quinta-feira, dezembro 30, 2004

Na minha abrigada varanda, voltada a sul, nestes dias tépidos e soalheiros falta quem lá se sente a aquecer-se ao sol. Uma criada velha que lá remendasse uma pano quase sem préstimo e se lavantasse depois, lá pelas quatro e meia, por se irem aproximando as horas do lanche.
Assim como está, devoluta de quem a use mais do que para olhar além dela os montes ao longe, é uma tristonha coisa.

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Com algum espanto noto assomos de indignação quanto às falhas do estado português na assistência aos portugueses no Sudoeste asiático.
Convém esclarecer que o estado, em Portugal, tem como objectivo imediato e primordial o servir-se e enaltercer-se a si mesmo: os cidadãos são apenas uma preocupação mediata e secundária. Havia portugueses recolhidos na embaixada de Espanha? Parece que sim. O telefone da embaixada portuguesa em Banguekok atendia com uma gravação? Parece que sim, igualmente - eu ouvi. Mas, ao contrário de alguns, não me admirei que assim fosse.
É que é assim, aqui, que é, e não de outro modo.
O Estado português, que já foi imperial, não cura de minudências. Tem as altas questões que lhe dizem respeito com que se preocupar e representa um Portugal eterno que não pode ser atrapalhado pelas aflições pontuais de alguns poucos dos seus cidadãos. Por isso, o Ministro dos Negócios Estrangeiros se irritou - uma irritação branda e bem educada - quando lhe colocaram algumas questões de pormenor. E tinha razão! Apenas em pequenos países sem o peso do nosso destino e do nosso passado o estado serve para cuidar dos seus cidadãos, apenas em estados menores e desprestigiados é que embaixadores ausentes e que não regressassem imediatamente ao seu posto seriam sumariamente demitidos, apenas pequenos estados como a Suécia enviam os seus ministros dos negócios estrangeiros. Aqui, em Portugal, os ministros servem altos desígnios e cumprem altos destinos.
É assim.
Linkaram este blog o Olhos Azuis , o Monodia , o Vacalhum e o Batata Quente .
O Impensavel agradece, muito obrigado.

terça-feira, dezembro 28, 2004

Post em que vociferava apagado.
Não quero atulhar - macular - de ruídos inúteis este dia ermo.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Esta semana, entre Natal e Ano Bom, no côncavo do tempo, uso-a em nadas: abrir livros, folhear outros, andar aqui por casa de um lado para o outro, em conversas-paisagem com amigos que esmoem o festim e o tempo, à lareira ou à roda da braseira. (E é tudo o que faço). Depois, em Janeiro, já não é assim, a curvatura dos dias perde a perfeita serenidade, pressente-se o esgar escrupuloso e duro do início.

quinta-feira, dezembro 23, 2004



Christmas Gifts: Daylight and Dawn, Eric Gill, c. 1913,
Tate Gallery

Um Santo e Feliz Natal!


terça-feira, dezembro 21, 2004

O Inverno começou hoje.





Estava a começar a escrever um post para contar o que se passou comigo enquanto lia, ontem, já na cama, o "Vinte horas de liteira" - o que se passou foi ter-me esquecido do copo da água, o que me obrigou a percorrer um gélido corredor, uma entrada cavernosa e outro corredor onde o frio mais inclemente reinava, isto com algumas peripécias insignificantes pelo meio mas que tencionava contar - quando me apercebo da tão agradável menção que o Contra a Corrente quis fazer a este blog.
Agradeço, muito grato e saíria de cardo, um cardo escocês, na botoeira da lapela, comemorando, se, como descobri ontem, durante aquele passeio nocturno e enregelado, o meu alfaiate se não tivesse esquecido da dita, dando-me hoje a estaparfúdia desculpa de não ser hábito os tweeds terem tal...
"A distinguish bishop, a priest and a peasant are in a great cathedral. In turn the priest and bishop approach the altar rail, beat their chests and declare, «I'm nothing, I'm nothing». The humble peasant, moved to imitate, shuffles to the altar and says the same thing. The bishop turns furiously and hisses the priest's ear, «Who the hell does he think he is?»"

