Não hoje ainda, mas o sol já se pôs e a madrugada será a do dia em que nos dizemos
Começa hoje o ano
Nada começa: tudo continua
Onde 'stamos, que vemos só passar?
O dia muda, lento, no amplo ar:
Múrmura, em sombras, flui a água nua.
Vêm de longe,
Só nosso ver teve começar.
Em cadeias do tempo e do lugar,
É abismo o começo e ausência.
Nenhum ano começa. É eternidade!
Agora, sempre, a mesma eterna Idade
Precipício de Deus sobre o momento,
Na curva do amplo céu o dia esfria,
A água corre mais múrmura e sombria
E é tudo o mesmo: e vento e pensamento
Fernando Pessoa
in Poesia 1918-1930
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