domingo, outubro 30, 2011

Suetónio enumera algumas medidas positivas de Nero: «interditum ne quid in popinis cocti praeter legumina aut holera ueniret, cum antea nullum non obsoni proponeretur». E prossegue: «afflicti suppliciis Christiani, genus hominum superstitionis nouae ac malefica».

A seguir às medidas de proibição de pratos cozidos nos cabarets, com excepção para algumas hortaliças e caldos de legumes, o martírio dessa gente daninha - sem excepções.

sábado, outubro 29, 2011


Canções de Outono: Les feuilles mortes.
A Patachou e a Piaff eram ouvidas pelas gerações mais velhas e incutido o gosto de as ouvir nos mais pequenos: «Quando forem a Paris...». A Greco, uma existencialista dos «caveaux existencialistas» (sic, era mesmo assim) era menos escutada. Esta versão, de um Outono pouco europeu, não sei se agradaria, mas é a que fica.

quinta-feira, outubro 27, 2011

Ontem foi o primeiro dia da heating season. Usei os aquecimentos e, há pouco, um plaid.
Meditei, ao jantar, sobre o frio que se passava em casas de jantar frigidíssimas de outros tempos, umas das quais conheço bem (ainda hoje não perderam a catadura severa de quem terá, certamente, contribuído para abreviar algumas vidas).

quarta-feira, outubro 26, 2011

Queixavam-se em Viseu os lojistas da rua deserta e triste.
Também aqui, onde vivo impera o ermamento.
Não é sinal do progresso - que Abranhos já elogiava e ainda hoje é usado para calar «velhos do Restelo» - mas de más políticas.
Convenço-me que, por nós mesmos, somos incapazes de sair deste beco frio, enlameado, inóspito. Uma imagem novecentista para um pessimismo que lhe é anterior mas vem até nós (o percurso Burke-Buñuel).

sexta-feira, outubro 21, 2011

A ler Julian Barnes, «The sense of an ending».
A tradução portuguesa será nesse português adulterado e sabujo que este triste estado negociou com os brasileiros, por isso a compra foi na Kindle.
Lê-se o original - que chegou em segundos mágicos - e poupa-se dinheiro em tempos de crise.

segunda-feira, outubro 17, 2011

Enquanto isto (que tem a desgraça da verosimilhaça) continuam os indícios de que o regime - e o regime é, essencialmente, um estado autoritário e clientelar que, sem autocratas visíveis, (Pombal ou Salazar), retoma a sua feição química de colóide de vícios e bulimias em distintos graus de sufragação - entretém-se o país em teses e discussões e tentativas sobre o modo e o modelo de acção para desatar o nó que, sabemos, já não pode ser senão cortado. Falta o espírito resoluto de Górdio - que foi pai de Midas (e sem um nem outro, espera-nos a cantina).

Entretanto, enquanto o país definha, prossegue a bom ritmo a vandalização da Língua Portuguesa. Piores do que os pequenos burocratas iletrados a quem venderam cinco ou seis palermices para que ajudem ao crime, são aqueles intelectuais, escritores, poetas, com obras tão etéreas que se não controem com palavras, e a quem, por isso, a questão não interessa - De minimis non curat praetor.

sábado, outubro 01, 2011

De Vasco Pulido Valente, no Público de ontem

Esta semana toda a gente se ocupou dos primeiros 100 dias do Governo. Contar por 100 dias não dá sorte. A medida, quando apareceu na história, era uma referência ao regresso de Napoleão a França entre a ilha de Elba e a catástrofe final de Waterloo. Napoleão não tinha uma política, não tinha dinheiro e não tinha apoio popular. O Governo Passos Coelho não está tão mal. Tem a "política" da troika, que no fundo não passa de um caderno de encargos com algum sentido, mas muitas vezes sem pertinência, nem conhecimento da realidade (como até Cavaco admitiu); e tem uma vontade misteriosa de exceder o programa da troika, não se sabe em que direcção e de que maneira. Os portugueses, bombardeados diariamente por números que assustam e deprimem, andam por aí como almas penadas.

O que não se viu ainda foi um plano de reforma coerente, claro e compreensível. Não há um plano para a reforma da administração central, não há um plano para a reforma da administração local, não há um plano para a reforma do sector empresarial do Estado, não há um plano para a reforma da Saúde. Não há um plano para nada. Os ministros cortam aqui e cortam ali, extinguem isto e aquilo ou fundem alhos com bugalhos: talvez bem, talvez mal. Infelizmente, essa grande actividade parece uma caçada aos pardais. No meio da confusão não se distingue um objectivo, um método, um propósito. Cada um atira para onde lhe dá na gana ou trata do sarilho do dia. É escusado procurar uma ordem. E o dr. Passos Coelho, com a sua suavidade e simpatia, não se explica e de quando em quando contribui mesmo para aumentar a confusão.

Os ministros, coitados, não ajudam. O ministro das Finanças, com o seu pequeno ar de contabilista melancólico, não chega a ninguém. O ministro da Economia, que escreveu um livro pedante e pueril, anunciando que, se o deixassem, iria rapidamente limpar a casa, desapareceu num mundo que ele não conhece. A sra. ministra da Justiça continua remota e misteriosa. E o sr. ministro Relvas, sem qualquer autoridade que o país reconheça, ocupa quase sozinho o palco, e gesticula e berra, provavelmente sem consequência. Em conjunto, o Governo, entre a súplica e a bravata, entre uma fé espúria no futuro da Pátria e ameaças de tragédia, não convence. Passos Coelho é um homem resoluto à procura do compromisso e da "unidade". E um homem hesitante à procura de firmeza e respeito. É muito capaz de perder pelos dois lados.

(Destaques impensáveis).