No TLS de ontem. Lembrei-me hoje, quando fui tomar café na taberninha em frente. A dona, boa pessoa, mas uma incrível snob, lamentava a perda do espírito dos natais de outrora face ao avassalador materialismo de hoje. A snobice dela, muito requintada, é como a de alguns amigos meus, uma snobice-anti snob. Sei, por isso, quanto eram pobres os natais da sua infância e quanto os relatos dos materialistas natais de agora, em casa da filha, lhe são queridos, a história de uma façanha, de uma ascensão social bem sucedida. Lembrado disso, ia contestar risonha e brevemente aquele seu ódio às demasias hodiernas quando me lembrei da anedota.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Consegui tratar de tudo em Lisboa entre o meio-dia e as quatro da tarde. Espero que não ser obrigado a sair daqui senão depois do Ano Novo. Para estes dias ambiciono o sossego silencioso das conchas em volta.
Egoísmo pacato, mas egoísmo quand même bem sei.

sábado, dezembro 18, 2004

Gostaria de dizer que corei como um sentimental general inglês ao saber que esta Senhora gosta tanto deste blog e que com toda a simpatia e despacho o diz, que ficara eu com isso très ému - presque -, que...
Mas fiquei assim, assim é que foi que fiquei:



quinta-feira, dezembro 16, 2004

Valha-nos o azul imenso, quase abençoadamente demasiado
que, por baixo dele, aqui, tudo é de menos.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Outro dia magnífico.
Acredito em Parménides:
"[...]
Não foi um mau destino que te enviou a viajar" E "aprender [...] o coração inabalável da realidade fidedigna" um convite que relembra em mim diligências antigas.
É do sol, do azul e da nitidez da aragem branda.

(O poema fui buscá-lo ao "Antes de Sócrates" de Trindade Santos)

terça-feira, dezembro 14, 2004

Onde se finca o ponto fixo ao redor do qual giramos, edificamos, recuamos, avançamos, cedemos, damos, recebemos, tememos e ameaçamos?
Cioran - que, creio, estou a a parafrasear nesta tarde de Outono perfeito - crê na necessidade de renunciarmos ao apoio sobre qual construimos tudo, que abandonemos essa terra firma e vagueemos.
O mais que consigo nos melhores momentos - em dias como este - é sentir a dureza dessa terra, esse calo do que se é, e preferir a essa exiguidade da terra calcada a deriva para norte. Mas isso não é a ainda indiferença nem a renúncia, é um erro de método e que redunda em mero turismo ontológico.

Akseli Gallen-Kallela, 1905 Lake Keitel
National Gallery


segunda-feira, dezembro 13, 2004

Aproveito este breve surto de vontade para agradecer aos blogs que recentemente "linkaram" o Impensável:
O Boticário de província e o Nota bene.
Muito obrigado.
E a influenza, a má influência que nos põe de cama e nos desorganiza metafísicas e universos - como bem sabia Pessoa -, quando os micróbios, netos dos miasmas, se lançam sobre nós.
E no fogão o fogo crepita. O fogo crepita no fogão é um desgraçado lugar comum muito abundante em descrições dos prazeres de Inverno ou dos do espírito, se meditarmos, lermos em frente ao, ou dessas actividades formos distraídos pelo mesmo.
O que me parece injusto para tão comum lugar liteterário é a trabalheira necessária para que o fogo crepite. Encomenda da lenha, implorar para que não esteja molhada, vigiar para que fique arrumada e, depois, o pior, ir à arrecadação buscar a lenha e trazê-la escada acima. O fogo crepita? Ora vejamos: um fogo laborioso crepita. Se os meus escrúpulos em pedir à empregada que traga para cima sacas generosas de lenha persistirem, vejo-me privado da contemplação do lugar comum e, no cair frio da tarde de Inverno, resta-me, de uso ameno e caseiro, o fumegante chá. A loira torrada, a torrada dourada, também já se foi, há muito. Há alguma coisa sobre lombadas pousadas de livros, livros esquecidos sobre uma mesa ou um sofá, mas sempre os achei pouco entusiasmantes.
O que não posso decentemente é pedir à empregada, a quem dou instruções para ter cuidado com os pesos, etc, etc, que traga as preciosas sacadas de lenha, para que esta crepite no começo do texto...
Impedido da contemplação e desfrute de lugares comuns que caros me eram, e brandos - o fogo crepita brando, interessante, este - eis um side effect estranho do paternalismo nas relações laborais.


