domingo, junho 29, 2008

Descendo, C. CCC, descendo, conversando distraidamente - e desviando o olhar, de vez em quando.
Não reparei é que tivesse sido tanto.
Marcel Duchamps, Font, 1917
Que, diga-se, estou convencido que a do subsídio de maternidade por aborto é um mero lapso*: os defensores do aborto, onde se conta o governo e o partido que o apoia, defenderam perante os portugueses que o feto não era vida humana. De "coisa humana" o classificou a grandessísima Lídia Jorge, no que foi entusiasticamente seguida por outros e outras grandessíssimas lídias jorges; quem aborta não pode, por isso, na óptica do legislador, sequer ser uma negação de mãe: nada, mas nada, tem a ver com maternidade e, por isso, com o subsídio.
Convém que isto fique esclarecido já antes de férias.

* ou um um ready-made legislativo num governo que não está longe das tensões da estética dadaísta. Esperar que tomemos por lei, por em-si normativo uma proposição que vive apenas enquanto tensão de impossibilidade e o façamos por adesão acrítico-formal - numa subsunção às magias da publicação no diário legal (framed, e não nos poupa ao piscar de olho que nos convida/compele à descrença da/na normatividade mesma numa deriva magrittiana «ceci n'est pas une loi»)?
É interessante, muito interessante, mas aquela gente do constitucional não assina isto, acho eu.
A do subsdídio de maternidade às abortantes, acrescentada às declarações da directora Moreira sobre o direito ao sucesso e ao que por aí mais vai, tudo me dá a impressão de que está na altura do benigno anfitrião de Mugabe começar a pensar muito a sério em fazer as malas.
Desvairios & tontices

Daqui: «A aberração surge na regulamentação do subsídio de maternidade, constante do art. 4º, n.º 2: "o subsídio social de maternidade é garantido às mulheres nas situações de parto de nado-vivo ou morto, de aborto espontâneo, de interrupção voluntária da gravidez (...)" É mesmo assim: de súbito e sem pré-aviso a "interrupção voluntária da gravidez" surge equiparada à maternidade, para efeitos de definir quem tem direito a receber o subsídio social de maternidade.O acto voluntário de quem recusou a maternidade aparece contemplado com o subsídio que a lei anuncia e proclama como destinado a reforçar a protecção social da maternidade!O aborto, que já é financiado pelos impostos de todos no sistema nacional de saúde, dá ainda direito ao "subsídio social de maternidade"!Assim se tropeça, pelo meio de um diploma e metida a martelo, com a prioridade social deste governo: estimular o aborto. Este não é apenas um acto livre e gratuito (ou seja, cujos custos são suportados pelo Estado). Passa a ser também um acto subsidiado pelo Estado.»

sábado, junho 28, 2008

"Os alunos têm direito a ter sucesso. Talvez fosse útil excluir dos correctores aqueles professores que têm repetidamente classificações distantes da média. O que louva o trabalho do professor é o sucesso dos alunos."

A autora é a famigerada Margarida Moreira.
Estamos entregues a charlatães de feira.

sexta-feira, junho 27, 2008

Nos últimos meses vários juízes agredidos??? Vários???
Quem nos vale?
Auroras róseas, a luz inigualável da manhã, a gravidade solene do meio-dia, a poalha dourada que tudo envolve ao entardecer, as noites suaves, a nebelina ténue que, de madrugada, sobe dos vales onde se abrigam os frescos vergéis - e sim, talvez se oiça, ao longe, o rumorejar alegre - ou meditativo - daquele ribeiro.
Só volto a falar do tempo em Setembro.

quinta-feira, junho 26, 2008

quarta-feira, junho 25, 2008

Valha-nos Deus. Valhamo-nos nós no que soubermos e pudermos, mas valha-nos Deus.
Vem a súplica por isto. Via este blog.
Nem sei explicar. Nem é a notícia em si, por si: que vão em férias e arejem a cabeça. O que me deixa num estranho torpor de desânimo é que me lembro logo do criado do Dâmaso Salcede, o tal que, passada a amizade do seu amo com Carlos da Maia, deixou os sapatos de polimento e voltou à chinela de que gostava e o patrão não estranhava nem lhe censurava.

