.

1 - é da interioridade, o dvd ainda é uma novidade. Há muito que não se pergunta, "Já há em dvd?" que há sempre, se não da zona 2, da zona 1, - a famigerada zona 1... -mas eu fiquei com esta no ouvido. E há, de facto: "Comprei o pack do Dreyer". Tem de se convir: é dvdoso. Eu acho.

terça-feira, outubro 19, 2004



Goya, Caprichos

Estou de mau humor, noto ao ler alguns "posts" recentes. Talvez o Verão prolongado, talvez outra coisa qualquer. "Ninguém se conhece".
Vou descansar no cinza húmido destes dias.

segunda-feira, outubro 18, 2004

Gosto de ouvir Paula Rego "contar" as suas obras. No outro dia, na televisão, contava alguns das telas que estão em Serralves. Duas delas são inspiradas na vinda para o Estoril de algumas famílias reais europeias e acompanhantes, durante a II Guerra Mundial. Numa delas, contava, um rapaz, português, está de braguilha aberta, pronto a ser abusado por um estrangeiro, presumivelmente um aristocrata, pois então. Que asssim era, como, aliás se dizia e sabia, asseverava Paula Rego. É coisa que sabemos bem que assim era... se optarmos, como Paula Rego optou, talvez malgrè elle, pelo mito do Portugal rural, vivendo uma perene idade de ouro como o entendia o salazarismo: aqui imperaria o bucolismo virtuoso de todo um povo laborioso e feliz e, lá de fora, da Topia, vinham as ameaças, as perversões que contaminariam o bom povo português. Isto é xenofobia, preto no branco demagógico, mitificação primária. É que não era assim aqui, terra da branda violência, terra sem estatisticas - que são obra do diabo -, mas fica mal dizer, ou saber que situações de abuso infantil ocorriam naquela alegre casa aldeã, ou naqueloutra do operário neo-realista, talvez membro do partido.
Ah, falta dizer que os aristocratas estrangeiros abusadores da mocidade pátria, não fazem parte do círculo de grandes pensadores, intelectuais e artistas de esquerda a quem tudo é, foi, evidentemente, permitido. Que o irmão do Conde Balthus produzisse pornografia para consumo de Gide et coetera é assunto que apenas gente de somenos pode não perceber.
Ver Paula Rego, sempre. Ouvi-la? Tsc, tsc.


quinta-feira, outubro 14, 2004

A mudança de colónia mostrou-se desastrosa: estive todo o dia à espera que servissem o chá e sandwiches de pepino a lamentar-me por ser pouco original e honesto - se bem que, devo dizer, a minha desonestidade consista, maioritariamente, num atabalhoamento de propósitos - e ao lanche comi quantidades desusadas de pão com manteiga.
Verei, hoje à noite, "The importance of being Earnest". Aconselho esta versão, que frequento há bastante tempo.
Para aguçar curiosidades a quem possa não ter ainda lido ou visto, esta extradordinária fala de Lady Bracknell:

"LADY BRACKNELL: Well, I must say, Algernon, that I think it is high time that Mr. Bunbury made up his mind whether he was going to live or die. This shilly-shallying with the question is absurd. Nor do I in any way approve of the modern sympathy with invalids. I consider it morbid. Illness of any kind is hardly a thing to be encouraged in others. Health is the primary duty of life. I am always telling that to your poor uncle, but he never seems to take much notice . . . as far as any improvement in his ailment goes. Well, Algernon, of course if you are obliged to be beside the bedside of Mr. Bunbury, I have nothing more to say. But I would be much obliged if you would ask Mr. Bunbury, from me, to be kind enough not to have a relapse on Saturday, for I rely on you to arrange my music for me. It is my last reception, and one wants something that will encourage conversation, particularly at the end of the season when every one has practically said whatever they had to say, which, in most cases, was probably not much."


Linkaram o Impensavel, que agradece muito obrigado, o Sedentário, o Brain Damages, o Stand Up Comedy e o Blog do Marcelo.

quarta-feira, outubro 13, 2004

O Houaïss, que comprei contra vontade, não refere o vocábulo "sinecismo".
No Google a resposta foi imediata.

Justificava-se a minha relutância.

Ontem à noite, no "Dossier Bergman" revejo o acordar da irmã moribunda de "Lágrimas e suspiros". Os gestos matutinos, neutros, "físicos", e depois o pavor, o despertar para a morte que é o despertar para a nossa humanidade, o locus de onde concretizamos a nossa singularidade.

Depois disto, deitei-me, li umas páginas do Diccionario do Pinho Leal, e acordei para este dia sem sequelas, envolto na suave e agradável luz da rotina. Apesar de tudo, e por precaução, mudei de água de colónia. A de ontem - uma das preferidas por Churchill, the bully, criada em 1902, tornou-me estranhamente buliçoso e o Bergman às 3 da manhã não é para repetir. Optei, por isso, por uma outra que me parece propiciar um après dîner mais calmo.
Bom tempo, apesar do vento. Vou passear.

terça-feira, outubro 12, 2004

O Impensavel desfaz equívocos

Não, Caro Mia Pouco, este impensável não é o blog do diligente Jorge Reis com hífen Sá, dinâmico editor e admirador de não-sei-quem Tavares Rodrigues que foi entrevistado há dias por Ana Sousa Dias.
O autor deste blog nunca foi dinâmico ou promissor e embora não se congratule com essa falta de qualidades, não deixa de se orgulhar com o facto de que, daqui, nada há a esperar senão a velha portuguesa preguiça e a conservadora desconfiança pelas novidades, sejam elas instituições, ideias, ou pessoas.
Vou passear que o dia está muito bonito.

segunda-feira, outubro 11, 2004

Finalmente, uma temperatura decente. Tenho de aproveitar para pôr as leituras em dia e desbate dos montículos de papelada espalhados por aqui e acolá.

Logo, ouvirei a comunicação do primeiro-ministro. E já agora, esclareço a minha opinião sobre o governo actual, antes que se formem, sobre o assunto, incontroláveis correntes hermenêuticas: não é grande coisa, este governo. Mas os outros que o antecederam - e refiro-me a muitos outros - não eram muito melhores, ou sequer melhores: não me parece abusivo dizer que todos os governos da 3ª república se têm pautado pela cobardia, evitando reformas que, reconhecidas embora como fundamentais, não foram feitas pelo simples motivo de que não seriam populares. Infelizmente, não vi ninguém dedicar-se a denunciar esse populismo conformista e imobilista que nos foi empurrando para a cauda da Europa.
Por isso, estranho agora o afã, como se a pátria estivesse, hoje, mais em perigo do que esteve (e está) sempre que uma reforma foi e é adiada.

Subitamente senti-me mais desperto, exclamei: "mas eu tenho muita coisa atrasada para ler!" Revolvi livros, estabeleci prioridades, pu-los por ordem. Nem era preciso confirmar. Mas fui verificar. Era verdade: uns retemperadores 12º C, esta noite, agora! Passou o pesadelo das temperaturas saharicas, sinto os neurónios a mexer, oiço-lhes o ranger.
O Outono chegou, completo.

domingo, outubro 10, 2004

O Chiado já não é a "ladeira vaidosa" (Ramalho) de que eu, em criança, conheci os últimos resquícios, mas já não é, também, a velha senhora que já ninguém visita e vegeta desolada e de todos esquecida do início dos anos 90.Ontem, sábado à tarde, estive lá e se é certo que não encontrei ninguém meu conhecido, não deixava de haver gente e movimento. Comprei uma gravata, abasteci-me de café e, na Fnac, comprei os "packs" de Woody Allen e Ingmar Bergman. Quase contente, descia pela Rua do Carmo, o que, tal como a Garrett, fiz pelo lado errado, quando os petits-four da desaparecida Martins & Costa de boa memória, pela ausência, me restituíram ao desgosto do tempo perdido, por um mecanismo inverso, mas semelhante ao das madelaines.