sexta-feira, dezembro 10, 2004

O "blog" não está esquecido. É o frio (isto não é um protesto). Com este frio e alguns aquecedores avariados, sair à noite da sala é uma temeridade. E por lá fico, entre a contemplação das chamas no fogão e o livro que escolho para a noite.
O tempo, contudo, vai mudar. Ventos do Sul, algumas chuvas, os aquecedores foram já substituídos, o gabinete pequeno de onde escrevo tornar-se-à habitável e convidativa para a bavardage.


terça-feira, dezembro 07, 2004

Fico ciente, mas já esperava isto, condiz com todo o resto. Mas, em compensação, são tãooo expressivos, tãoooo imaginativos, tãoooo de fazer qualquer pedagogo adejar de comoção. E, depois, Espanha, onde começa o mundo a sério, fica tão perto, podemos ir lá quando precisarmos de alguma coisa mais maçadoramente precisa.

P.S. Convirá notar que fora qualquer coisa que se traduza em botar cimento - e actividades conexas - este país é absolutamente incapaz de resolver qualquer problema, seja dos velhos, seja dos que vão aparecendo com os tempos novos de lá de fora (que aqui, como dizia Pessoa, o presente é antiquíssimo). O que se faz, verdadeiramente, e bem, é acostumarmo-nos a que seja assim, à habitualidade do desaire (paráfrase desagradável, esta).

segunda-feira, dezembro 06, 2004

ALL the words that I utter,
And all the words that I write,
Must spread out their wings untiring,
And never rest in their flight,
Till they come where your sad, sad heart is,
And sing to you in the night,
Beyond where the waters are moving,
Storm-darken'd or starry bright.

Yeats

sábado, dezembro 04, 2004

Releio o "Portugal Contemporâneo" do Oliveira Martins.
A tarde, de um cinza súbito, é o cenário cúmplice da leitura.

P.S. das 18:36: Não reiniciei o O.M. Tenho de confessar, eu, um defensor dos dias cinzentos, que me fez falta a tarde soalheira: imuniza um pouco contra a absorção do pessimismo de Oliveira Martins. Sem sol, fiquei por aqui, numa versão de passeio triste cibernético.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

A Bomba Inteligente quis ter a simpatia de destacar um post deste blog atribuindo-lhe a "Bomba de Ouro" um dos mais respeitados galardões no mundo blogosférico. O Impensável agrade, muito reconhecido e confundido.

O Impensavel, porém, sente-se no dever de esclarecer que, ao contrário do que possa parecer, a afirmação proferida não é uma boutade, mas fruto de longas reflexões sobre o país.
Ora vejamos: parece consensual que os portugueses querem que o país se aproxime do nível de vida dos demais países europeus da UE. Mas, pobre e atrasado, haverá um caminho a percorrer, decisões a tomar, etc. etc. O traçado desse caminho e essas decisões não têm de ser descobertas por nós: existem já. Com pequenas diferenças de método, é aquele caminho, são aquelas decisões que nos levam . E chegar , e o mais depressa possível parece ser o que todos queremos com determinação. E queremo-lo tanto que, quando desabam sobre nós diagnósticos frios sobre o longe que estamos do objectivo, o país estremece, diria que se apavora no medo de continuar como é, triste e atrasado. A última vez que tal sucedeu foi com a análise do Dr. Medina Carreira, publicada no Queijo Limiano.
E o que dizem, no fundo, todas essas análises lúcidas? Que estamos no caminho errado, que usamos métodos errados e ineficazes e que os usamos por medo dos side efects dos métodos correctos, que a maioria desses erros, dessas omissões, se deve ao medo da cura, de onde deriva a tibieza, à pusilânimidade, governamental - e à nossa, profissionais que somos na arte da auto-ilusão.
Por isso, a proposta do gerente suiço. Já estiveram num hotel suiço? Pois vão lá...

P.S. E é de um gerente que precisamos, não de um director de colégio interno, seja ele inglês, vocação que parece ser a do Presidente da República.