domingo, dezembro 31, 2006

Não hoje ainda, mas o sol já se pôs e a madrugada será a do dia em que nos dizemos

Começa hoje o ano

Nada começa: tudo continua
Onde 'stamos, que vemos só passar?
O dia muda, lento, no amplo ar:
Múrmura, em sombras, flui a água nua.

Vêm de longe,
Só nosso ver teve começar.
Em cadeias do tempo e do lugar,
É abismo o começo e ausência.

Nenhum ano começa. É eternidade!
Agora, sempre, a mesma eterna Idade
Precipício de Deus sobre o momento,

Na curva do amplo céu o dia esfria,
A água corre mais múrmura e sombria
E é tudo o mesmo: e vento e pensamento

Fernando Pessoa

in Poesia 1918-1930

sábado, dezembro 30, 2006

Fui comprar e quando cheguei a casa vi, com alegria, que tinha sido desnecessária a saída, mas tenho sempre medo que me falte a companhia destas infelizes quão prestáveis e piedosas senhoras, sempre prontas a apoiarem-me nas ocasiões difíceis

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Tenho preguiça de ir buscar gelo e, por isso, a seco - mas não preciso levantar-me nem martelar o congestionado ice service do frigorífico - resolvi, substituída a bebida de fim de tarde pelo blogar, dizer o que acho foi o melhor e o pior deste ano por aqui. Melhor coisa que aconteceu: o Espectro e o ir embora foi a pior coisa, a par com a persistência por alguns desses blogs daquele estilo modernaço que consiste em ensanduichar uma observação erudita - e algumas daquelas observações eruditas são-no mesmo, ou pelo menos interessantes - entre alguns palavrões, profissões de fé em futebolismo e uma camada de interjeições «recreio de secundária» tardif para fazer coloquialismo blasé de banlieu.
Cansativo e muito aborrecido.
Noto em mim uma evolução desagradável: até agora, estava bem onde não estava.
Ultimamente, porém, nem isso.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Ah, sim, claro, apoiar gente valente!
(Já me tinha perguntado como teria reagido o regime iraniano àquele protesto corajoso - que me deixou tão reconfortado e optimista).
Falei há dias sobre o processo penal em Inglaterra. Aqui, para quem quiser mais e melhor informação.
O inacreditável é que há quem chegue mesmo a acreditar que o nosso processo penal é mais justo do que o inglês... Problemas graves do nosso ensino do direito e do nosso atraso em geral.
Quanto aos outros defensores do nosso processo penal, menos ingénuos, fazem-me lembrar aqueles médicos que tecem loas ao nosso serviço de saúde e à excelência dos nossos hospitais (pelo menos de parte deles, ou de alguns serviços - a coisa tem diversos graus de sofisticação e é normal começar mesmo por desabafos quase confidênciais sobre o que se passa neste ou naquele serviço ou hospital que, segundo eles são péssimos...) e medicina portuguesa em geral: fica-se quase convencido da bondade da parte sã do sistema, até que, à mínima suspeita de alguma coisa menos corriqueira os sabemos, aos nossos informadores, lá fora, em Inglaterra, ou na Alemanha, em França, em Espanha ou nos USA - tudo menos cá.
"Le principe de toute société est de se rendre justice à soi-même et aux autres. Si l'on doit aimer son prochain comme soi-même, il est au moins aussi juste de s'aimer comme son prochain."