sexta-feira, outubro 08, 2004

«Cada vez se percebe mais que o "PPD-PSD" não é o PSD, mas um pequeno grupo que se comporta como tal», escreve JPP citado no Blasfémias. Duas leituras: ou o pequeno grupo se comporta como o PSD e, nesse caso, é de a gente se perguntar como é que se percebe que não é o PSD, ou comporta-se como um pequeno grupo que finge - mal - ser o PSD, o que levanta o problema de saber o que é o "verdadeiro" PSD e se há possibilidades de começar a fingir mais eficazmente, (embora o problema resida em saber o que fingir, exactamente). Em ambas as hipóteses, parece que estamos, "mutatis mutandis", em face de uma tese idêntica à que assevera que o regime que vigorou na ex-URSS não era o "verdadeiro" socialismo e que, no fundo, demonstra as dificuldades da desilusão.
Mas aqui, no nosso caso, há, no entanto, um modo de saber se o pequeno grupo é, ou não é, o "verdadeiro" PSD: os ilustre deputados daquele partido, actualmente em funções, não foram escolhidos pelo "pequeno grupo", pelo que terão possibilidades de pertencerem ao "verdadeiro" PSD. Dado que é de crer que o verdadeiro PSD é constituído por homens de firmes convicções e princípios, não deixarão de demonstrar a sua têmpera, através de iniciativas parlamentares adequadas. E existem os congressos, onde estarão ainda outros homens de firmes de convicções e princípios que serão o "verdadeiro" PSD e mal será que não tomem as atitudes que os seus princípios exigirão.Parece que há votos por inerência. Sabia do problema. Espanta-me apenas que o "verdadeiro" PSD não tenha já corrigido esse mal, que tenha coexistido com ele ao longo de tanto tempo. É da gente pasmar, convenha-se.
Fico à espera do que se passará.

E esta ventania? Aqui, o vento começa a rodar para Sudoeste, depois de fortes rajadas de Sul


"Apolo's temple"
Roy Lichtenstein

quinta-feira, outubro 07, 2004

Acesso difícil ao blog, foi um post ao ar. Sem importancia: lamentava-me do calor e desditas da tarde e acabava por declarar que desejaria emigrar para um país mais frio. 21º agora, às onze e um quarto. Dentro de casa, um ar abafado e calor, inútil tentar ler ou fazer qualquer coisa.
Fui ver o que dizia conspirava JPP sobre o caso do dia. Encontrei o "rigorosos e especiosos"
É evidente que as palavras do ministro são, por si, uma pressão, e entendidas como tal num país onde ainda é possível o uso de argumentos tão imberbes e palermas como o do contraditório sem que se erga uma imensa gargalhada, onde existem orgãos com nomes saídos de uma opera burlesca (a Alta Autoridade), e todos os dias cria no seu seio novas atitudes inanes (a especiosidade de que fala JPP, tão típica num país de legistas), com tão mais entusiasmo quanto a sua observação conduziria à inacção legítima.
Mas isto tudo não quer dizer que o governo, para além do que em público fez - o que seria grave, se houvesse coisas graves em Portugal - tivesse feito mais em privado. Não creio que o tenha feito, já por medo, já por mera inépcia - e este pôr de lado as "hipóteses virtuosas" é já um mau modo de ser português, de que me penitencio.

Eu não creio que o governo tenha feito pressões sobre a TVI, descontadas as declarações e queixumes do ministro. E não creio, porque, quem pode ameaçar e ameaçar eficazmente, não se lamenta. Ora, ameaçar o Eng. Paes do Amaral, que além de engenheiro, é conde, rico, um membro do verdadeiro stablishement nacional não é coisa que caiba nas competências do actual governo, onde há ministros novos, com filhos, se não eles mesmos, ainda a precisarem de emprego - e com o futuro e a família não se brinca. Não! O que me parece é que, com a inépcia do ministro Silva, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que já andaria a pensar sair da TVI, encontrou maneira de o fazer do melhor modo possível, criando a suspeita de ter sido silenciado, de ser uma vítima do actual governo... Poucos o saberiam fazer tão bem e provocando tanto dano.
Também se pode ter dado, é claro, o caso de uma real pressão, mas desconfio... atendendo ao exposto.
A não ser, claro está, que se tivesse tratado de pura inconsciência.
Contudo, este "tudo é possível" circular, beneficia o Prof. Sente-se o golpe de mestre.
Uhm...
Se foi, de facto, um golpe dele...
Desse dia 7 de há muitos anos, primeiro de escola, nada lembro senão a recomendação ao professor: "Pulso forte, pulso forte", erupção da rudeza nacional numa educação que se pretendia "como lá fora", mas que não tolerava "rebeldias". Não precisava de pulso forte coisa alguma.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Dia de S. Francisco de Assis

Cântico das Criaturas

I

Altíssimo, omnipotente,
Bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória,
A honra e toda a bênção.

II

Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar.

III

Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor
Irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.

IV

E ele é belo e radiante
Com grande esplendor:
De ti, Altíssimo, é a imagem.

V

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste claras
E preciosas e belas.

VI

Louvado sejas, meu Senhor.
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado
Ou sereno, e todo o tempo,
Pelo qual às tuas criaturas
Dás sustento.

VII

Louvado sejas, meu Senhor
Pela irmã Água,
Que é mui útil e humilde
E preciosa e casta.

VIII

Louvado sejas, me Senhor,
Pelo irmão Fogo
Pelo qual iluminas a noite.
E ele é belo e jucundo.
E vigoroso e forte.

IX

Louvado sejas, meu Senhor
Por nossa irmã a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.

X

Louvado sejas, meu Senhor
Pelos que perdoam por teu amor,
E suportam enfermidades e
Tribulações.

XI

Bem-aventurados os que as
Sustentam em paz,
Que por ti, Altíssimo,
Serão coroados.

XII

Louvado sejas, meu Senhor
Por nossa irmã
A Morte corporal,
Da qual homem algum
Pode escapar.

XIII

Ai dos que morrerem em
Pecado mortal!
Felizes os que ela achar
Conforme à tua
Santíssima vontade
Porque a morte segunda
Não lhes fará mal!

XIV

Louvai e bendizei a
Meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande
Humildade.

domingo, outubro 03, 2004

Fui comprar cigarros, a uma "grande superfície", pensando poder passear, solitário, pela bucólica álea dos detergentes - já aqui disse e reitero: uma das mais interessantes - e encontro uma multidão, melhor, pequenos cardumes a disputarem iscos variados (software, dvds, mostra de vinhos e enchidos).
Voltei para casa.



sexta-feira, outubro 01, 2004

Hoje o vento que sopra vem do mar e do verão que já foi. Aqui, no vidro da janela, depõe as imagens do caminho longo: a voluta transparente de ar fresco, o flectir da ramagem, o gesto que se protege da poalha fresca, a lembrança daquele sítio, passadas as casas,lá sobre o mar, de que nos fala Emily Dickinson:

Contentamento é a ida
De uma alma do interior para o mar
Passadas as casas - passados os promontórios -
Até à profunda Eternidade

Criado como nós, entre montanhas,
Pode o marinheiro entender
A intoxicação divina
Da primeira légua longe da terra?

terça-feira, setembro 28, 2004

28º C a esta hora, em fins de Setembro, convenha-se que é demais. Por mim, a política está traçada: enquanto reinar esta insensatez não faço seja o que for. Repito: absolutamente nada.
Noite dedicada a La Rochefoucauld.
O pessimismo lúcido (porquanto também há o pessimismo ingénuo), parece-me o melhor ponto de observação para encontrar e estabelecer algumas dúvidas menos firmes, e nesse terreno alagadiço e moldável, erigir possibilidades, acreditar, apesar de tudo, em redenções - na sagrada, única, ou nas profanas.

segunda-feira, setembro 27, 2004

sábado, setembro 25, 2004

Novos Links

Linkaram o o Impensavel o Hardblog, o Portas de Santana, o Garfiar, o Classe Média, Babugem e o Contra a Corrente.
O Impensavel agradece, grato, e pede desculpa pela demora com que o faz.

