quinta-feira, agosto 12, 2004


Dia de fazer malas, actividade agradável e cansativa, embora longe de alcançar as dimensões heróicas de tempos idos, quando o processo durava dias (creio que havia uma mala apenas para transportar os livros que cada um queria levar para a praia e lembro-me de um carro que ficava lá, caso alguém quisesse utilizar. Esse alguém era a minha Mãe que, após alguns episódios alguma coisa humilhantes, relacionados com uma esquina difícil, uma sólida esquina dos anos 60, resolveu pôr fim à sua carreira de sportwoman - o carro, porém, ia sempre e por lá ficava).
Perdido o aspecto dramático de outrora, há algumas coisas que, felizmente, se mantêm iguais: há sempre uma coisa que fica esquecida. Eis algo de inelutável, que apenas os mais incautos tentam remediar seja através de um "método" -listas, mnemónicas, verificações levadas até à respectiva mania de - seja através de imprecações (abusivas) a Nossa Senhora dos Navegantes. Eu procedo de outro modo: tento delimitar a importância do objecto esquecido: Carregador de telemóvel? "Aqui está, ponho aqui, já cá está"; o polo azul? Aqui está, já cá está" e assim sucessivamente até ter a ilusão de que me não esqueci de nada. Um perigo grave é a actividade verificatória, quando nos passeamos pela casa, pelas gavetas mais recônditas, e encontramos um "ah isto já cá ficava, ainda bem que encontrei, vou já pôr na mala" Cuidado ao arrumar o dito nas malas: geralmente retira-se sempre alguma coisa que já lá está para caber bem o que lá vamos pôr e é essa gananciosa intenção que se torna responsável pelos "lá ficou, hunft. E agora? Que seca!". Quando voltamos, lá está ela, a coisa esquecida, mesmo ao lado da mala de onde a tirámos, que verificámos ainda mais uma vez antes de sair e onde, julgávamos poder garantir não ficara nada.
Tenho conseguido, nos últimos anos que os objectos esquecidos sejam razoavelmente insignificantes pela renúncia a essas últimas verificações.
Qual será o esquecimento deste ano? Desde que não seja o grande clássico, as chaves das malas que palerma e desnecessariamente fechámos, creio poder estar razoavelmente descansado.

quarta-feira, agosto 11, 2004

Surpresas agradáveis do actual governo: a chamada a S. Bento do Procurador Geral que contribui para atenuar o sentimento de deriva nas coisas da Justiça. Mais importante, a proposta de um pacto de regime. É altura de começar a agir, através de iniciativas legislativas.
Ah, os media continuam a ouvir os sindicatos ou associações do MP e dos Juízes a propósito dos problemas da Justiça. Se os senhores procuradores e os senhores juízes estão numa situação única para apontarem estrangulamentos e defeitos do sistema, não é menos verdade que os juízes são titulares de órgãos soberanos e que, por isso, a existência de sindicatos de juizes é uma completa aberração. Isto, contudo, não parece incomodar muita gente. O interesssante é que os senhores juízes ficam, depois, muito incomodados quando lhes chama "funcionários".
Ou sindicatos e associações sindicais são expressamente proíbidos, em nome da democracia ou há que abrir a via sindical a outros: venha, para já, o sindicato (ou associação) dos senhores generais.

terça-feira, agosto 10, 2004

Estou a ler Stefan Zweig, "Le monde d'hier". Aconselho. É uma autobiografia. Stefan Zweig não terá sido o grande escritor que prometia ser, mas é um muito bom escritor e testemunha de um mundo e de um modo de ser já desaparecidos.
Stefan Zweig é um velho conhecimento meu: fizeram-me ditados (sic) de livros dele (os nomes estrangeiros não contavam para erro). Entrou no grupo dos meus amigos, mais tarde, com o estudo sobre Joseph Fouché.
Vão-me, por isso, desculpar que volte para a sua companhia, na amável Viena do início do século XX.

segunda-feira, agosto 09, 2004

A vida dos meus dias acusa-me de culpar a escola e pergunta-me pelos pais. E os pais, claro que sim. Mas que pais? A maioria é analfabeta funcional. Lê mal e, mesmo que os mova a melhor das boas vontades, a leitura, mesmo de uma lengalenga arrisca-se a fazer perigar a saúde das criancinhas. Histórias à noite, só orais e populares, o que, sendo óptimo, não será suficiente.
Dos menos iletrados, muitos não sabem dizer poesia, e a lengalenga ou história serão, na maior parte das vezes, politicamente correctas, isto é, no extremo do calisto, arriscando-se assim a destruir qualquer vocação leitora.
Os pais que lêem não precisam de incentivar as criancinhas: estas descobrem, bem cedo, que os pais se divertem a ler. E têm, geralmente, garantida a sua história à noite, uma boa e terrífica e arrasadora história para crianças, que lembrarão para sempre. O perigo, para estas criancinhas é que não encontrem na escola uma continuação de casa, ou que a escola não colmate as lacunas da casa, lacunas motivadas, por vezes, por opções estéticas dos pais (para exemplificar, cá por casa não há um só livro de muito autor consagrado das letras pátrias porque eu não gosto.)
Por isso, a escola, também. E para ensinar a ler melhor, mais atentamente. Os pais, mesmo muitos pais que lêem são “common readers”. É preciso que aos 16, 17, anos os adolescentes adquiram (comecem a) apetrechos de leitura mais sofisticados (o que duvido muito é que os actuais professores de português os tenham. Os que conheço parecem-me muito iletrados e com péssimo gosto literário – não falo já, sequer, das calinadas gramaticais).
Mas, e por isso, dou-lhe razão, nada melhor para criar um leitor do que pais que leiam.
Novos Links