Chamfort

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Fiquei em casa, li e dei uma volta pelos blogs. No Morel encontrei a entrevista com Miguel Esteves Cardoso. Ri-me com a questão da idade: o tom leve com que trata o peso do tempo faz da idade, melhor, da velhice, uma questão inteiramente para gente nova. Ri, mas acho perigoso: não estou interessado em sofrer a competição de hordas de adolescentes nas lamentações próprias da velhice que já quase começo a prezar e ajudam a gente a esquecer-se que coisa medonha é envelhecer, toda ela desvantagens e vexames! Miguel Esteves Cardoso, passado o estado de graça da convalescença da sua doença, perceberá que não está mais sábio, que essa piedosa mentira é, também, uma torpe mentira de gosto duvidoso, do quilate da dos saberes do povo simples. Todas as pessoas com alguma experência nesta coisa dos entas com quem tenho falado me confidenciaram que não se sentem mais sábias, nem mais felizes; pelo contrário, sentem-se mal, com dores de costas, problemas de visão, pouca paciência e frequentes ataques de pânico o que as ajuda a conservarem intactos o péssimo feitio e impecável bom gosto que sempre lhes conheci. É nelas que eu acredito, não no parvenu que, nestas coisas de idade, é Miguel Esteves Cardoso. A baby, digo eu - e sou mais novo.
Sem anginas, afinal.
Tarde soalheira. Hesito entre sair ou ficar a ler e sair só à noite, um pacato ir tomar café a casa de amigos.

O sol escondeu-se agora, o tempo mudou como previram os metereologistas.
Espilros, uma impressão na garganta, sem febre - mas o que significa não ter febre senão o poder escrever, daqui a pouco e referindo-me a este post: não tinha ainda febre, mesmo com acessos de espilros e a sentir já a garganta quando escrevi.
Estou a ficar com anginas, uma coisa já de outros tempos - a gente de agora tem amigdalites. Em compensação, o médico já não vem a casa e se viesse não esperaria encontrar à sua espera uma colher, embrulhada num guardanapo, num prato de sobremesa, no tabuleiro, tudo higiénico e branco. Servia a colher como espátula para observar a garganta suspeita.
Sem tudo isto, para quê ter anginas? Não posso deixar de me censurar este meu gosto pelo vão.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Convalesço das festividades no silêncio quase perfeito deste depois de almoço.
Ontem, às pantomimas das crianças e adolescentes, responderam os adultos com a recriação da marcha do Rataplã na capoeira, usada no jardim-escola onde todos andámos. Não me saí mal, mas senti-me um pouco acabrunhado por ser o único a já não se lembrar de toda a letra. Depois de "à frente o galo" e "atrás a galinha" vinham os pintaínhos, sim, mas exactamente como? E o que se seguia? Confesso que trautreei atabalhoadamente algumas partes, mas desfilei, no meu lugar de 1º pintaínho, convicto e alegre pelas salas graves da histórica morada, como se escrevia em linguagem de guia turístico de antanho. Ouviram-se bravos e encores, alguns oriundos do sector mais circunspecto, e a justeza do reconhecimento do mérito artístico não deixou de ser tocante.

sábado, dezembro 23, 2006

A todos, muito pensadamente, um
Santo Natal do Menino Jesus!

Eu vivo aqui neste campo calmo, mas não descansado, à espera que estou sempre de receber uma carta do teor daquela que Casais Monteiro recebeu anos atrás de Fernando Pessoa e na qual JPP me dirá quem eu sou, onde nasci, o meu horóscopo, que pais e família me atribuiu e porquê, os meus defeitos de redacção, os meus vícios de raciocínio e limites que me contêm, ou o porquê do meu gosto pelo tempo frio; enfim e para abreviar, em que me explicará que, heterónimo dele eu e os outros todos somos, dos muito conseguidos aos que são meros apontamentos, aos brevíssimos esboços delineados em dois posts indecisos; em que me advertirá de que as minhas birras e algumas convicções, que me são, por vezes, tão duramente inexplicáveis, são discutíveis apenas enquanto meros recursos narrativos que afinal são; que, em suma, bloggers portugueses e alguns lá de fora, todos somos ele, nascidos de diferentes horas dos seus dias ou alturas da semana ou do mês, da posição em que se encontre, de onde se encoste para tomar uma nota, do que tenha acabado de ler, ou da necessidade de ilustrar um ponto mais difícil de um raciocínio.
Um dia receberei essa carta desagradável que, explicando tanto, explicará afinal a latere e pouco...
Uma coisa lhe agradeço, porém, desde já: que me tenha criado como um dos preferidíssimos de Charlotte, em tão boa companhia de tantos outros poucos happy few (s)eus.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Desilusão e previlégio