Ao Contra a Corrente agradece ainda a simpatia com que se referiu ao Impensavel.

sexta-feira, setembro 24, 2004

La Rochefoucauld, Maximes (Écartées): "La ruine du prochain plaît aux amis et aux ennemis"

quinta-feira, setembro 23, 2004

O Anarca, a quem agradeço reconhecidamente os parabéns, está em maré grega ( honny soit, etc etc...) e polvilha o seu blog com imagens que muito devem agradar à Bomba, Mme. de Jouarre cibernética. Ambos parecem comungar do mesmo gosto pelas modernices supérfluas, sendo certo que depois de Gilgamesh nada de relevante aconteceu em literatura. Epopeia por epopeia, caro Anarca, é esta que deve ler, não a Odisseia que fontes bem informadas me confidenciaram, com desgosto, ocupar os seus magros tempos de leitura.
Caso partilhe do lamentável quase geral desconhecimento do acadiano, leia esta tradução que a livraria muito bem classifica como roman contemporain.
Perdi um longo post em que longa, respeitosa e afectuosamente agradecia a Charlotte os parabéns pelo dia de anos do Impensavel e o seu gosto pelo blog.
Dedicava-me, depois, a consideração desagradáveis sobre o tempo, a morte do antigo calendário de vilegiatura e acabava a gabarolar-me da minha decisão de em férias me considerar e nada fazer enquanto o calor não desaparecesse.
Ia iniciar algumas considerações (breves) sobre o Outono, quando decidi interromper e publicar o que estava. Sobreveio, então, a catástrofe e vi-me sem nada do que havia escrito.
Perturbado ainda, passo à parte pictórica da minha homenagem a este Outono de quente começo.



"Les bagneuses" de Fragonnard


quarta-feira, setembro 22, 2004

Pensei, primeiro, que era a 29, mas ontem fui ver e é hoje que faz um ano que iniciei o blog.
E cá está, como começou: sem um objectivo, um desígnio, uma intenção. Passados que são já os entusiamos do início - que passam rapidamente - e tendo pouco a festejar e nada a lamentar, seduz-me a ideia mesma de duração, que em Portugal - e em mim - se corporiza numa jactância leve: "por cá estamos, menos mal, mais um ano, sim senhor", o anúncio público de que, apesar de tudo - e esse "tudo" é um universo largo e presumidamente hostil, prenhe de coisas desagradáveis que podiam muito bem ter acontecido só para nos prejudicar e aborrecer- de que, apesar disso, dessa "má vontade" difusa, nos achamos não desprezíveis seres, por muito que o nosso maior empenho não seja outro senão o de irmos estando.
E por isso cá estou, cá vou estando.


terça-feira, setembro 21, 2004

"E nós os sete Portugueses que a este tempo, como ja disse, estauamos na praça para nos venderem em leylão, tomamos por remedio mais certo da nossa saluação tornamonos a meter na mazmorra, sem que ministro algum da justiça ou outra pessoa nos leuasse, ou fosse com nosco, ouuemos que em o Mocadão carcereyro della nos meter das porta a dentro, não nos fazia pequena mercê."

Fernão Mendes Pinto, Peregrinação

A estratégia surtiu efeito. Continua a ser aplicada.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Regressado definitivamente a casa e disperso pelas temíveis tarefas do "mettre en train" de toda uma estação, só hoje me apercebi que há uma bolsa de blogs, que o Impensavel está lá cotado e que alguém named John comprou e vendeu acções. As características da operação levam-me a supor que este pobre blog faz parte de um recôndito e exótico mercado emergente de alto risco onde se aventura gente sem crédito nem ética. Farei, assim, todos os possíveis para que nada ganhem.

Charlotte do Bomba Inteligente, farta dos meus lamentos e choros sobre o destino pátrio resolveu pôr termo à falta de gosto e fê-lo do modo definitivo que as senhoras inteligentes têm para tratar desses assuntos e que consiste numa mistura infalível de bom-senso, ironia magnânima, "não me arruine o jantar, por tão pouco, vai quer um pouco mais de «oignon confit»?" e firmeza: "Mandei fazer por sua causa, vai querer!". Certo é que aqui estou, caladinho e enxuto, a cogitar, mas sem escrevinhar lamúrias, quase recomposto.
Infinitamente grato, apresso-me a dar-lhe os meus parabéns atrasados.

domingo, setembro 19, 2004

Revigorado pelo som primevo e primordial (sic) dos bombos das festas de Ponte de Lima e já convalescente do sarrabulho, tentarei retomar este blog. Certo é que, em Setembro, no post-férias, e este ano sob a ameaça de obras em casa, é difícil pensar em outra coisa que não seja dormitar na tepidez do tempo.

quinta-feira, setembro 16, 2004

Outro relatório: Portugal é 2º país mais rural da UE e seja isso o que for vou tomar a coisa ao pé da letra.
A ruralidade portuguesa não é uma característica tópica: difusa, existe em cada um de nós, o que, em sí, não é mau, convindo, no entanto, que disso se saiba e com isso se conte. O Portugal rural existe em A-de-Cima e em A-de-Baixo,mas também existe no CCB, no CAM, nos bares da moda. Está lá, esverdeado-transparente, musgoso, nas conversas, nas preocupações, no relato da última saltada a Londres a ver o Hopper. Não me refiro a provincianismo - uma atitude mental desse fiapo de gente que é a classe média citadina de 4ª ou mais gerações - mas a ruralidade com o que a coisa comporta de rústico e tosco e mesquinho e de receios, sem margem para poetizações, a proximidade do torrão magro, da enxada, da vidinha de sol a sol e nisso e com isso tudo, um começo rançoso de distância, no culto-esconjuro do "regresso às raízes" aos "saberes" e idades de oiro.
Ao menos, com o relatório, sempre a gente fica a saber que não temos que nos alarmar, que condiz, que é assim mesmo, daqui a século e meio passa.

quarta-feira, setembro 15, 2004

Pouco a pouco, nos relatórios de organismos internacionais, os dados vão aparecendo: somos pobres, somos iletrados, temos maus serviços, afastamo-nos da Europa. Este país tristonho não é já o país herdado do salazarismo, não é já, sequer, o país onde se projectavam as sombras do país pobre dos anos da ditadura, isto é, não é um credível espaço de lamentação ( e esconjuro) de culpas e erros passados. Este país pobre, quase diria falhado, é o que quisemos, o que, ao longo dos anos, já em democracia, fomos querendo e deixando que fosse, o que hoje em dia queremos e consentimos.
O resultado é mau? O resultado é muito mau, tão mau quanto geralmente desconhecido.
Mas a culpa é nossa, a responsabilidade é nossa, de mais ninguém.


domingo, setembro 12, 2004

Detesto sair aos Domingos.
Hoje, levado por uma infantil vontade de inovação, resolvi ir a casa de amigos, aventura dos seus quatrocentos e tal metros bem medidos. As ruas estavam desertas, pálidas e tépidas, o dão baladão do sino da igreja a chamar os fiéis para a missa da tarde manava do silêncio sonolento, provinciano, rural. Senti-me, de repente, em 1868. Arbitrariamente, já que nada sei de tal ano. Haveria, creio, mais gente nas ruas e a missa da tarde não existia, mas ainda assim foi nesse fim de decénio que me senti. Mas creiam-me - se tenho razão - que secante foi 1868! Tão secante como 2004. Pior não se pode dizer.

sexta-feira, setembro 10, 2004

Ontem ainda foi suportável: o calor era franco e atlântico e o céu estava azul. Passeei-me pela minúscula baixa da cidadezinha, comprei livros. Entre eles, a "Arte de viajar" de Botton, que comecei a ler numa esplanada. A leitura fez-me pensar na utilidade de um"Arte do ficar", mas a empresa, para ser minimamente séria, obrigar-me-ia a deslocação desagradáveis.