Assim a investigação e, no geral, pensar e reflectir são chics desnecessários, que nos apertam as meninges até ao extremo desconforto do polimento. Pensar dói, se apertado na rigidez de formas novas e o nosso pobre corpo caloso faz-nos sofrer a cada passo entre hemisférios.
E para quê tudo isto, se vem tudo lá de fora já pensado?
Abjecto:

«Repare-se que DECEÇÃO passa a ter um P mudo facultativo, não porque a letra E se pronuncie com vogal aberta (isso não tem importância nenhuma para os autores do Acordo, como eles próprios dizem — está escrito na Nota Explicativa do AO), mas porque no Brasil se escreve com P.
Ou seja, o meu P mudo, que até agora era euro-afro-asiático-oceânico e servia para indicar o timbre da vogal precedente, passará a ser brasileiro, e é por ser brasileiro e por não ser mudo na norma culta brasileira que eu vou poder continuar a escrevê-lo muda e ortograficamente em Portugal. »

Do post do Prof. António Emiliano no Em defesa da Língua Portuguesa.
Será possível que o vôo para aquela ilhota fria e húmida demore 9 horas?
Fria, sim, mantas aconselhadas para poder ler na preguiçadeira ao ar livre, que é ar de mar de latitudes distantes. Adormecer com o barulho das ondas, as manhãs com a maresia dissipadas em passeatas calmas à pequena povoação, os depois de almoço na espreguiçadeira, arrepios e salpicos sobre o livro, mais tarde. A pena de me ter esquecido da máquina das fotografias quando entrar na igrejinha que já vi aqui - na net . Tão bom que não sei se alguma vez suportaria, sem grave perigo para a saúde estar lá, e essa dúvida - nada pior do que uma dúvida em férias - faz aluir a minha determinação, uma determinação tão firme de início.

terça-feira, junho 24, 2008

Creio que este blog acabou na Primavera de 2006, mas já que o continuo - clandestinamente, em fase celestial - , que me ocupe de angariar se não crentes, leitores. Interessando-me pouco seja pelo que for e menos por futebol e política, resta-me a pornografia. É com muito gosto que anuncio a publicação, em folhetins, da novela «Tremor em Oslo, as aventuras de um kiekegaardiano». O primeiro capítulo, intitulado A lavandaria será enviado por e-mail a quem provar ter visitado o blog até ao dia 30 de Junho próximo (têm, por isso, tempo de avisar os vossos amigos) Os premiados receberão ainda um pequeno artigo intitulado «Antes do Tremor: o Temor em Oslo, distâncias e proximidades na indecisão novelesca».

segunda-feira, junho 23, 2008

Pela primeira vez que alguém pôe em dúvida a necessidade de mais cimento e se interroga sobre os meios para o pagar.
Não sei se a voz de Manuela Ferreira Leite é a voz pela qual clamamos. É, desde já, uma voz educada, civilizada, que sabe bem ouvir, depois da estridência roufenha com que Pinto de Sousa berra ao país as mentirolas canhestras que engendra. Por mim, estou farto de gente malcriada.
A muitos poderão parecer estas minhas observações muito superficiais e fúteis mas quem gosta de algum sossego e detesta a ululância comprender-me-à.
"Superficial e fútil", é, aliás, um dos defeitos que noto no actual governo. Em tese geral nada tenho contra o superficial - sempre estranhei esta má vontade contra o à flor da pele, com cultos tão entusiastas a outros propósitos - e gosto do fútil, mas no caso do actual governo, a falta de gosto tem incustrada uma leviandade-moçoila-serrana que exigiria para um mínimo de adesão, um esforço pouco consentâneo com a dispersão do dia-a-dia moderno. Um toque Zsa Zsa Gabor no primeiro-ministro e converter-me-ia. Isto é que não.

