Gosto de ouvir Paula Rego "contar" as suas obras. No outro dia, na televisão, contava alguns das telas que estão em Serralves. Duas delas são inspiradas na vinda para o Estoril de algumas famílias reais europeias e acompanhantes, durante a II Guerra Mundial. Numa delas, contava, um rapaz, português, está de braguilha aberta, pronto a ser abusado por um estrangeiro, presumivelmente um aristocrata, pois então. Que asssim era, como, aliás se dizia e sabia, asseverava Paula Rego. É coisa que sabemos bem que assim era... se optarmos, como Paula Rego optou, talvez malgrè elle, pelo mito do Portugal rural, vivendo uma perene idade de ouro como o entendia o salazarismo: aqui imperaria o bucolismo virtuoso de todo um povo laborioso e feliz e, lá de fora, da Topia, vinham as ameaças, as perversões que contaminariam o bom povo português. Isto é xenofobia, preto no branco demagógico, mitificação primária. É que não era assim aqui, terra da branda violência, terra sem estatisticas - que são obra do diabo -, mas fica mal dizer, ou saber que situações de abuso infantil ocorriam naquela alegre casa aldeã, ou naqueloutra do operário neo-realista, talvez membro do partido.
Ah, falta dizer que os aristocratas estrangeiros abusadores da mocidade pátria, não fazem parte do círculo de grandes pensadores, intelectuais e artistas de esquerda a quem tudo é, foi, evidentemente, permitido. Que o irmão do Conde Balthus produzisse pornografia para consumo de Gide et coetera é assunto que apenas gente de somenos pode não perceber.
Ver Paula Rego, sempre. Ouvi-la? Tsc, tsc.
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