Hoje, porém - volto ao tempo - o tempo está de aneurisma, de uma vez túmido e balofo. Com um tempo destes, resta-me "para aqui estar" a vogar pelos sofás, envolto em spleen. Volto a pensar - muito vagamente - em como seria agradável viver num clima jovialmente frio, onde os ares condicionados fossem um apetrecho excêntrico, inútil, e a sua compra motivo de falatório e exprobração luterana. Suspiro pelo longe desta tepidez de purgatório, mas é tudo tão difícil e a vontade, tal como a carne, fraca.
Enquanto em férias o Impensavel foi linkado pelo Amorizade, pelo Passadíssimo and also by the Leviathan and Republic
A todos o Impensavel agradece.

quinta-feira, setembro 09, 2004

Em Portugal, o número de analfabetos iguala o dos licenciados (partem do princípio que não há licenciados analfabetos - nem analfabetos licenciados - o que não me parece boa metodologia, mas enfim). Soube deste facto por um telejornal. O locutor usou um tom taciturno e dramático, como se anunciasse uma coisa grave. E é grave. Mas, gravíssimo e aterrador seria sermos todos letrados e estarmos como estamos. Assim, a esperança é possível para todos os que crêem que, através da melhoria da educação, se alcança a melhoria do país. Eu, que sou um tanto descrente que assim seja, acabo, em momentos exaltados de crença sebastiânica, por ansiar por essa manhã de nevoeiro alfabetizado e, enquanto ela não chega, por atribuir as culpas dos males pátrios à ignorância nacional, com a mesma elevação de pensamento com que, há cem anos, por tudo se atribuíam culpas à monarquia e tudo se esperava da república.

quarta-feira, setembro 08, 2004

terça-feira, setembro 07, 2004

Resumo da minha segunda-feira: agradável conversa de volta de férias com a minha empregada. Gostou do presente. Alguns assuntos domésticos resolvidos. Meditações sobre outros. Leitura do artigo sobre Berlin no TLS de hoje ao som - longínquo e calmante - do ferro de engomar. Saída a compras pequenas e nascimento de projectos de algumas maiores. Primeiras reflexões sobre o assunto. Encontro, antes do jantar, de alguns livros de Cioran que não via há muito e do Provinciales de Pascal, também desaparecido. Mais estantes, preciso de mais algumas estantes. Questão bicuda, passe o plebeísmo, mesmo que universitário.
Chegou a encomenda de Inglaterra (artefactos de barba, grooming products, dizia a encomenda). Demorou três dias úteis, desde o pedido. Regozijo-me com o progresso das comunicações e dos transportes, faria mesmo um discurso sobre o assunto, se fosse necessário. Sensação desagradável, sentir-me capaz de tal.
O sono chega, o post está feito, vou dormir.
Boa noite.



domingo, setembro 05, 2004

"What is a person to do who is tormented by daydreams, but bored sick with his daily life, or any likely variation of it? One possible solution is to turn it into a soap opera, with himself as the principal character. An endless succession of dramatic moments is a powerful substitute for a genuine purpose, and if pursued with enough tenacity will successfully disguise the fact that life is without purpose or even interest."

Aqui, na Spectator. O itálico é meu. Parece-me uma descrição perfeita da vida política em Portugal, nos últimos tempos, embora não tivesse sido essa a intenção do seu autor, Theodore Dalrymple.

sábado, setembro 04, 2004

Resultado da ida às compras, sector de tabacos, livros e revistas:
"Memórias traumáticas tão improváveis como a de raptos por extra-terrestres provocam reacções fisiológicas comparáveis às provocadas por memórias traumáticas verificáveis e mais convencionais, como as recordações de combate no Vietnam."
Tradução impensavel, "Science et Vie" de Setembro.
O estudo referido é da Universidade de Harvard.

sexta-feira, setembro 03, 2004

Confesso que, na praia, fiz projectos para o blog. Ou, pelo menos, uma listagem de indignações pitorescas com que comporia o "regresso" do Impensavel. Os deuses, porém, assim não quiseram - "as usual", aliás - e conduzido divinamente à lentidão destes dias construo sombras para mais tarde, para o Inverno, quando, caídas já as folhas, há delas carestia em dias soalheiros de Janeiro. E isto fazendo, tomo o meu chá, leio ou folheio os livros que comprei ultimamente e medito sobre alguns assuntos secantes de que não vou poder escapar, o que tudo me parece actividade tão bastante que blogar toma foros de excesso.

quinta-feira, agosto 12, 2004


Dia de fazer malas, actividade agradável e cansativa, embora longe de alcançar as dimensões heróicas de tempos idos, quando o processo durava dias (creio que havia uma mala apenas para transportar os livros que cada um queria levar para a praia e lembro-me de um carro que ficava lá, caso alguém quisesse utilizar. Esse alguém era a minha Mãe que, após alguns episódios alguma coisa humilhantes, relacionados com uma esquina difícil, uma sólida esquina dos anos 60, resolveu pôr fim à sua carreira de sportwoman - o carro, porém, ia sempre e por lá ficava).
Perdido o aspecto dramático de outrora, há algumas coisas que, felizmente, se mantêm iguais: há sempre uma coisa que fica esquecida. Eis algo de inelutável, que apenas os mais incautos tentam remediar seja através de um "método" -listas, mnemónicas, verificações levadas até à respectiva mania de - seja através de imprecações (abusivas) a Nossa Senhora dos Navegantes. Eu procedo de outro modo: tento delimitar a importância do objecto esquecido: Carregador de telemóvel? "Aqui está, ponho aqui, já cá está"; o polo azul? Aqui está, já cá está" e assim sucessivamente até ter a ilusão de que me não esqueci de nada. Um perigo grave é a actividade verificatória, quando nos passeamos pela casa, pelas gavetas mais recônditas, e encontramos um "ah isto já cá ficava, ainda bem que encontrei, vou já pôr na mala" Cuidado ao arrumar o dito nas malas: geralmente retira-se sempre alguma coisa que já lá está para caber bem o que lá vamos pôr e é essa gananciosa intenção que se torna responsável pelos "lá ficou, hunft. E agora? Que seca!". Quando voltamos, lá está ela, a coisa esquecida, mesmo ao lado da mala de onde a tirámos, que verificámos ainda mais uma vez antes de sair e onde, julgávamos poder garantir não ficara nada.
Tenho conseguido, nos últimos anos que os objectos esquecidos sejam razoavelmente insignificantes pela renúncia a essas últimas verificações.
Qual será o esquecimento deste ano? Desde que não seja o grande clássico, as chaves das malas que palerma e desnecessariamente fechámos, creio poder estar razoavelmente descansado.

quarta-feira, agosto 11, 2004

Surpresas agradáveis do actual governo: a chamada a S. Bento do Procurador Geral que contribui para atenuar o sentimento de deriva nas coisas da Justiça. Mais importante, a proposta de um pacto de regime. É altura de começar a agir, através de iniciativas legislativas.
Ah, os media continuam a ouvir os sindicatos ou associações do MP e dos Juízes a propósito dos problemas da Justiça. Se os senhores procuradores e os senhores juízes estão numa situação única para apontarem estrangulamentos e defeitos do sistema, não é menos verdade que os juízes são titulares de órgãos soberanos e que, por isso, a existência de sindicatos de juizes é uma completa aberração. Isto, contudo, não parece incomodar muita gente. O interesssante é que os senhores juízes ficam, depois, muito incomodados quando lhes chama "funcionários".
Ou sindicatos e associações sindicais são expressamente proíbidos, em nome da democracia ou há que abrir a via sindical a outros: venha, para já, o sindicato (ou associação) dos senhores generais.

terça-feira, agosto 10, 2004

Estou a ler Stefan Zweig, "Le monde d'hier". Aconselho. É uma autobiografia. Stefan Zweig não terá sido o grande escritor que prometia ser, mas é um muito bom escritor e testemunha de um mundo e de um modo de ser já desaparecidos.
Stefan Zweig é um velho conhecimento meu: fizeram-me ditados (sic) de livros dele (os nomes estrangeiros não contavam para erro). Entrou no grupo dos meus amigos, mais tarde, com o estudo sobre Joseph Fouché.
Vão-me, por isso, desculpar que volte para a sua companhia, na amável Viena do início do século XX.