sábado, junho 21, 2008

É uma das tramas dos filmes de terror: o auxílo não vem de onde se espera, a pousada não é segura. Há anos, numa cama de hospital um desgraçado sentia falta de ar e pedia auxílio. As enfermeiras mandaram-no estar quieto, que era assim mesmo. Sem poder falar, rabisca nos jornais um pedido de auxílio. As duas enfermeiras, aos pés da cama, nada fazem, mandam-no estar quietinho e não ser mimado. A médica, que devia ter ido vê-lo não foi.
O infeliz morreu sufocado.
Ontem foi conhecida a sentença aplicada à médica e a uma das enfermeiras (a outra fugiu). Pagaram de multa, cada uma perto de 80 contos, se bem ouvi.
No mesmo dia, uma mãe que provocou a morte do filho foi condenada a 5 anos de prisão, mas pena suspensa...
Isto não é humanitarismo, nem teorias ou políticas criminais modernas.
Isto é o velhíssimo desprezo pela vida humana.

sexta-feira, junho 20, 2008

Houve o rumor de que estava doente e depois a notícia das melhoras e da cura; passado tempo, a entrevista a Rui Ramos. Depois de mais silêncio, a crónica da operação e a ida para casa. De qualquer modo, é muito pouco e não se falar mais de Miguel Esteves Cardoso não prognostica nada de bom para o país. Nada de bom.

quinta-feira, junho 19, 2008


Cyd Charrisse com Fred Astaire, Dancing in the dark
Dou comigo a pensar na desgraçada chantagem e desrespeito pela democracia, tão evidentes neste assunto do tratado. Bem sei que, de Sarkozys a Sócrates, toda esta gente desaparece num repente quando surge alguém, mas infelizmente, não é certo que surja sempre alguém nem é bom que se precise de alguém para fazer o que alguém sempre faz: transformar em insignificantes questiúnculas do passado o que, até aí, eram as grandes questões do mundo.
Este maltratado de Lisboa traz-me melancólico.

quarta-feira, junho 18, 2008

Escrevia eu aqui que me tinha ocorrido pensar que se voltássemos a ser um pouco menos vulgares e boçais do que temos sido nos últimos tempos, talvez todos ganhássemos, que não havia nada de mais contagioso que a má-criação e que é muito desagradável viver num sítio mal frequentado.
E se é contagiosa! Hoje pasmei ao ler a resposta de Bénard da Costa à Prof. Pires de Lima (e se eu gosto do Benard e menos da antiga ministra!): aquilo não se escreve e a única desculpa que pode ter são os maus exemplos e as más companhias
A questão das línguas e da matemática era a das «as bases»: sem bases sólidas as melhoras eram difíceis, mesmo com dedicação; todos sabiam que não se estudava de um dia para o outro uma língua ou matemática, a resolução de um problema exigia o domínio de vários anos de matéria.
Por isso, a melhoria súbita, de um ano para o outro, dos resultados em matemática (menos 39% de negativas) só nos pode elucidar sobre a ineficácia dos embustes usados para melhorar artificialmente resultados. E, no meio de tudo, valha-nos isso.

Ir de férias

segunda-feira, junho 16, 2008

Nota: este ano não me esqueci do Bloomsday. Vantagens do no. Mas esquecer-me-ia de pôr no blog se não fosse ter visto aqui.
Há muitos anos, uma senhora a quem o empregado da livraria que sempre a aconselhava em matérias literárias tinha vendido a tradução portuguesa, perguntava, ligeiramente temerosa, num jantar, depois de, em voz baixa, se certificar que o vizinho de mesa tinha lido: "mas ele saiu de casa para comprar rins?"