A desilusão veio de onde menos esperava: do Dr. Sousa Homem, lui-même, que deu para achar o nosso clima magnânimo!!!!... Está um frio de rachar, o quarto, quando acordei , estava frio apesar do aquecimento, a água do meu duche apenas tenuamente acima do morno e como houve esquecimento no aquecer do prato, tudo adquiriu um sabor gélido e hostil ao almoço. E de todo o lado ouvi queixumes semelhantes. Fica a gente a pensar no desnorte que por aí vai no uso dos adjectivos por quem tem obrigação de os não usar malevolamente.

A boa notícia - o previlégio - é que, tendo uns amigos meus ido para as suas terras beirãs passar o Natal, posso usar a minha colónia difícil que insistem, por ignorância pituitária, em achar com o aroma desagradável do mofo... Acabo por não usar, por me impedir de passar lá por casa (são os meus amigos geograficamente mais próximos) sem ouvir dichotes e protestos da dona da casa.
Pu-la hoje, abundantemente, para me compensar das agruras do duche, e têm-me ajudado a suportar o frio magnânimo - que, daqui a pouco tempo, se há-de transformar em ventania magnânima e, depois, em caloraça sahárica magnânima.
...e I de Ipswich

Depois de um mês e três semanas há um acusado no caso dos homicídios de Ipswich.
Vejamos como se passam lá as coisas: crime, investigação pela policia, detenção do suspeito (mas nem sempre é feita essa detenção) e, concluída a investigaçao, tudo desemboca na acusação.
Não há - leia-se cuidadosamente - não há, repete-se, "segredo de justiça" , como existe aqui, nem, aliás, nada de semelhante e entre a detenção pela polícia e a acusação não podem mediar mais do que 3 dias - sem certeza absoluta quanto a este prazo.
E aqui? Em Portugal, o arguido pode estar preso um ano sem ser acusado de crime algum e era entendimento e prática dos tribunais portugueses, até há 2 anos, o permitir estar o arguido preso esse ano sem saber porquê - situação que só cessou graças a um acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do processo Casa Pia. Mas, apesar desse avanço, no nosso país pode-se ser preso antes do começo de qualquer actividade que se assemelhe a uma verdadeira investigação criminal...
Quanto ao Ministério Público quase não existe na Grã-Bretanha: a acusação é dirigida, na audiência, pelos advogados da Coroa, que recebem o caso da polícia e agem em igualdade com a defesa perante o Tribunal.
Compare-se com o que sucede cá.
Edificante, não é?

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Ontem, em casa de uma querida amiga de sempre, onde tinha ido levar o meu presente de Natal (e na loja, por dois ou três conselhos que eu pedira a quem simpaticamante se ocupava da minha compra, tinham adivinhado a destinatária do presente - a pequeneza encantadora de Lisboa), falava de livros e de uma livraria simpática onde tinha estado em Paris e me lembrara de lhe escrever um postal não enviado. Não tinha dito ainda o nome quando me perguntou: - Em frente da Brasserie Lipp? - Sim, exclamei eu, L' écume des pages! - Estive lá há uma semana, disse-me, lembrei-me de si, comprei um livro que lhe tenciono passar. Foi buscar o Journées de Lecture de Proust que a Fata Morgana editou Novembro passado.