segunda-feira, agosto 09, 2004

A vida dos meus dias acusa-me de culpar a escola e pergunta-me pelos pais. E os pais, claro que sim. Mas que pais? A maioria é analfabeta funcional. Lê mal e, mesmo que os mova a melhor das boas vontades, a leitura, mesmo de uma lengalenga arrisca-se a fazer perigar a saúde das criancinhas. Histórias à noite, só orais e populares, o que, sendo óptimo, não será suficiente.
Dos menos iletrados, muitos não sabem dizer poesia, e a lengalenga ou história serão, na maior parte das vezes, politicamente correctas, isto é, no extremo do calisto, arriscando-se assim a destruir qualquer vocação leitora.
Os pais que lêem não precisam de incentivar as criancinhas: estas descobrem, bem cedo, que os pais se divertem a ler. E têm, geralmente, garantida a sua história à noite, uma boa e terrífica e arrasadora história para crianças, que lembrarão para sempre. O perigo, para estas criancinhas é que não encontrem na escola uma continuação de casa, ou que a escola não colmate as lacunas da casa, lacunas motivadas, por vezes, por opções estéticas dos pais (para exemplificar, cá por casa não há um só livro de muito autor consagrado das letras pátrias porque eu não gosto.)
Por isso, a escola, também. E para ensinar a ler melhor, mais atentamente. Os pais, mesmo muitos pais que lêem são “common readers”. É preciso que aos 16, 17, anos os adolescentes adquiram (comecem a) apetrechos de leitura mais sofisticados (o que duvido muito é que os actuais professores de português os tenham. Os que conheço parecem-me muito iletrados e com péssimo gosto literário – não falo já, sequer, das calinadas gramaticais).
Mas, e por isso, dou-lhe razão, nada melhor para criar um leitor do que pais que leiam.
Novos Links

Referem este blog o Galo Verde, o Hanamel, o Sócrates e a Lição de Salazar.
O Impensavel agradadece.

domingo, agosto 08, 2004

Tresli, desculpe-me.
Foi o Verão, a seca, o charme pesado de Mrs. (ou Miss) High Summer.

Fui lá fora, à rua: os perfumes do começo, suaves, subtis, do começo de Outono, do começo, breves, iniciais, sugestões, advertência amável, fresca insinuação de Setembro, esvai-se o prumo em carreiros e caminhos, no fim deles o ferro que range no portão reaberto, o mar depois, íntimo, secreto, azul, ínsuas, casa que foi no começo, tédio feliz e miúdo, maçãs sobre a mesa que poetas vêem - li Sophia enquanto chovia - início e recomeço das coisas que vão e perecem, embebidas no tépido do frio, envelhecidas crias ocas e aladas do começo, frutos que terminam, so long Mrs. High Summer. Ou Miss.
No post abaixo, onde me indignava com a falta de leitura etc., tinha uma vírgula a separar um sujeito de um predicado. Eu sei que resultou de uma mudança de planos, mas devia reler tudo bem.

A perfeição não existe! Charlotte acha que se deve escrever linque. É medonho, salvo o devido respeito, parece uma gralha de "líquen". Antes "lig", se se quiser abreviar, conceder à preguiça da sílaba única em que o inglês, por motivos históricos de todos conhecidos, é tão rico.
Sigo, também eu, a discussão sobre ortografia. As crianças não lêem, e não lêem por não haver quem lhes desperte o gosto pela leitura e o ensino do português é de tal modo deficiente que, outro dia, um sobrinho, bom aluno e inteligente, a quem dei um texto a ler me surpreendeu com uma leitura sincopada, hesitante, quase de analfabeto. "Não lêem em voz alta, na escola?", perguntei. "Não", respondeu-me ele. Nem poesia se lê em voz alta! E quanto ao prazer de ler uma obra literária, não me parece que a grande maioria dos actuais professores seja capaz de despertá-lo. O que se faz, parece-me, é obrigar os alunos a decorar teses sobre 4 ou 5 obras ou autores. Mas ler? Ler, não lêem.
Chuva! 0,6 mm segundo o site de meteorologia que consulto e depois de 45 dias sem uma gota.
Começarei a invocar Mrs. (ou Miss? Hesito) High Summer sempre que o Verão atingir o intolerável.
(Acrescentar um chapéu de chuva nas coisas para a praia. E um camisolão.)

sábado, agosto 07, 2004

O amadurecimento, a maturidade, comunga de uma abençoada plenitude quanto de outra, menos bendita, onde vemos excesso, a demasia, a presença desmesurada do todo. E pelo insuportável mesmo da ideia dessa estática, intemporal totalidade, a tomamos por indiciária, começo de veredas, dos caminhos da decomposição: a maturidade apenas é suportável enquanto prenúncio ou denunciado breve instante.

Tamara de Lempicka, "High Summer"

sexta-feira, agosto 06, 2004

Por Zurich: lembrei-me que foi lá que, há muitos anos, vi pela primeira vez, aquelas máquinas registadoras em que o troco é expelido directamente num recipiente apropriado que não o côncavo da nossa palma da mão. Eu de mãozinha estendida e lá estava ele já no pratinho. Decente, honesto, prático, "service, monsieur" (aqui há gente que segura no troco sobre a nossa mão, por longo tempo, e nos obriga àquela vexante situação, enquanto acaba de nos dizer o que acha que tem para nos contar. Por vezes penso: "eu vou-me é embora", mas lá fico sempre, de mão estendida. Uma vez apenas desfiz o gesto, coloquei a mão sobre o balcão, fiquei a ouvir.
Poderia ter telefonado a uma amiga sempre disponível para a limonada da "happy hour", mas está quente e a esplanada deixa de ser agradável acima dos 25º. E estou com sono, aquele sono que nos deixa a leste. Fiquei por casa, onde posso preguiçar, naquele far niente que não é dolce, antes nos agace beaucoup. Depois do 2º café, sentei-me em frente do computador e entretive-me (entre ter, entre dois teres, modo de passar o tempo quando se não tem, verbo admirável) a folheá-lo, entre horários de ferries escandinavos, blogs, a leitura dos jornais. E nos blogs, erros. Um "quiz". Animei... Decidi ser útil. Assim:

AVISO:
Os verbos querer e pôr não têm zês em nenhuma pessoa, em nenhum tempo ou modo. Sim, é tudo "esses", se quiserem pôr a coisa desse modo
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Uff.... bom foi encontrar o Fora do Mundo actualizado. Já nem sabia o que era o Fora do Mundo. Comecei a ler e só quando cheguei a "Zurich is stained" me apercebi daquele "desajeitado smart" da prosa de PM e que PM era o dito. Não, pensei para comigo, não se põem assim de parte vícios velhos. Blogs em Agosto... pffff


Erro, o ter preferido semanas na praia - numa praia onde conheço gente demais e há demasiado tempo - a uma passeata em paz e sossego Europa fora. (Perscrute aqui o Eurorailpass).

Nota às 17:14: ou o inter rail normal ou senior se as bolsas se mantiverem em baixo e o preço do petróleo continuar nas presentes alturas.
E qual o motivo para os empregos nos USA terem crescido tão menos que o esperado? Muito desagradável da parte deles.
A boa notícias de hoje foi a da demissão do Cardoso e Cunha.
Compreendam: não é muito habitual ouvir boas notícias em Portugal. Das poucas que tem havido, a dos bons resultados da TAP foi das mais agradáveis: lucros pela primeira vez em 30 anos. Mas, logo após surgiu outra: o responsável pela façanha ia ser despedido (por não compreender as subtilezas da economia portuguesa): a TAP devia ser desmantelada, não melhorada. O despedimento da equipa Pinto era, em si e por isso, coerente com o estado do país.
Hoje, o Cardoso foi demitido e essa demissão dá-me uma esperança - fugaz, eu sei - de alguma incoerência.

Cartier Bresson
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quinta-feira, agosto 05, 2004

Quarta-feira em Lisboa para compras de última hora antes da praia. Nas quatro lojas em que estive fui sempre o único cliente. A meio da tarde já me preparava para voltar, com as compras feitas e a salvo, vá-se lá saber de quê. Avento hipóteses sobre a hostilidade da capital em férias enquanto bebo a água das pedras, mas é uma tarefa desagradável que ponho de parte. Exames, talvez, lembrança de orais Agosto dentro, fico-me por aí e arrumo o assunto. Mal, mas é assim mesmo, estou de férias.