As minhas sinestesias
Vento de noroeste, atlântico, azuis profundos, mas luminosos e lustrosos, a publicidade às linhas aéreas dos anos cinquenta.

domingo, junho 15, 2008

Ler o artigo de Vasco Pulido Valente sobre a Europa e a democracia e a fraude à democracia que se tenta perante o não da Irlanda.
Alguns repentes de leaders europeus em reacção aos resultados do referendo irlandês fazem-me crer que não foi em vão que Mugabe esteve em Lisboa como convidado da Presidência da UE. Tudo leva a crer que foi ouvido com muita atenção.
Este não vislumbrar um cómodo de sageza, estas rugas só de desidratação e mecânica da derme, tudo isto me maça e deprime um pouco.
Mas, basta de lamentações: o jantar foi agradável, os hors d'oeuvres bons, como se faziam quando eu era pequeno (alguém lembrou um restaurante desse tempo, famoso pelos acepipes), não se falou de absolutamente nada interessante, o que não deixa de ser repousante. Começámos a jantar no jardim e só no fim do jantar houve queixas de frio.

sábado, junho 14, 2008

Irá ser leiloado parte do espólio de Fernando Pessoa, pertença de sua Família.
O estado, ao que se sabe, está interessado em ficar com os documentos - que sendo em grande parte constituídos pelo dossier Crowley poderão ser comprados por ingleses - e parece que quer opor-se, por meios burocráticos, à sua possível saída.
Seria de esperar que o estado pagasse o que lhe pedissem, ou solicitasse o direito de preferência no leilão, tudo soluções expectáveis para um governo tão preocupado com a Língua Portuguesa e com o governo futuro do mundo, mas parece que é mais fácil e barato fazer reformas de ortografia - a que Fernando Pessoa chamava actos imorais - do que abrir o cordão à bolsa (que é a nossa).

Entretanto, ainda não se sabe para onde irá a Biblioteca do Instituto Português de Arqueologia que tem de mudar de local. Estas pequenas coisas parecem ligeiramente mais difíceis de realizar do que participar no governo mundial em parceria com o Brasil, graças à adesão à ortografia brasileira.

sexta-feira, junho 13, 2008

Por mais que faça não descubro como é que se diz porreiro pá em gaélico para celebrar a vitória da democracia sobre os métodos autoritários com que se quer construir a Europa.
Alguma alegria adicional pela liquidação dos esbracejares e dos repetidos tem de ser do Pinto de Sousa.
SANTO ANTÓNIO DE LISBOA
Santo António de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo António
Que as moças lhe têm amor.

Fernando Pessoa
(que nasceu no dia de Santo António, há 120 anos, em Lisboa)

quinta-feira, junho 12, 2008

Li com agrado esta notícia e ocorreu-me pensar que se voltássemos a ser um pouco menos vulgares e boçais do que temos sido nos últimos tempos, talvez todos ganhássemos. É que esta gente que anda por aí agora é muito malcriada, não há nada de mais contagioso que a má-criação e é muito desagradável viver num sítio mal frequentado
O Prof. Adriano Moreira classifica o estado português de "exíguo", aludindo à quase paralisia do poder judicial e de muitos outros serviços associados ao exercício da soberania. Creio que depois destes dias de desordem o termo seria comatoso, espasmo-comatoso.

quarta-feira, junho 11, 2008

Enquanto tudo isto, já existe o blog oficial do Manifesto pela Língua Portuguesa. Aqui.
Estão dezenas de milhares de cidadãos a tentarem demonstrar a insensatez que rodeia o chamado acordo ortográfico quando o governo decide, por meio do seu ministro da cultura, começar a revelar os intentos últimos da coisa: Portugal e Brasil, vão «participar, e a nossa participação é essencial na criação de um estado mundial de ordem baseada no direito e de progresso"[sic!!!!]» ( e «Portugal fará tudo que estiver ao seu alcance neste sentido, em parceria fraterna com o Brasil e com todos os outros países da CPLP». Bem, e onde entra o acordo? É que, segundo se depreende do discurso do ministro Ribeiro, Portugal e o Brasil não se entendem: segundo ele, «o entendimento entre todos os falantes da língua portuguesa e a sua divulgação "constituem o instrumento indispensável" na resolução de problemas de coesão social, desenvolvimento, democracia e segurança.»
Eis a verdade revelada! O Acordo é apenas o instrumento humilde de um novo mundo, de uma nova ordem universal e que sabemos nós, pobres mortais, disso?
Ribeiro é ministro de um país arruinado, onde existe fome e onde todos os dias, já que falamos de cultura, se perde património cultural por desleixo e falta de verbas. O discurso foi proferido num país onde o programa "Fome Zero" foi usado como um importante trunfo eleitoral pelo actual presidente e onde existem dezenas de milhões de analfabetos...
Perante isto, que indicia a incapacidade de resolver problemas básicos e prementes - fome, analfabetismo - fala-se da construção do estado mundial de direito e no progresso.
É um infeliz e triste exemplo de um pensamento delirante.

terça-feira, junho 10, 2008


No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.
Luís de Camões

segunda-feira, junho 09, 2008

A juíza Maria João Matos considera provado que as crianças que assistam a touradas "sem qualquer restrição" podem vir a aceitar a violência sobre animais como algo natural. "Trata-se de [sic] um programa susceptível de influir de modo negativo na personalidade das crianças e adolescentes", diz a sentença. " Via Terceira taurina
Já tinha ouvido falar da decisão politicamente correcta.
Gostaria de saber como foi feita a prova.
Li, há anos, um ensaio sobre Shakespeare e a conclusão consistia... a verdade é que me esqueci, mas era, seguramente, uma destas duas: ou que a sua obra tinha mostrado aos seus contemporâneos que eram mais complicados do gostavam de admitir, ou, inversamente, que ocultavam sob a aparente complexidade uma simplicidade que os vexaria. Creio que a minha dúvida ficou porque ambas são muito plausíveis, embora em todos os tempos e lugares o demasiado conhecimento sobre nós nos perturbe um pouco. Resquícios do tempo em que éramos presas de animais - e do nosso semelhante - e que um truque bem escondido, uma singularidade de comportamento, podia livrar-nos de uma morte desagrádavel.

domingo, junho 08, 2008

Uma coisa intrigante para Domingo à tarde: há dias entrei na casa de banho, para os preparos de início de dia, e vi um telemóvel em cima do lavatório - que refulgia com a manhã e o Glassex. O telemóvel que encontro, também, de vez em quando, por tudo quanto é sítio. O telemóvel da empregada que, descobri, nunca está a mais de 5 ou 6 metros dele e o transporta pela casa fora. A minha empregada, uma pessoa pacata, com uma vida quase monótona, que vive num «lugar» próximo - menos que uma aldeia - foi tomada pelo sentido da urgência. Depois de estar arranjado, ainda rescendente do grande splash de colónia depois do banho, fui-lhe entregar o telemóvel: «estava na casa de banho», disse com um ar afável onde tremeluzia uma pequenina resignação (de onde, em vão, como se verá já a seguir, esperei que ela retirasse a noção de que o tele não precisava de ser tão móvel). Ela agradeceu e desculpou-se. Disse-lhe que no dia em que lhe telefonasse e não atendesse, mandaria rezar-lhe missa por alma. Riu e posou o telemóvel bem em cima da papeleira. Ia aspirar a sala pequena, deduzi - bem. Não me atrevi a perguntar-lhe de onde vinha aquele afã pelo telefone, mas tenho para mim que aquela alma boa pessoa e diligente encontrou o seu pequeno vício, um vício pacato, discreto, inócuo, barato - 10 euros por mês - mas tão tenebroso e degradante quanto os demais.
Uma boa leitura de Domingo, uma boa preocupação domingueira, uma apreensão para um depois de jantar informal. A apreensão, tal como todas boas apreeensões, é justificada.

sexta-feira, junho 06, 2008



Para lembrar a invasão aliada na madrugada de há 64 anos e agradecer aos USA e Grã-Bretanha.
Ao saber da possibilidade de uma subida da taxa de juros pelo BCE um administrador de um hedge fund declarou-se Quite Shocked.
Sempre achei que a actividade financeira, ao contrário do que os cínicos asseveram, é terreno onde florescem as mais inteiras virgindades.

quinta-feira, junho 05, 2008

A passagem do Novo Testamento a ler nas missas celebradas hoje é uma das minhas preferidas e boa para quem goste do novidades.
Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.
Evangelho segundo S. Marcos 12,28-34.

quarta-feira, junho 04, 2008

L'appareil à sous

Andava à procura de umas coisas do Dylan Thomas, tornado, por decisão irrevogável deste fim de primavera, um acquis definitivo; umas coisas ditas por ele, talvez passar pela Amazon, mas que não era o assunto mais importante: precisava de pijamas, Derek, como resultara do mesmo braçado de decisões irrevogáveis, a marca estendida agora aos de Verão, consequência do fim dos Regojo. Não sei como - e ir ver ao histórico está fora de questão, mas creio que meteu Sontag - fui parar ao yé-yé (um yé-yé souple et un peu dédaigneux) e acabei hesitante entre Antibes (critério fonético) e Majestic (critério histórico) em homenagem a Bardot, ontem multada por xenofobia: gosto de ex-beldades louches et troublantes.

terça-feira, junho 03, 2008

Nem tudo é mau.

Escreveu ontem, no DN, a Prof. Isabel Pires de Lima - anterior ministra da cultura:

«A expansão internacional de uma língua não se faz nem por facilitações ortográficas bebidas em critérios fonéticos em detrimento de critérios etimológicos nem por unificações ortográficas estabelecidas por decreto, como as línguas inglesa ou francesa abundantemente revelam, mas sim pelos conteúdos que for capaz de veicular (através da literatura, da música, enfim da cultura). É por aí que passa uma verdadeira política de internacionalização de uma língua e não pelo logro da facilitação fonética da ortografia. Logro tanto maior quanto o critério acima referido da facultatividade vai criar maior dúvida grafémica em quem pretende aprender o português. Não será o Acordo que fará o português ganhar um único leitor, um só falante ou o direito a ser língua veicular num único forum internacional.
Acresce a este facto que o mercado do livro no espaço lusófono, e muito especialmente nos PALOP, tornar-se-á mais difícil de conquistar para a indústria editorial portuguesa e, consequentemente, os conteúdos culturais portugueses que os nossos livros veiculam terão mais dificuldade de penetração, designadamente ao nível das indústrias culturais e criativas, nos PALOP. Em síntese, a internacionalização da cultura portuguesa em África será mais difícil.Estou ciente de que o bom senso político-cultural acabará por imperar através de acções concertadas que apelem à revisão do Acordo: revisão por certo desejada pela maioria dos linguistas e por todos quantos têm responsabilidades na defesa do património cultural; revisão com certeza esperada por alguns dos PALOP.[...]»
Espero que, em consonância, a Doutora Isabel Pires de Lima assine o Manifesto.

segunda-feira, junho 02, 2008

Junho, de novo, já.
Estou a precisar de férias, de férias a sério, como lembra Agustina - que, inesperadamente, como sempre, reentrou nas minhas leituras - mas das férias de outros tempos que eu ainda faço. Em Amarante, nas férias faziam-se versos, diz ela. Eu releio Eça. Nada melhor do que "A Ilustre Casa de Ramires", deste começo, para me sentir em férias: «Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Irenéia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade, em Oliveira, todos conheciam pelo "Fidalgo da Torre") trabalhava numa Novela Histórica, A Torre de D. Ramires, destinada ao primeiro número dos Anais de Literatura e de História, revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas.»