Espirito natalício, tempo, divindades protectoras das velhas amizades.

terça-feira, dezembro 19, 2006



Compras de Natal: ser-se arrancado às doçuras das meditações e conjecturas em frente ao fogão, tudo em forma de viagem autour de la chambre, para as cogitações emulsionadas de Savarin, postas em prosa aimable, bem sei, mas não fat free.


segunda-feira, dezembro 18, 2006

Li agora:

Imigrantes deixam Portugal
Cada vez há menos estrangeiros a procurar o País


Felizmente, não pude deixar de me dizer.
Não por xenofobia, mas por ter sincera pena daquela pobre gente.
Esta é que é a verdadezinha:

«Toute nation a le gouvernement qu'elle mérite »

Comte Joseph de Maîstre, "Considérations sur la France"

E vou para a cama, reler as Voyages do irmão dele, até dormir.
Tenho adormecido com os livros a escorregarem-me das mãos, não os apanho sequer, apenas apago desajeitadamente a luz do candeeiro da mesa de cabeceira


Ah, às senhoras e senhores leitores que quiserem ler o texto da petição sobre a tlebs e concordem: agradece-se que assinem a dita. É o link das causas, aí à direita, em cima.

domingo, dezembro 17, 2006

É com um imenso orgulho que o autor deste blog anuncia que foi um dos co-nomeados "Person of the Year" pela muito prestigiada revista Time, tornando-se, com tal nomeação, membro de um exclusivo club onde, entre outras personalidades, figuram os Papas João Paulo II e João XXIII, Wiston Churchill ou Lindbergh.
Agradeço, comovido.

P.S. A única ambição que dá frutos - desde logo o de nos pôr a salvo dos numerosos ridículos em que se enredam as ambições sensatas - é a absolutamente desmedida.
Não se sabe para onde vai dar aquela estrada de bermas mal cuidadas, por entre a mata.

sábado, dezembro 16, 2006

Edward Hopper, Gas , 1940

Era o ser de olhar duplo, contemplando
O reino a que pertence e o seu etéreo
Desdobramento anímico; e, por isso
Olhava as duas faces do Mistério.

Teixeira de Pascoaes, Marânus

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Emendo posts que releio. Às vezes são meros erros de dactilografia, outros por não estar bem assim, por me parecer - e estar - abstruso e emendo pela mera irritação de não querer aquilo. Outros posts, deveria apagá-los: as palavras, por escritas, não devem deixar de ter o direito ao momentâneo, a serem coisas breves e desde logo semi-esquecidas.

E, corrigido, Cara Charlotte, parece menos uma má frase de um mau manual de instruções:

Emendo posts que releio. Às vezes são meros erros de dactilografia, outros por não estar bem assim, por me parecer - e estar - abstruso e emendo pela mera irritação de não querer aquilo. Outros posts, deveria apagá-los: as palavras, por escritas, não perdem o direito ao momentâneo, a serem coisas breves e desde logo semi-esquecidas.
Sem deve deve, sem deve deixar.
A contenção, feita da percepção de que há limites intransponíveis e transpô-los é abdicar o que cremos (sim, transitivo directo) e nos cimenta: há coisas que não se fazem, sítios onde se não vai, há coisas que não se podem ter.
É simples, nada de complicado.

Mudando de assunto: aquilo da "ERC" reguladora não sei quê, quem é aquela gente, quem os nomeou?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

La douce France

Os franceses , 25% dos franceses, um quarto dos franceses, dizem-se de acordo com as ideias de Le Pen e o número de gauleses frontalmente em desacordo com a xenofobia e demais delírios daquele político desceu para 70%.
Faz ternura ver este progresso da Republique Française e tenho pena de não ter por aí um pedacinho de Marselhesa para honrar a façanha da republicana Frente Nacional.
Mas tudo isto, claro, que não é totalmente agradável, é obra dos USA, a quem devem ser atribuídas as responsabilidades habituais, como culpado de serviço.

«`All right,' said the Cat; and this time it vanished quite slowly, beginning with the end of the tail, and ending with the grin, which remained some time after the rest of it had gone. »

Um físico nuclear ilustrou uma partícula subatómica furtiva e o seu quê duvidosa com a careta do gato de Chishere que remained some time after the rest of it had gone. Interessante e subtil.
Alice foi um bom presente, e creio que se esqueceram de mim a seguir, li o livro várias vezes sem interferências, saboreando todo o non-sense.
A gravura é de Sir John Tenniel, o ilustrador das primeira edições de Alice

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Não sei se aquela coisa dos blogs está a funcionar bem mas foi por acaso que descobri - agora - que o Pé de meia e o Estudo Casos linkaram o Impensavel, que, muito obrigado, agradece.
Cara Charlotte, muito obrigado pela sua investigação, tão longe. Sempre me convenci que os pacifistas eram idiotas e vejo que a minha convicção estava - também - etimologicamente certa.
Tem razão quanto ao Miguel Esteves Cardoso, faz bem, é medicinal e eu, que não acho muito simpático em Portugal dizer bem de alguém (origina sempre maçadas para o elogiado) não resisti a um post de agradecimento. E a este.
Gostei de rever o Miguel Esteves Cardoso: está anafado (dos poucos que o estão mais do que eu), encanecido (também mais do que eu) e repara-se que nunca leu Eça com atenção - o que lamento. Além disto, continua inteligente, perspicaz, divertido e com aquele ar de felicidade tão raro de encontrar que suspeito que é verdadeiro.
Muito agradável o programa! E foi por indicação daqui, de um blog. Agradeço.

terça-feira, dezembro 12, 2006

«Sabe ele o seu francês?» - Sabia. Aos oito anos já me impingiam livros em francês - sim, um deles o Petit Prince - e sabia canções francesas. Uma delas, o "Au clair de la lune", que se cantava, também, nas aulas de francês. Soube ontem que a cançãozinha tão doce é uma daquelas cançonetas francesas: sim, é uma canção licenciosa, cheia de duplos sentidos, de alçapões para a inocência! Por um momento - em nome da honestidade declaro que brevíssimo -fiquei indignado, senti-me roubado na candura dos meus gorjeios diligentes e com accent caprichado. Depois, a indignação foi evoluíndo, tornou-se difusa, inebriante e ri com gosto, por essa partida pregada à francofilia lusa.
Max Ernst, Ein Mond ist guter Dinge, 1970, serigrafia

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Refrigério

Depois do espectáculo dos «double standards» quanto a ditadores, foi com alegria que vi apupado por estudantes o presidente do Irão, em nome de exigência de democracia. Sabendo que as consequências de tais protestos num regime daquele jaez se poderão traduzir em medidas fortemente desagradáveis para os manifestantes (ao contrário dos que se manifestam a favor do fundamentalismo muçulmano nas capitais ocidentais, que nada têm a temer) é bom saber que a democracia pode ser desejada por esse mundo fora e que há quem se disponha a pagar um preço por isso.
Resolvi pôr-me a caminho do Chile. Não para assistir ao enterro do antigo ditador, mas para ver como está aquela gente. Democracia, têm. Liberdade de expressão, idem - li vários jornais de opiniões diferentes e divergentes. Crescimento económico, também, e num grau que, confesso, me deixou um pouco invejoso ou, pelo menos, entristecido por aqui não ser asssim. Santiago do Chile pareceu-me uma cidade moderna, próspera, cosmopolita, elegante, com aquele ar de quem está bem na vida e que a mim, nado em Lisboa, me fez pensar na cidade suja e avelhentada, quase maltrapilha, que é hoje a capital portuguesa.
Depois deste primeiro olhar sobre o Chile espreitei os blogs chilenos: muitos e diversos. Conclui que os chilenos não estão mal.
Fui ainda ao site da Amnistia Internacional. E aí, fiquei estupefacto: aquela organização, reconhecendo que o Chile não tem problemas de direitos humanos de maior aconselhava, no entanto e energicamente, o governo da democracia chilena a incentivar os demais direitos para além dos já existentes e que são os comuns das democracias. Pareceu-me que se imiscuia em assuntos internos de um povo soberano, mas enfim... A preocupação principal era com uma greve de fome de quatro condenados por terrorismo e que tinham sido alimentados à força num hospital. Ah, e indignava-se muito por o Supremo Tribunal do Chile democrático ter considerado que as investigações devem ter prazos... Bem, mas não fora aquele indisfarçável e inimitável ar de prosperidade que tinha acabado de ver à direita e à esquerda no Chile pensaria que me tinha enganado no relatório. Mas não, era mesmo à democracia chilena que eram dirigidos aqueles remoques.
Resolvi ir ver o que diriam então de Cuba... Ah, lá estava, 72 presos de consciência, ou seja, presos políticos, e que sim, que havia problemas com a liberdade de expressão em Cuba. Parece que a AI não considera que Cuba seja uma ditadura e que manter um regime ditatorial não é, por si só, um crime nojento contra os direitos humanos. E para que não haja muitas perguntas é adiantado que "the embargo by the USA against Cuba continued to contribute to a climate in which fundamental rights were denied". Assim mesmo. Fiquei elucidado.
Depois disto, esperavam-me ainda as declarações do juiz Garzón que afirmou que os processos contra Pinochet não seriam encerrados. Tinha aprendido que a responsabilidade criminal terminava com a morte. Mas não, segundo Garzón. Já que assim pensa, o melhor, no entanto, é começar por casa: à esquerda e á direita e já que a morte não é obstáculo, não faltam motivos para inquéritos. É evidente que isso pode não ser muito conveniente, mas onde estão em causa princípios... Querendo continuar a fazer justiça no estrangeiro tem Cuba. Estão ainda todos vivos, ou quase. Quer nomes? Basta ler o diário oficial da ditadura cubana.

domingo, dezembro 10, 2006

Há horas, hoje à tarde, tinha lido um artigo que levantava a hipótese de todos os recentes acidentes clínicos de Pinochet serem um expediente para se livrar da justiça. Não eram, morreu. Talvez com o fito único de contrariar esta análise arguta, mas morreu.
Eu detesto ditadores e ditaduras e lamento que Pinochet não tenha prestado contas ao seu povo.
O que logo me irritou quando soube da morte, devo confessar, é que muitos daqueles que nos próximos dias lamentarão que Pinochet tenha morrido sem ter comparecido perante um tribunal, sejam os mesmos que se permitirão, sem qualquer pejo, com aquela desonestidade intelectual que lhes é tão peculiar quanto a impunidade em que se julgam investidos, chorar a morte doutro ditador, o octagenário e sanguinário Castro que, ao contrário de Pinochet, não se afastou do poder para permitir a transição para a democracia, é responsável por milhares de mortes, prisões e torturas, instrumentos ainda agora habituais num regime tão cruel que até o stalinista Saramago se sentiu no dever de se demarcar daquele horror, do que é feito diariamente àquele Povo oprimido, dividido, postrado na pobreza, enquanto os chilenos vivem numa democracia cada dia mais forte e constituem o mais rico país da América do Sul.

E já agora, se bem que não seja muito vulgar formular desejos nestas ocasiões, que Castro, pelo menos Castro, ainda venha a ser julgado pelos seus crimes e os do seu regime.
Porque nao há boas e más vítimas.
A nitidez azul e fria, dourada, o frio branco, ao longe olivais e verde, montes e outeiros e o vale, lugarejos a brilharem ao sol, o silêncio muito sossegado - isto é conselheiral, como ensinava Eça que era - mas gosto de escrever assim a lindeza deste dia.