De manhã, a caminho de Lisboa (pormenor)




terça-feira, agosto 03, 2004

Ontem conversava numa esplanada com uma amiga. Falava-se de velhos tempos e, de repente, relembrei episódios, conversas, ambientes de que não me lembrava há anos. Eram assuntos comuns, pequenas histórias, a maior parte delas francamente divertidas. Não foi, por isso, por mal-estar que não me lembrava. Apenas o eu que tinha vivido tudo aquilo, há muito substituído por outro, resultado de outros acasos, reduziu ao reino da química inorganicamente emocional aqueles episódios que um estranho em mim viveu. E, instalado com algum gosto neste eu actual, temo pelo dia em que o arquivista desconhecido e eficiente que me constrói, me prive, por qualquer motivo de metodologia arquivística, da lembrança destes dias calmos e plácidos, que os converta "naquele tempo improdutivo em que pouco fazia, até tive um blog..."

segunda-feira, agosto 02, 2004

Dezoito disciplinas com médias abaixo dos dez valores
Já apenas faltam três disciplinas para a unanimidade negativa.
Média do exame de física: 6,2; média do exame de matemática: 6,8; média do exame de português, abaixo de 10.
De notar que a média em filosofia e em sociologia é alta, ronda os 13 valores, resultado de admirar em alunos tão solidamente instalados na ileteracia. Mas não nos admiremos, pensemos antes qual o motivo (uhm... é isso, sim, pode-se sempre "puxar" qualquer coisinha, valorizar qualquer balbúcio).
Mas, em suma, as notas conferem com o estado geral do país e com a total incapacidade indígena para resolver problemas substantivamente.
N.B. As políticas educativas que levam a estes resultados não foram produto de governos populistas, ou antes, do populismo que agora se deplora. Mas são fruto de outro, pior, o omissivo (que não parece inquietar consciências nem suscita lamentos de velhinha aos membros da inteligência pátria)

domingo, agosto 01, 2004

Fechada a casa da praia, a ida para férias começou a ter data fixa: era neste dia 1.
E, por dois meses, primeiro, depois apenas por um, estava-se longe daqui, a salvo do calor.
Hoje, passados anos sobre a quebra dessa regra ainda sinto a estranheza de estar aqui, a estas horas, no dia 1 de Agosto e o ser por vontade própria que fiquei em nada contribui para a atenuar.


sábado, julho 31, 2004

Os fogos e as vinganças de aldeia, as cartas abertas, as cabalas de polichinelo, o "diz-se diz-se", o claustrofóbico apavorante provincianismo, que indigência, que tragicomédia, que sordidez lorpa!
Até as burlas, até as burlas se praticam a horas certas e com marcação, entre cáries e pivots e conselhos de higiene oral, onde não estará ausente, talvez, a genuína intenção virtuosa, em nome do progresso, do português novo, do sorriso branco e perfeito da Europa.
Que miséria, que miséria...

P.S. Desta gordurosa salada de horrores devo retirar, mesmo para que este blog não seja acusado de pessimista, o casal suspeito de, por vingança, deitar o fogo às fazendas alheias.
Numa altura em que o diálogo no seio das famílias está tão ameaçado, eis um exemplo, mesmo que desastroso, de que a concórdia é possível.

sexta-feira, julho 30, 2004

Não conheci a Figueira da Foz da imagem - nasci alguns decénios depois - mas a Figueira de que me lembro era a velhice suave dessa que ali vemos. Alguns posteriores arrroubos de modernidade  ( o Grande Hotel e a piscina) não lhe tinham desfigurado o carácter de praia de "belle époque", de fim do século XIX. 
Nos anos setenta começou o lento homicídio. Resta o cadáver embalsamado, por entre folhos e arrebiques de cimento, de uma tremenda falta de gosto.
Dos bons tempos, ficaram, na esplanada, alguns edifícios e a Casa Havanêsa.

Passar férias na Figueira da Foz tornou-se um árduo e triste exercício de abstracção.


quinta-feira, julho 29, 2004

Ninguém fez nada.
Refiro-me aos incêndios.
A incapacidade de lidar com a realidade, de resolver problemas, é total, ou quase.
Há muitos anos que somos vítimas deste populismo por omissão que consiste em não resolver seja o que for que incomode quem quer que seja  e se traduza num preço eleitoral a pagar. Que digo? Que se traduza num mero e leve desconforto decisório.
A realidade retribui e, também ela, não muda.


terça-feira, julho 27, 2004

sábado, julho 24, 2004

Continua o calor (não corre uma aragem) mas enfim... resignemo-nos.
Faz hoje 171 anos que entrou em Lisboa o exército liberal e, com ele, o respectivo regime.
Os resultados não foram, porém, os melhores, como com facilidade se verifica, apesar de governos muito probos, com gente muito grave e sabedora.

N.B. Isto não é uma sureptícia apologia do Governo do Senhor D. Miguel I (que também tinha homens muito probos, severos e sabedores (o Visconde de Santarém, o 2º, uma luminária, un philosophe).

sexta-feira, julho 23, 2004

21:42: 30,5º C  Saída cancelada, daqui de ao pé do ar condicionado, não arredo pé.
Mas há quem cante os prazeres do Verão...

 

Muitas vezes começo a escrever e, a meio, percebo que “tenho de ir primeiro por ali e ainda acolá” o que me leva tempo e castigará as minhas pobres falanges  e “corto caminho”. Resulta dessa preguiça o ficar o que escrevo uma outra coisa, muito longe do que pretendia dizer aquando acometido da fúria blogante.
Hoje, por exemplo, quereria expressar a minha admiração pelo tom catastrófico, ou a para lá caminhar,  usado por comentadores quando de referem ao actual governo e sei que a tarefa demoria. Fico pelo essencial: concedo a legitimidade de alguma inquietação. De resto, porém, parece-me que o governo não será muito pior do que o habitual; e o habitual é mau, ou muito fraquinho, o que condiz, afinal, connosco.
Que uma parte da classe média antiga (grande parte a viver nas cidades maiores do litoral) se esqueça,  de vez em quando, do que somos (um pobre país que foi até há bem pouco tempo um pobríssimo país, com índices de terceiro mundo) e se imagine e à paisagem, a viver na média europeia, é coisa de que não tenho culpa alguma.
Nem este governo.
O que nele  incomoda mais é, parece-me, o  tornar essa doce ilusão do “Portugal moderno e europeu” mais difícil,  já que não vem “legitimado” e afiançado  para descanso do indígena, nem pela gravitas universitária, nem pelo carácter distante e sombrio do mandarim (necessidade  que, em si, atesta o nosso subdesenvolvimento democrático e mental). Pondo as coisas “carrément”: “são gajos como nós” e alguns deles serão piores que nós (outros, melhores,  lembraremos menos) gente que conhecemos, que sabemos onde mora,  com quem já jantámos, que não nos surpreende que se tenha envolvido em conflitos pela posse de gabinetes, ou qualquer outra infantilidade, aliás simpática. Somos nós, são iguais a nós.
E “nós” somos isto. E por “isto”, pela realidade, tanta gente assustada....
Não se aflijam: há cem anos era pior.

quinta-feira, julho 22, 2004

Links & blogs
Uma vez mais perdi os  links para os blogs que  visito com mais regularidade.
Estou a tentar reconstrui-los.