Referem este blog o Galo Verde, o Hanamel, o Sócrates e a Lição de Salazar.
O Impensavel agradadece.

domingo, agosto 08, 2004

Tresli, desculpe-me.
Foi o Verão, a seca, o charme pesado de Mrs. (ou Miss) High Summer.

Fui lá fora, à rua: os perfumes do começo, suaves, subtis, do começo de Outono, do começo, breves, iniciais, sugestões, advertência amável, fresca insinuação de Setembro, esvai-se o prumo em carreiros e caminhos, no fim deles o ferro que range no portão reaberto, o mar depois, íntimo, secreto, azul, ínsuas, casa que foi no começo, tédio feliz e miúdo, maçãs sobre a mesa que poetas vêem - li Sophia enquanto chovia - início e recomeço das coisas que vão e perecem, embebidas no tépido do frio, envelhecidas crias ocas e aladas do começo, frutos que terminam, so long Mrs. High Summer. Ou Miss.
No post abaixo, onde me indignava com a falta de leitura etc., tinha uma vírgula a separar um sujeito de um predicado. Eu sei que resultou de uma mudança de planos, mas devia reler tudo bem.

A perfeição não existe! Charlotte acha que se deve escrever linque. É medonho, salvo o devido respeito, parece uma gralha de "líquen". Antes "lig", se se quiser abreviar, conceder à preguiça da sílaba única em que o inglês, por motivos históricos de todos conhecidos, é tão rico.
Sigo, também eu, a discussão sobre ortografia. As crianças não lêem, e não lêem por não haver quem lhes desperte o gosto pela leitura e o ensino do português é de tal modo deficiente que, outro dia, um sobrinho, bom aluno e inteligente, a quem dei um texto a ler me surpreendeu com uma leitura sincopada, hesitante, quase de analfabeto. "Não lêem em voz alta, na escola?", perguntei. "Não", respondeu-me ele. Nem poesia se lê em voz alta! E quanto ao prazer de ler uma obra literária, não me parece que a grande maioria dos actuais professores seja capaz de despertá-lo. O que se faz, parece-me, é obrigar os alunos a decorar teses sobre 4 ou 5 obras ou autores. Mas ler? Ler, não lêem.
Chuva! 0,6 mm segundo o site de meteorologia que consulto e depois de 45 dias sem uma gota.
Começarei a invocar Mrs. (ou Miss? Hesito) High Summer sempre que o Verão atingir o intolerável.
(Acrescentar um chapéu de chuva nas coisas para a praia. E um camisolão.)

sábado, agosto 07, 2004

O amadurecimento, a maturidade, comunga de uma abençoada plenitude quanto de outra, menos bendita, onde vemos excesso, a demasia, a presença desmesurada do todo. E pelo insuportável mesmo da ideia dessa estática, intemporal totalidade, a tomamos por indiciária, começo de veredas, dos caminhos da decomposição: a maturidade apenas é suportável enquanto prenúncio ou denunciado breve instante.

Tamara de Lempicka, "High Summer"

sexta-feira, agosto 06, 2004

Por Zurich: lembrei-me que foi lá que, há muitos anos, vi pela primeira vez, aquelas máquinas registadoras em que o troco é expelido directamente num recipiente apropriado que não o côncavo da nossa palma da mão. Eu de mãozinha estendida e lá estava ele já no pratinho. Decente, honesto, prático, "service, monsieur" (aqui há gente que segura no troco sobre a nossa mão, por longo tempo, e nos obriga àquela vexante situação, enquanto acaba de nos dizer o que acha que tem para nos contar. Por vezes penso: "eu vou-me é embora", mas lá fico sempre, de mão estendida. Uma vez apenas desfiz o gesto, coloquei a mão sobre o balcão, fiquei a ouvir.
Poderia ter telefonado a uma amiga sempre disponível para a limonada da "happy hour", mas está quente e a esplanada deixa de ser agradável acima dos 25º. E estou com sono, aquele sono que nos deixa a leste. Fiquei por casa, onde posso preguiçar, naquele far niente que não é dolce, antes nos agace beaucoup. Depois do 2º café, sentei-me em frente do computador e entretive-me (entre ter, entre dois teres, modo de passar o tempo quando se não tem, verbo admirável) a folheá-lo, entre horários de ferries escandinavos, blogs, a leitura dos jornais. E nos blogs, erros. Um "quiz". Animei... Decidi ser útil. Assim:

AVISO:
Os verbos querer e pôr não têm zês em nenhuma pessoa, em nenhum tempo ou modo. Sim, é tudo "esses", se quiserem pôr a coisa desse modo
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Uff.... bom foi encontrar o Fora do Mundo actualizado. Já nem sabia o que era o Fora do Mundo. Comecei a ler e só quando cheguei a "Zurich is stained" me apercebi daquele "desajeitado smart" da prosa de PM e que PM era o dito. Não, pensei para comigo, não se põem assim de parte vícios velhos. Blogs em Agosto... pffff


Erro, o ter preferido semanas na praia - numa praia onde conheço gente demais e há demasiado tempo - a uma passeata em paz e sossego Europa fora. (Perscrute aqui o Eurorailpass).

Nota às 17:14: ou o inter rail normal ou senior se as bolsas se mantiverem em baixo e o preço do petróleo continuar nas presentes alturas.
E qual o motivo para os empregos nos USA terem crescido tão menos que o esperado? Muito desagradável da parte deles.
A boa notícias de hoje foi a da demissão do Cardoso e Cunha.
Compreendam: não é muito habitual ouvir boas notícias em Portugal. Das poucas que tem havido, a dos bons resultados da TAP foi das mais agradáveis: lucros pela primeira vez em 30 anos. Mas, logo após surgiu outra: o responsável pela façanha ia ser despedido (por não compreender as subtilezas da economia portuguesa): a TAP devia ser desmantelada, não melhorada. O despedimento da equipa Pinto era, em si e por isso, coerente com o estado do país.
Hoje, o Cardoso foi demitido e essa demissão dá-me uma esperança - fugaz, eu sei - de alguma incoerência.

Cartier Bresson
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quinta-feira, agosto 05, 2004

Quarta-feira em Lisboa para compras de última hora antes da praia. Nas quatro lojas em que estive fui sempre o único cliente. A meio da tarde já me preparava para voltar, com as compras feitas e a salvo, vá-se lá saber de quê. Avento hipóteses sobre a hostilidade da capital em férias enquanto bebo a água das pedras, mas é uma tarefa desagradável que ponho de parte. Exames, talvez, lembrança de orais Agosto dentro, fico-me por aí e arrumo o assunto. Mal, mas é assim mesmo, estou de férias.

De manhã, a caminho de Lisboa (pormenor)




terça-feira, agosto 03, 2004

Ontem conversava numa esplanada com uma amiga. Falava-se de velhos tempos e, de repente, relembrei episódios, conversas, ambientes de que não me lembrava há anos. Eram assuntos comuns, pequenas histórias, a maior parte delas francamente divertidas. Não foi, por isso, por mal-estar que não me lembrava. Apenas o eu que tinha vivido tudo aquilo, há muito substituído por outro, resultado de outros acasos, reduziu ao reino da química inorganicamente emocional aqueles episódios que um estranho em mim viveu. E, instalado com algum gosto neste eu actual, temo pelo dia em que o arquivista desconhecido e eficiente que me constrói, me prive, por qualquer motivo de metodologia arquivística, da lembrança destes dias calmos e plácidos, que os converta "naquele tempo improdutivo em que pouco fazia, até tive um blog..."

segunda-feira, agosto 02, 2004

Dezoito disciplinas com médias abaixo dos dez valores
Já apenas faltam três disciplinas para a unanimidade negativa.
Média do exame de física: 6,2; média do exame de matemática: 6,8; média do exame de português, abaixo de 10.
De notar que a média em filosofia e em sociologia é alta, ronda os 13 valores, resultado de admirar em alunos tão solidamente instalados na ileteracia. Mas não nos admiremos, pensemos antes qual o motivo (uhm... é isso, sim, pode-se sempre "puxar" qualquer coisinha, valorizar qualquer balbúcio).
Mas, em suma, as notas conferem com o estado geral do país e com a total incapacidade indígena para resolver problemas substantivamente.
N.B. As políticas educativas que levam a estes resultados não foram produto de governos populistas, ou antes, do populismo que agora se deplora. Mas são fruto de outro, pior, o omissivo (que não parece inquietar consciências nem suscita lamentos de velhinha aos membros da inteligência pátria)

domingo, agosto 01, 2004

Fechada a casa da praia, a ida para férias começou a ter data fixa: era neste dia 1.
E, por dois meses, primeiro, depois apenas por um, estava-se longe daqui, a salvo do calor.
Hoje, passados anos sobre a quebra dessa regra ainda sinto a estranheza de estar aqui, a estas horas, no dia 1 de Agosto e o ser por vontade própria que fiquei em nada contribui para a atenuar.