sábado, dezembro 09, 2006

Na RTP 2, Mel Ferrer e Stewart Granger batem-se em duelo no Scaramouche. Não me lembro já bem do filme, que se passa no início da revolução francesa. Dessas alturas ficou-me na memória o Scarlat Pimpernell, de 1934, e que devo ter visto na televisão quando tinha dez ou onze anos e seguido, talvez, da leitura do livro de Orczy, antes dos muitos Dumas. Sei que, nas ingenuidades de uma infância ingénua, me lastimei por já não se viverem tempos em que se pudesse ser espião em Paris ou noutra capital e se pudessem salvar senhoras e demais gente inocente das garras dos robespierres. Estava, infelizmente, muito enganado...
Os francesas foram apenas os primeiros: os revolucionários estrearam o genocídio na contemporaneidade, já que as pessoas eram executadas, não por actos que tivessem cometido mas por, meramente, pertencerem a uma classe social, classe de que se pretendia a extinção em nome do "avanço da civilização" e a estas mortes matutinas, logo ao raiar da razão, seguiram-se milhões e milhões de outras, até aos nosso dias. Tanto estas, da aristocracia francesa, no já longínquo século XVIII, quanto as dos milhões dos desgraçadas imolados ao sentido da história - lembro-me da revolução russa, do leninismo e do stalinismo em épocas mais recentes - tiveram as cumplicidades comissivas e omissivas necessárias e os apoios entusiásticos de pessoas de bem que se permitiam insultar os reaccionários Scarlat Pimpernell que não sabiam ler o futuro e simpatizavam pouco com carnificinas.
Não sei a quem ou a quê agradecer ter preferido sempre o reaccionário, destemido e sensato herói inglês às robesperrianas virtudes e clarividência jacobinas e marxistas; à pimpinela, que sempre foi usada para quebrar encantos e quebrantos e a aguçar os sentidos? A Merle Oberon, Lady Blakeney, a mulher de Pimpinela? Não sei, mas todos os dias agradeço o cepticismo.

Tem medo de, apesar das boas intenções modestas - as menos letais - não ser um bom Scarlet Pimpernell? Verifique aqui

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Nossa Senhora da Conceição
(Esta imagem é o timbre de umas armas onde aparece o Terreiro do Paço e, nele, a torre onde, creio, estava um dos Relógios Falantes de D. Francisco Manuel de Mello)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Pearl Harbour, 7 de Dezembro de 1941
Há 65 anos, sem prévia declaração de guerra, o Império Japonês atacou as bases navais norte-americanas no Hawai. Esse acto desencadeou a entrada na II Guerra Mundial dos Estados Unidos da América, ao lado da Grã-Bretanha. A República Francesa tinha-se rendido sem combate e a ex-URSS assinara um pacto de não-agressão com a Alemanha nazi que vigorou até Junho de 41, cinco meses antes deste ataque (o pacto entre os dois regimes totalitários e anti-democráticos teve, entre outras consequências, a de tornar ainda mais cruel o bombardeamento de Londres: a ex-URSS forneceu aos Alemães matérias-primas para a construção de aviões de combate e de bombas e outras munições).

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Cara Charlotte, a mim assim me parecia, mesmo sem lobrigar ómega algum, mas quem sou eu para afrontar as subtilezas do grego de Péricles?
Muito obrigado!
Passei o fim de tarde entre Mme Chauchat - o google, onde procurei uma tela com um retrato imaginário, devolveu-me uma marca de metrelhadoras da I Guerra... - e Mme. Colombe. Pobre e amada (muito) Mme Chauchat comparada à femme Colombe. De novo, ainda, a ideia de que há um Jacinto na Montanha Mágica quando reli nas palavras de Mann que é preciso sofrer e morrer para viver.
Mas a divagação começou ainda antes: com o Caso Litvinenko, russo como Madame Chauchat, lá das distantes estepes onde a vontade e o bravio pulsam num imaculado excesso e o veneno mais insidioso e a crueldade sem tremor são o incompreendido coup de grâce para essa desmesura que, por medo, fingimos ser-nos já insuportável.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

4 de Dezembro de 1980

Depois da escolha que, em 1975, os portugueses fizeram de um Portugal europeu, era preciso que alguém o modernizasse. Essa tarefa consistia em tudo fazer para proporcionar a existência de uma sociedade civil que não dependesse do estado e, por isso, que este último, autoritário, intervencionista, burocrata, fosse reformado, reduzindo-se o seu papel na vida dos portugueses.
O homem para fazer isto era, sempre acreditei, Sá Carneiro e a AD, com o CDS de Amaro da Costa, foi o único projecto político que me entusiasmou.
Há 26 anos que um crime adiou esse país que sonhei. Com a morte de Sá Carneiro e sem que o estado ou o país tivesse sido, no essencial, reformado, temos isto, em que merecidamente estamos.
Onde, entre outras coisas, a morte de um Primeiro-Ministro fica ignóbil e gratuitamente impune.