Creio que era Vasco Pulido Valente quem se interrogava, outro dia, sobre que Grécia será esta Europa da nova Roma.
À esquerda e à direita os primeiros indícios,  as primeiras respostas começam a surgir e não são animadoras. Será que tentaremos ainda ser uma Grécia, ou, como tudo parece apontar, escolhemos o modelo egípcio?
A situação é esta: estou aborrecido, pior,  in a fit of spleen. Spleen de província,  pacato.
Por enquanto, há a aragem de noroeste mas, vivendo no medo que ela acabe, não a consigo apreciar. Sou tão português quanto isto: recolho a ansiedade que escorre do futuro e dela faço o alimento do dia de hoje. 
Ao menos que o vento continue, pela tarde.



quarta-feira, julho 21, 2004

Ou, fugido do calor, vir  para aqui,

preparar as leituras de Inverno, meditar num hotel confortável sobre  destinos surpreendentes de misses inglesas e, por £ 0,99, comprar um "Leather bookmark printed with the Parsonage,Church and Top Withens. Assorted colours with gold lettering" ou, a £ 5,99 uma "Wooden dipping pen with a gilt nib. Assorted choice of woods" e, seguramente, "a set of four calligraphy nibs to go with the wooden or quill pens" por £ 3,50
De seguida, e enquanto a canícula não abandonasse a península, congeminar três seres que se sentissem felizes com estes recuerdos as christmas gifts. Tarefa difícil: todas elas - são elas - teriam de habitar as redondezas espirituais das "revêries" de  velhíssimas professoras de inglês, sítios inóspitos, se não inverosímeis, nos dias que correm. 



segunda-feira, julho 19, 2004

Por vezes, tudo se modifica e a bonança, que parecia ameaçada, instala-se. Outras, porém, o caminho até à catastrófe é rectilineo, estupidamente certo e previsível.
Se  se confirmarem os saharicos 40º C, sairei daqui.
Estou a pensar em Espinho, bem servida de combóios, mas estou aberto a qualquer fria sugestão.



sábado, julho 17, 2004

Escrevia ontem o meu maître à penser, Dr. VPV: "Hoje há um ar de irrealidade no advento de Santana Lopes. Ninguém acredita que está a suceder o que está a suceder. É um sentimento comum em véspera de catástrofe."
 
Não sinto tal ar de irrealidade, aqui, neste canto da província. E creio que não haverá catástrofe alguma para além daquelas, mesquinhas  e mudas, que nos assinalam a passagem do tempo.
O Dr. Santana Lopes chegou ao mandarinato. Mas não era isso previsível e natural? Era. Os trinta anos da democracia portuguesa encarregaram-se de tornar quase uma quase impossibilidade primeiros-ministros que não sejam políticos profissionais. É o que sucede nas outras democracias, mais velhas, e à luz do que nelas é habitual, invulgar e atípica foi a carreira do  Prof. Cavaco Silva, não a do actual primeiro-ministro ou do Dr. Sócrates.
É mau que assim seja?
Isso é outro assunto. 
 



sexta-feira, julho 16, 2004

Ouvi há pouco a notícia de que o Dr. Pacheco Pereira não pretendia já ocupar o cargo de embaixador junto da Unesco para que fora nomeado.
Assistia ao ilustre bloguista o direito de o exercer mesmo que não apoiando o novo governo: os embaixadores representam estados, não governos, e é de supor que existam políticas de estado a prosseguir e interesses nacionais a defender.
No entanto, não pode ser embaixador quem se exprime sobre o seu país como o Dr. Pacheco Pereira o fez no Abrupto: decentemente, ninguém pode esperar que alguém que publicamente lamenta o pobre destino do seu país  possa representá-lo perante outro estado ou numa organização do cariz da Unesco.
O Dr. Pacheco Pereira, resolveu, por isso, optar por manter-se em Portugal e fazer oposição ao governo do seu partido com o qual não concorda.
Ainda bem, faz cá falta. Que, leal e com franqueza, diga o que acha que deve dizer sobre o seu país.  É altura de Portugal começar a compreender, a respeitar o "dissender". 
E, embora do acima dito retire eu que a opção não podia, de facto,  ser outra, ainda assim está de parabéns por ter tirado  as consequências que se impunham, quando há quem faça da inconsequência um modo de estar. 

Parabéns - atrasados embora - ao Miniscente pelo primeiro ano de existência.

quinta-feira, julho 15, 2004

"Oh, what has become of my past and where is it? I used to be young, happy, clever, I used to be able to think and frame clever ideas, the present and the future seemed to me full of hope. Why do we almost before we have begun to live, become dull, gray, uninteresting, lazy, apathetic, useless, unhappy? (. . .)"

"The three sisters", Tchekov



Há 100 anos, morria em Badenweiler, Alemanha,
Anton Tchekov.
Leo Rabeneck, um estudante russo que se hospedara no mesmo hotel, relata os últimos momentos do escritor.

"The doctor began giving him the oxygen. After a few minutes he whispered to me to go downstaires to the hall porter and fetche a bottle of champagne and a glass. Once more I desappeared and returned some time later with the champagne. The doctor filled the glass almost to the brim and offered it to Anton Pavlovich. The later accepted it with pleasure, smiled his attractive smile, said «Its a long time since I last drank champagne» and gallantly drained the glass in one go."
Sopra, agora, um vento fresco.
20º C. Mas esta temperatura a esta hora... amanhã (logo, daqui a pouco!) vai ser outro terrível dia.

terça-feira, julho 13, 2004

Estes não dispensam a cartola (mas dispensariam o coelho) É isto que se passa no governo do poder judicial. Mesmo descontado o exagero jornalístico, é grave.
É um assunto tão nosso quanto o da composição do governo, ou da assembleia da república.
O Almocreve incomoda-se com os coelhos saídos da cartola. Creio que o ilustre bloguista foi vítima de uma ilusão de óptica: eu, pelo menos, não vi cartola nenhuma. Vi os coelhos. Mas não saíram da cartola. Actualmente basta mostrar os coelhos em si. O mistério é, agora, o da transparência absoluta: pertence hoje à transparência o que em séculos passados coube às trevas.
O meu comentário ao texto de Maîstre não se coaduna com a gravidade do assunto. Mantive-o por uma questão de respeito às pessoas que, de vez em quando, lêem este blog e porque o tédio é uma força poderosa, afinal.
No entanto convém esclarecer que Maîstre não é um escritor "pitoresco" e "divertido" pelas suas "enormdidades" (tudo entre aspas, sim). O fundamental da tese de Berlin, explanada em "Joseph de Maîstre and the origins of fascism", é a de que Maîstre não é o último homem da ordem velha, mas o primeiro de uma nova era - a nossa - e que o seu pensamento contém em germe a teorização do totalitarismo tal como veio existir no sec. XX - e que nada nos garante não virá a existir de novo.
Esclarecimento feito
De Maîstre li pouco: "Les considerations sur la France". Quando resolvi comprar "Les soirées de Saint-Pétersbourg" recuei perante o tamanho da obra - e preço (encontrei uma parte substancial publicada "on line" mas detesto ler no "écran"). Sobre Maîstre li, essencialmente, o que escreveu Berlin.
Ontem encontrei, transcrito por Sir Isaiah, um dos mais sombrios, ferozes e belos textos de Maîstre:
"...Cependant quel être [dans le carnage permanent] exterminera celui qui les extermine tous? Lui. C'est l'homme qui est chargé d'égorger l'homme... Ainsi s'accomplit... la grande loi de la destruction violente des êtres vivants. La terre entière, continuellement imbibée de sang, n'est qu'un autel immense où tout ce qui vit doit être immolé sans fin, sans mesure, sans relâche, jusqu'a consommation des chôses, jusqu'à l'extinction du mal, jusqu'à la mort de la mort"

Um grande texto contra o tédio que, infelizmente, parece ser um desagradável efeito secundário das boas intenções bem sucedidas. Aliás, a única fraqueza do texto é essa: é, também ele, bem intencionado. Sobrevive a essa mácula, contudo, e o terror do homem entregue ao seu tenebroso destino não deixa de estar magnificamente descrito, de provocar, mesmo hoje, algum medo. Diria, um sadio medo.
Link
O Último Urinol "linkou" o impensavel, que agradece.

segunda-feira, julho 12, 2004

Encontro no "Freedom and its Betrayal" de Berlin, a pergunta fundamental da filosofia politica: "Why should anyone obey anyone else?".
Creio que pouca gente pensou, em Portugal, nesta questão: os programas escolares do ensino secundário não a levantam, como apurei num breve inquérito: das respostas de alguns alunos mais aplicados pude perceber que consideravam a questão histórica, resolvida, colocam-na num passado nebuloso. A resposta não dita à pergunta, mas por mim pressentida era a de "por que sim" a par com algumas considerações também elas históricas...
Creio, por isso, que muita gente chegará a cargos importantes (governo, magistratura) sem, verdadeiramente, ter pensado nesta questão central.
E daí progridem, por defeito, de omissão em omissão pensadora.