domingo, dezembro 03, 2006

De passeio pelos blogs: ri com gosto com as reacções ao artigo de JPP. A referência ao elitismo caiu muito mal, por verdadeira que seja. Outra fonte de boa disposição foi o prémio do melhor blog e bloguista (uhm, tenho que tomar uma atitude quanto ao itálico em blog. O uso abundante do itálico provoca-me vertigens, mal de que sofro, convincentemente, desde a mais tenra idade). Apercebi-me, ainda, que está metade deste mundo (deste pequeno mundo dos blogs>) a atribuir, puerilmente, prémios à outra. Quer-me parecer que se trata, no fundo, de uma desculpa para poupanças. Não querem antes trocar presentes? Não?
Nos últimos tempos linkaram o Impensável estes blogs:
O melhor amigo, o Kehillah-or-ahayim, o Vox Impia, o alessandrab, o Nos cornos do bicho, o Small Brother o Mouramorta e o 31 da Armada.

Peço desculpa da demora aos que há mais tempo fizeram o link para o Impensável.
Agradeço, muito obrigado, a todos.

sábado, dezembro 02, 2006

A Charlotte, se e quando por aqui passar e se tiver tempo: o «idiótes» grego, actualmente, homem de espírito curto, ignorante (Priberam) é o idiôtaï, de idios, particular, que Péricles usava para designar quem se alheava da coisa pública - e se criava, por isso mesmo, um estatuto de menoridade?
Se assim é, que má vontade com as particularidades...
Que tarde é já!

sexta-feira, dezembro 01, 2006

E falta lembrar a manhã, a manhã do 1º de Dezembro.
A de 1640, não outras, da minha petite histoire, usadas em idas a Badajoz para compras de los puros.
Ainda ontem, descobri que, pela segunda vez, reproduzi no blog o início de Moby Dick. Não vejo, porém, inconveniente, várias vezes reli - por estas alturas do ano - aquela abertura e este ano não, por não ter encontrado o livro. Assim fica aqui no blog mais à mão, como devia ter estado o livro. Por onde andará?
Um outro livro que, durante anos, gostava de reler por estas alturas era "O Monte dos Vendavais". Descobri, depois, que Novembro era a altura errada para o ler, por ser tempo no geral muito quedo e igual, que lhe calhavam melhor as ventanias de Fevereiro, ainda invernosas, onde há já pressentimentos - ia fazer um calembourg com Précis de décomposition, ficaria pressentimentos de decomposição - por ser disso que, penso agora, o livro trata desde a primeira página: de decompor.
En passant: Cioran era um admirador de Emily Bronte.
Pessoa, Eça - deste, o nascimento - e Proust, também a morte em Novembro, e de que este ano me lembrei.
Depois de ter feito o post da morte de F.P., a notícia das festas e músicas e luminárias na Casa Fernando Pessoa não pôde deixar de me pôr a pensar o que fazem génios, a gente que eles alimentam (literalmente falando), tendo tido os próprios - no caso dos portugueses Pessoa e Eça - vidas de algum aperto financeiro. Hoje há famílias, algumas delas regularmente constituídas, com despesas ordeiras de colégios de meninos, empregada, prestações de casa, carro e viagens, que deles retiram muito passavelmente a quase totalidade ou todos os seus proventos.
Eu não tenho nada contra isso, é necessário que alguém - falo dos honestos - os estude e desbrave.
Mas folguedos nos aniversários dos dias das suas mortes é, parece-me, de uma total falta de gosto.
Ontem, 30, fazia também anos que tinha nascido Churchill: festejou o seu 61º aniversário no dia em que Pessoa morreu. Não referi o nascimento para não misturar num post o que a vida mistura: tudo. As palavras do post anterior são as últimas que escreveu o Poeta.