domingo, julho 11, 2004

Na pilha de livros para arrumar, as "Cenas da Vida portuguesa" de Maria Filomena Mónica. Ao pegar no livro, lembro-me de uma afirmação sobre a política salazarista. Vou à procura e encontro-a sem dificuldades, logo no capítulo I, os "Trinta anos que mudaram Portugal". Transcrevo: "Durante as primeiras décadas do seu consulado, Salazar fechou o País ao exterior, tentando moldá-lo de acordo com os seus ideais. A intervenção do Estado na sociedade aumentou de tal forma que alguns estudiosos do período têm dificuldades em aceitar o regime como pertencendo à família capitalista(itálico impensável)."
Conviria não esquecer este forte intervencionismo estatal. Entre este, patriarcal e paternalista, e o preconizado pelos socialismos (que tem como corolário a demonização do "liberalismo", tido como "selvagem" - seria interessante dissecar o uso deste termo), o istmo de liberdade é, ainda hoje, uma estreita língua de terra pouco firme e ameaçada: é que desde Salazar até hoje há fios condutores que permaneceram. Um deles, é um profunda desconfiança pelo povo, que não é, nunca, de fiar. Veja-se, v.g., a lei dos partidos políticos e a tão ilustrativa história do instituto do referendo: dir-se-ia que a emergência política da classe média, operada com o 25 de Abril, apenas democratizou, em Portugal, o profundo cepticismo do ditador.
Talvez, agora, com a "Europa", a influência de modelos de comportamento estrangeiros, veículada pelos "mass media" uma segunda geração comece a sentir curiosidade por algo que em Portugal nunca existiu: um estado pequeno, esquecido das suas glórias imperiais, "moderno" e funcional, sem preocupações escatológicas.
Desde que essa geração prescinda, é claro, de querer que ele, o estado, empregue aquele primo que, coitado, é bom rapaz e precisa mais do que os outros de um emprego, ou que renuncie ao subsídio estatal para pôr em práica aquela ideia que se, tão útil e que, já sabe, neste país, ninguém apoia.

sexta-feira, julho 09, 2004

Correio. Os livros encomendados na amazom.co.uk., um deles já lido, os outros que tinha anotado há uns tempos e de que depois me esquecera de encomendar. O já lido é o "Freedom and its betrayal", de Sir Isaiah Berlin. Releio, com alguma gula, o começo do ensaio sobre Hegel: "Off all the ideas that originated during the period which I am discussing, the Hegelian system has perhaps had the greatest influence on contemporary thought. It is a vast mythology wich, like many other mythologies, has great powers of illumination as well as great powers of obscuring whatever it touches".
Dos esquecidos , o "The view from nowhere" de Thomas Nagel. A clareza é quase humilhante para qualquer leitor continental e português em particular:"This book is about a single problem: how to combine the perspective of a particular person inside the world with an objective view of the same world, the person and his viewpoint included".
O "How Proust can change your life" do Alain de Botton, assim mesmo, traduzido em inglês - não é snobismo ou anti francesismo doentio: foi mera distracção - deixa-me esperançado: o capítulo 4 intitula-se: "how to suffer sucessfully"

Que manhã perfeita foi a de hoje! Amena e límpida, passou risonhamente, muito azul e calma.
Quando leio ou oiço falar do "regresso à vidinha", como se da execução de uma pena se tratasse, não deixo de me admirar com o efeito oclusivo das concepções heróicas da vida. Não vêem estas manhãs perfeitas? É a vidinha...

quinta-feira, julho 08, 2004

E ele, o iniciado nos mistérios da Pina Colada não gosta apenas do "professor". Lê, no emprego, também, o "blog do doutor".
Habitual volta de depois de almoço pelos blogs. No Abrupto, o elogio do centro - o que é, afinal, sobre que geometria repousa? - alguns processos de intenção em relação ao possível governo liderado por Santana Lopes, o alerta para a ingenuidade de quem espera políticas liberais. Não é o meu caso, que me limito a esperar, muito ao de leve, menos ferocidade estatista (e não para já...).
O que não compreendo é o apego pelo "centro" - ou pela governação ao dito. Não lhe conheço outra virtude senão a perpetuação, em sossego, - e para sossego de quem governa - da incapacidade de "modernização", de resolver problemas. A obra do "centro" tem consistido em tornar suportável, atráves de uma difusão pardacenta de culpas e responsabilidades, a tensão entre imaginários de primeiro mundo e um quotidiano degradante de país atrasado que JPP se compraz em mostrar - numa reedição de uma calçada de carriche narcotizada por passagens desniveladas e "acessibilidades".
"Eles que resolvam lá o assunto entre eles", diz a sua Luísa outra banda: e resolvem. Ao centro, no centro da impunidade. Direi mesmo que o medo principal "deles" é que mais alguém queira resolver, começando por pedir contas, perguntar "então como é que é?"
Eu, por exemplo, que votei no ilustre bloguista, não faço a mais pequena ideia do que fez no Parlamento europeu. De que comissões fez parte? Por que soluções propugnou nesta e naquela questão? Limitou-se a lamentar a "pobre Europa, esta"?
Quando deu contas aos seus eleitores do que lá fez? Talvez que, se der - e de um modo visível, que o eleitorado, já se sabe, é calaceiro - eu pense noutra coisa antes de ir para férias. Entre as releitura dos contos de Tchekov - faz no dia 15 cem anos que morreu - vagos projectos de visitar a casa de Churchill e quinze dias numa praia ventosa e fria prometo arranjar tempo para examinar o trabalho do meu insigne representante na UE. Não lhe prometo é suor.

quarta-feira, julho 07, 2004

Links
O "Nortadas" e o "Zé Aquilino Santos, o passageiro" linkaram o Impensavel, que agradece.
A lentidão: agora é o conselho de estado.
Aconselho que se siga tudo saboreando. É a nossa demoracia a funcionar. E não há motivos para que seja mais expedita do que uma qualquer repartição estatal, daquelas onde vivemos as alegrias da nossa modernização.
Leve-se tudo isto com um sorriso: o tempo está fresco e para quem não goste da nortada pela tarde, sempre é um entretém.
Assisto, divertido, ao espectáculo da lentidão. Mais do que "consensos", "atitudes reflectidas" "prudência" e outras loas prestamos culto à lentidão.
Nada de precipitações!

terça-feira, julho 06, 2004

De que ri? Não sei ao certo. Creio que do modo quase compulsivo como previlegiamos o acessório e o processual, de como criamos e alimentamos bizantinices e bizarrias. Constantinopla do ocidente, dicutimos tudo menos o essencial e o óbvio.
Hoje, ouvi, num noticiário, o Prof. Jorge Miranda explicar, com minúcia, que o Presidente tinha aceitado a demissão que o Dr. Durão Barroso lhe apresentara ontem.
Logo antes, ou logo depois, referências à comoção futebolística do Sr. Presidente, que choramingara, de novo.
E, de repente, dei comigo a rir, a rir com gosto, como me riria, creio, se com antecipada bonomia assistisse a uma rábula ensaiada no salão paroquial de qualquer recôndita freguesia.
Passado o ataque de hilaridade, fico, porém, com a sensação que o preço do bilhete é exagerado, mesmo estando imbuído de espírito humanitário, desejando ajudar. Posso estar errado: afinal, ainda não sei para que fins reverte a receita da récita.

segunda-feira, julho 05, 2004

Vento oes-noroeste, atlântico, lá de onde veio o nosso destino e, antes dele, já desesperavam donzelas por salvação.

"E cercarõ-mh as ondas do alto mar;
nõ ey barqueyro, nem sey remar!
eu atendend'o meu amigo!
eu atendend'o o meu amigo!"

sábado, julho 03, 2004

Ontem, Sophia de Mello Breyner morreu.

"Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade."