sábado, dezembro 31, 2005

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Esta noite, um sem abrigo de 22 anos morreu de frio, em Roma. Não foi um acidente, um acaso. Eis um escândalo (eu queria crer que a extrema miséria era do passado, dos filmes neo-realistas e que na Europa da UE, em Itália, não havia gente a morrer de miséria aos vinte e dois anos, que as redes protectoras - públicas ou privadas -estavam lá.
Não estão.
Hoje de manhã recebi o "Postwar - A History of Europe since 1945" do Tony Judt que já estive a ler aos pedacinhos, segundo o meu velho e péssimo hábito. Aconselho, desde logo por desconhecer algo que se aproxime em fôlego ao contido nestas 800 e muitas páginas.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

O regresso do frio é, também, o da dormência. Entre o ar condicionado a sussurrar nos 23º C e a braseira, arrasto um olhar semicerrado para o azul lá de fora. O "homo ludens" de Huizinga há muito que escorregou até ao chão. Readormeço. Eis o meu dia.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Já não sei dizer como, ontem o nome de Margaret Thatcher e a questão do cheque inglês da UE cruzaram-se com umas declarações quaisquer de Cavaco sobre um secretário de estado (mais um...) não sei bem para quê e a reacção de Soares a não sei àquele quê e o PS a bradar por golpes de estado e lembrei-me que Thatcher tirou a Grã-Bretanha das mãos dos sindicatos e mudou a face do país que ao tempo em que tomou posse estava mal e hoje está bem (Blair nada mudou de fundamental do que Thatcher fez, lembrava VPV) e que enquanto isso o nosso país na mesma, essencialmente, isto é, mal. E por cá andavam, enquanto Thatcher talhava a nova Inglaterra, Cavacos e Soares, oh luminárias!, que gostam agora de fingir-se diferentes entre si, não o sendo: entre outras coisas, ambos gostam imensamente de um estado grande e gastador que nós, desgraçados, paguemos e ambos fizeram os possíveis para que isso se mantivesse. Isto são os nossos "estadistas".
Eu sei, dá vontade de chorar, dá vontade de morrer, como Herculano tinha ao contemplar a qualidades dos nossos políticos (melhores do que as actuais, todavia).

terça-feira, dezembro 27, 2005

António Alonso é o nome de um juiz civil espanhol. Creio que não será um magistrado, mas o equivalente ao Conservador do Registo Civil. Discordando da nova lei que permite o casamento entre homossexuais, apresentou a sua demissão para não ter de celebrar um, alegando impossibilidade moral.
Não está em causa agora o "casamento" entre homossexuais, mas o mero facto de alguém apresentar a sua demissão por uma questão moral, por uma questão de princípio moral.
É ali ao lado, em Espanha.

P.S. Sim, ficou mesmo sem emprego. Sim, aconteceu. Sim, aqui nem mortos se demitem. Sim, não há noção do que sejam coisas tais como questões de princípio. Excêntricidade? No lo creo. Em greve? Não, não, isso é cá. Lá demitem-se mesmo por estas coisas. Sim, sim, demissão. Sim? Ah, não, não, não creio que seja uma questão sindical. É mera vergonha na cara, hombredad, dizem; sim , sim, muito atrasada a Espanha. Não, não, o que me espanta é que alguém saiba retirar consequências do choque entre a lei e as suas convicções pessoais e esteja preparado para sofrer por isso, com prejuízo seu. Também concordo, muito excessivo. Sim, é o que eu dizia, o problema é a família, se não fosse a família, as crianças... o problema é a família. Egoísmo? Claro que é egoísmo. Sim? ah, logo vi. Então com certeza tem de seu.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Hoje é dia de Santo Estevão, primeiro mártir do Cristianismo - da nossa civilização ocidental.
Estevão, enquanto o apedrejavam, implorava a Jesus que não considerasse culpados os seus verdugos e neste gesto de responsabilidade, altruísmo e perdão encontramos alguns dos valores que fizeram a nossa civilização e compreendemos a justeza, a facilidade das palavras de Habermas: «Christianity, and nothing else, is the ultimate foundation of liberty, conscience, human rights, and democracy, the benchmarks of Western civilisation» "in" «A Time of Transition»

sábado, dezembro 24, 2005

Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois cabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos

Vão-se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes

Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus não lhes deu nada.

-Deu-lhes sim, muitos bonitos.
Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos

Mário Sá-Carneiro










Noite de Natal

sexta-feira, dezembro 23, 2005

"In the afternoon they came unto a land
In which it seemed always afternoon
."

Ficam os canditados entre Dickinson e Tennyson, já que manda a honestidade que não os faça desaparecer.
O livro em que vi os versos de Tennyson, tinha-o encomendado há um mês e esperava-o só para Fevereiro. Foi uma boa surpresa e foi a minha leitura de final de tarde.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Aquela deselegância de Soares no final do "debate" com Cavaco revelou quanto ele, Soares, deve à "Lisboa em camisa" em que nasceu e pouco ao vasto mundo a que julga pertencer. Aliás, nesse "vasto mundo" vi-o a ser malcriado com uma senhora que, aliás, prontamente o pôs no seu devido lugar de deputado, entre os muitos outros, do Parlamento europeu. Lembre-se quem quiser desse episódio, ilustrativo do prestígio do homem "lá fora"...
Um assunto, porém, deveria ser objecto de algum pedido de esclarecimento: é normal que os chefes de estado de democracias oiçam de políticos estrangeiros considerações que se presumem pouco abonatórias - pelo tom usado - sobre os respectivos primeiros ministros? E, ademais, em alturas de difíceis negociações em que os países dos "mes amis" podiam ter interesses divergentes e mesmo antagónicas da portuguesa?
Eu gostava de saber...

O facto de Cavaco estar convencido de que alguém bem informado sobre um assunto terá de forçosamente chegar a acordo com outrém se este for igualmente elucidado sobre todos os aspectos da questão e possuir igual discernimento é interessante. Tem valido alguns sorrisos a Cavaco. Creio que um dele foi de Vasco Pulido Valente, meu confessado «maître à penser» e ouvi falar de outro (sorriso) de Álvaro Barreto. Estranhei ambos. O problema não é -ou foi - simples: afinal era isso mesmo em que cria o Iluminismo. Não era da discussão que nascia a luz? Era! Que não fosse assim, podiam pretendê-lo os românticos, os marxistas, os... mas acabados os "ismos" de oitocentos e os seus sucessores de novecentos, não está por aí a aspiração a "novos iluminismos"?

Isto tudo por ter visto o "debate". No fim senti-me feliz por não ir votar em ninguém...

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Before the ice is in the pools,
Before the skaters go,
Or any cheek at nightfall
Is tarnished by the snow,
Before the fields have finished,
Before the Christmas tree,
Wonder upon wonder
Will arrive to me!

Emily Dickinson

sábado, dezembro 17, 2005

Entre leituras diversas, televisão, preguiça e cogitações passei a noite de ontem em claro. A noite esteve muito fria e, quando amanheceu, o azul e rosa gélidos magníficos e quase insuportáveis. Fechei as janelas e adormeci, enfim.
Das leituras fez parte o "A year in the merde" de Stephen Clarke suficientemente divertido para ocupar parte de uma noite sem sono. De igual modo, não dei por mal empregue o mail em que agradeci - desnecessariamante, aliás - o envio do último livro de Judt que encomendei: continha expressões tais como "Dears Ladies", Merry Christmas" e outro salamaleques politicamente incorrectos, em quantidade suficiente para estragar o weekend à "Hi there! Ann".

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Vi ontem uma entrevista com o Dr. Paulo Pedroso. Verifiquei, com alguma satisfação, que continuo a simpatizar pouco com ele e, por isso, posso atribuir a minha convicção de sempre sobre a sua completa inocência apenas a alguma sensatez e espírito lógico.
O Dr. Paulo Pedroso quer pedir contas e uma indemnização a quem tão grotescamente o prendeu. Isso são direitos do Dr. Paulo Pedroso e apenas espero que se faça pagar bem e que alguém seja responsabilizado (eu sei que não será, mas fica bem pôr aqui, dá ideia de um país do 1º mundo). Mas, o Dr. Paulo Pedros foi preso quando era deputado. O Dr. Paulo Pedroso é um político. O Dr. Paulo Pedroso deve ter ouvido e lido as declarações, entre outras, do Dr. Pires de Lima, anterior Bastonário da Ordem dos Advogados, que classificava o actual código de processo penal como digno de um país do 5º mundo. O Dr. Paulo Pedroso tem o dever, porque sentiu na pele, e correndo embora o risco de ser tomado apenas como vingativo, de contribuir para que tal diploma seja revogado o mais depressa possível.
Isso é um dever do dr. Paulo Pedroso agora que sabe, como afirmou , o que é estar tranquilamente em casa e ver-se, de repente, em pleno processo de Kafka. É obrigação dele, é seu dever, lutar para que isso não aconteça a outrém.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Cheguei uma vez, já não sei por quais portas e travessas, a um blog - bom - onde se falava de começos de livros e não se falava deste, o meu preferido.
É assim:

"Call me Ishmael. Some years ago - never mind how long precisely - having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off - then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me."

Herman Melville, "Moby Dick"

terça-feira, dezembro 13, 2005



Isto é Balthus, não sei como se chama a tela. O quadro podia pertencer a um livro de horas, ilustrar as tarefas da tarde, os cuidados com o fogão. Lá fora a tarde é branca (é fosca/branca a luz que entra pela janela). Aqui, as tardes deste Dezembro não são assim.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Mas depois do chá - frugal e rápido - não voltei a pegar no livro do Amis. Ouvi o trio para piano, violino e violoncelo de Schubert, opus 100, e que primeiro ouvi quando fui ver o Barry Lyndon num dia que, lembro-me bem, foi feliz. Nessa altura anotava numa agenda idas ao cinema, exames, horas de estudo, façanhas de bar, saídas nocturnas, factos e boas intenções. Se encontrar essa agenda, de um castanho feio, poderei saber com exactidão de que dia se tratou, o que não é trabalho demasiado quando o assunto é a felicidade.

domingo, dezembro 11, 2005

Há qualquer coisa na prosa de Martin Amis que me irrita. Ainda não percebi bem o quê. Talvez o algum tom détaché que, mais que são pudor, é uma espécie de puritanismo que nos é estranho - ou, pelo menos, me é estranho. Continuarei em investigações after tea.

sábado, dezembro 10, 2005

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Os papéis de Cioran iam ser vendidos hoje em leilão, impedido "in extremis" por uma ordem judicial.
Alguém dizia que Cioran era um filosofo da adolescência. É fácil entender que tanto absoluto brilhantismo em prosa de tão alta qualidade mace qualquer um dado às maturidades de serviço, dos que guindam à genialidade segundo o roteiro...

De um dos cadernos que seriam hoje leiloados: "Kandinsky soutenait que le jaune est la couleur de la vie. C'est bien possible et, dans ce cas, on comprend mieux pourquoi cette couleur fait si mal aux yeux."

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Que dizer?Muito obrigado Charlotte. Grato Impensavel




Instalo-me nesta nitidez de ouro, azul, árvore ao longe que veio da outra estampa velha, veramente, mas dá a estas tardes o seu quê de meditativo e sentimental - estampa inglesa do Raj - e não tenho vindo por aqui, preguiço numa esplanada ínfima, um trejeito de corredor, de um café pequeno. Tudo isto parece implausível, bem sei, mas é lá que tenho estado a resolver a questão da estampa, do sol imóvel que dá sempre nos ramos altos da árvore.

domingo, dezembro 04, 2005

Não me esqueça, também, a morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, dos poucos políticos que, acredito, teriam feito com que tudo hoje fosse diferente - e para melhor.
Lembro-me de ter vindo de Lisboa nesse dia, da notícia ao jantar, das reacções de incredulidade e desgosto de todos - e desses todos, os muitos que já não existem.
E passaram-se-me os aniversários do nascimento de Eça (25) e o dos setenta anos da morte de Fernando Pessoa (30). Nada abonatório para este blog e para mim, estes esquecimentos.

sábado, dezembro 03, 2005

Ontem decidi dar um passeio higiénico ao fim da tarde. A segunda paragem foi numa das duas livrarias da terra. "Que havia livros novos, aí nessa prateleira ao fundo, ainda estão por arrumar, é ir vendo, se faz favor" e eu vi as "Memórias da Marquesa de Rio Maior" que há anos tencionava ler. Comprei logo e era meu intuito vir para casa lê-las, o que teria feito, não fora entrar num dos poucos cafezinhos e lá encontrar duas amigas. A uma achei-a pálida e disse-lho, atribuindo aquela brancura à mistura de sangues flamengos, inglês e francês e à outra com ar cansado. Em resposta, consideraram que eu, sim, estava pálido e cansativo de secante que me tornara. Decidiram as senhoras que o remedeio das minhas inconveniências não se faria sem um convite de penitência para jantar, que me pareceu adequado e lá fui eu com as duas que, bem dispostas, me desculparam os desconchavos. Chovia quando saímos, levei cada uma a casa, passei pela minha e parti para casa de outros amigos, seroar. Depois de me censurarem não ter levado as senhoras a quem, por distracção "cortara" a noite, lá estive, com alguma indolência. O irmão da dona da casa, bloguista ilustre, analisava a noite de Lisboa, tal como a tinha conhecido há 12 ou 13 anos e com alguma má lingua de permeio, que todos acolitávamos com o entusiasmo que o tédio inspira. A propósito de antiguidades, lembrámos expressões e frases que hoje em dia correm o risco de se tornarem de difícil compreensão, isto a propósito do verdadeiro martírio que para algumas senhoras constituía o destinar (caíram-me no goto as palavras de outros tempos e hoje, logo ao acordar, me senti neurasténico - uma palavra das gerações mais acima aqui em casa - e já aqui não dispensei o "seroar" (creio que vou iniciar um rubrica no blog com palavras e expressões em vias de extinção, mas não me prometo nada, irritado por acabar de me lembrar que a ideia não é nova, teve-a não sei quem em França, uns tempos atrás).
Enfim, passava das 4 quando entrei em casa e me resolvi a dar uma vista de olhos pelas "Memórias", divertidas e inteligentes (uma das fontes para a história do nosso séc. XIX) . Eram oito da manhã quando, finalmente, me deitei.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Há pouco, quando chegava de passar um bocado de noite em casa de amigos, ouvi um crocitar roufenho na árvore do jardim para onde deita a porta da rua. Parei a ouvir e, comigo, um gato que passava. Por um momento, ficámos os três, coruja, gato e eu parados no jardim, gato e eu a olhar para a ramagem escura. Foi a coruja que pôs fim à situação, que era de impasse, lá foi a voar. O gato também seguiu o seu caminho e eu pus a chave à porta, um pouco vexado por ter sido o último.

segunda-feira, novembro 28, 2005

"Autobiography is only to be trusted when it reveals something disgraceful. A man who gives a good account of himself is probably lying, since any life when viewed from the inside is simply a series of defeats."
George Orwell (a propósito do "The Secret Life of Salvador Dali" por aquele mesmo)

sábado, novembro 26, 2005

Ouvia no "Expresso da meia-noite" um senhor defender com unhas e dentes o segredo de justiça, isto a propósito das escutas não irem parar aonde não devem, etc.
Aqueles senhores todos estavam a praticar um jogo muito jogado em Portugal e que consiste em fazer dos outros parvos: a Inglaterra não tem nada que se pareça com segredo de justiça e não é um paraíso de criminosos, bem pelo contrário. Estes senhores são adeptos - como qualquer pessoa - do segredo da e na investigação, mas isso nada tem a ver com segredo de justiça... são coisas diferentes... totalmente diferentes. Enfim...

Por justiça, parece que os senhores juizes querem sentar-se à mesa com o governo e conversar. Os juizes portugueses não leram Tocqueville - não leram mesmo, esse ou outro qualquer grande teórico da democracia - e desconhecem o pensamento anglo-saxónico. Por isso, não entendem que o poder judicial não tem - nem deve ter - poder ou vontade (power or will). Os juizes têm substancialmente razão em muito do que dizem; não podem é querer negociar. Negociar o quê?

O frio e a chuva chegaram.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Anda toda a gente muito incomodada com a possível passagem por aeroportos europeus de aviões ao serviço de uma agência governamental norte americana, país aliado.Não percebo tal incómodo. Não é usual que aviões norte-americanos sobrevoem a Europa? Não o fizerem em 1942-45? Não o fizeram a caminho de Berlim aquando do bloqueio da cidade pelos comunistas? Parece que o incómodo vem de tais vôos serem ilegais - embora eu não saiba o motivo concreto por que o são. Mas não eram ilegais, por não haver decisão da ONU, os vôos a caminho da Jugoslávia, para que parasse o genocídio do Kosovo, que a imperícia franco-alemã permitira? Francamente não percebo...

quinta-feira, novembro 24, 2005

Afinal não fui só eu que achei as declarações de Freitas do Amaral sobre a Grã-Bretanha muito, muito fora de propósito.
Aliás, achei-as malcriadas, de uma má criação muito portuguesa, que congrega a boçalidade do ruralismo com a secura de lojista de cidade pequena (e tudo isto é uma cidade pequena...).
E estas coisas, vindas de Freitas do Amaral que confessava um dia a sua admiração pela Grã-Bretanha, pelas instituições inglesas que, salvo erro, dizia mesmo que lá gostaria de viver....
E depois isto, esta regateirice de gente do campo, tão longe da fleuma britânica.
Diz-se, porém, nos altos círculos, que no Foreign Office houve quem tremesse. Valha-nos e a ele, isso, essa tremura perturbada.
Nos últimos tempos, cada vez que vou a Lisboa tenho direito a uma celebridade. Depois de Pacheco e EPC, ontem, no Corte Ingles, restolhou à minha beira, apressada, "não me vejam, não me vejam" a Clara Ferreira Alves. Aparição lesta, o ar decidido, não podia deixar de ser ela mas tudo convidava a que se duvidasse se era mesmo ela. Gostei do efeito e, enquanto palpava disfarçadamente - porque todo eu embasbacava - a consistência da lambswool, senti-me mais perto das grandezas pensantes do mundo e ocorreram-me Proust, Beckett, a round table do Algonquin, toda a Viena de 1900 e alguma Oxford, Paris entre guerras, Bloom e a autora da Bíblia.
Pasmei perante tal sillage.

terça-feira, novembro 22, 2005

Dei-me conta de que me encontrava alguns Harold Bloom atrasado. Resolvi ver o que havia traduzido em francês e consultei a fnac.fr e a alapage.com - passe a publicidade. Em ambas, de Bloom, dois ou três livros.
Há alguns decénios atrás, este facto siginficaria que Bloom era um desconhecido. Hoje quer dizer que o a França se encontra isolada, tal como anunciava o Times no seu célebre título. Resta saber de que é feito esse nevoeiro que cobre hoje a França (Paris) e o Canal da Mancha.

domingo, novembro 20, 2005

Manter-se-à, para quarta-feira, a previsão do vento nordeste, a chegada do frio? Tenho saudades das noites gélidas e nítidas, quero reencontrar esses tempos de arestas finas e fiáveis geometrias.

sexta-feira, novembro 18, 2005

"Take care of the luxuries and the necessities will take care of themselves"
Dorothy Parker

quinta-feira, novembro 17, 2005

Reparei numa nova enchente do Impensavel e vou espreitar o Bomba, já que de há muito que a simpatia charlotteana amiúde provoca invasões neste blog. Mas não, desta vez não era. Acabei por vislumbrar que a corrrente de visitantes se originava d'A Natureza do Mal por um escrúpulo de indicar fontes tão de agradecer quanto, no caso, era dispensável.
Muito obrigado a Luís.
Uma vez, num autocarro, passei por um sítio de tal modo medonho que perguntei como se chamava, o que era. Era Sapadores, e desde aí, lá ponho a morar as pessoas que a minha ignorância instala nos confins do mundo. Lá morava, até hoje à tarde, Nella Maissa, que ouvia na emissora 2 , mas que nunca soube bem quem era. De lá saiu hoje, de Sapadores, única intérprete de Paul Hindemith no único disco dele encontrável na fnac - mas indisponível. Acabei por conseguir encontrar as "nobilissima visione" e foi a ouvi-las que a noite chegou.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Eu sou monárquico, não voto nas presidenciais e não me será difícil manter tal princípio. Pelo contrário, estranho que as pessoas se empenhem seja por Soares, seja por Cavaco, seja por Alegre. Esta estranheza, já muita gente a notou antes de mim e com mais pertinência: a falta de gente, o abandono da coisa pública, a plebeização da 3º república. Fica o Cavaco mais a condizer com a dita, talvez, sem mães a falar inglês, ars poetica, bibliotecas e fundações.

terça-feira, novembro 15, 2005

Um dia quase clandestino, passou sem dar por ele. Um dia nada positivo, também (diria aquela personagem de Thomas Mann): não fiz nada senão meditar, por uns instantes, no atribulado duplo nascimento de Dionisos.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Que injustiça para Nina Simone e que preocupações tão "alliance française"...
O que em Brel é ainda argumento e serenidade apaixonada é em Simone a certeza da pura perda: tudo está decidido, nada há a ganhar senão aquela última declaração de amor, aquela despedida feita de ofertas dilaceradas.
Gosto de ouvir Brel - de quem não gostei durante muito tempo e gosto de ouvir a versão de Simone.

Sobre a pronúncia dos "erres" (e um verbo offrir quase irreconhecível) leia-se, por todos, o que Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre Amália a cantar em inglês.

domingo, novembro 13, 2005

O meu gosto pelo "Ne me quittes pas" de Simone provocou protestos bem humorados aqui.
Sobrevivência de outras épocas, este meu gostar daquela canção, como explicá-lo? E tenho de dizer que, além dos maus "erres", aqueles verbos mal conjugados e cantados também não me incomodam nada? Simone não quer cantar num francês perfeito, mas ser uma americana que canta o "ne me quittes pas". E a súplica está lá, intacta.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A menção ao Impensável, a propósito do "ne me quittes pas" de Simone, no Bomba Inteligente, provocou a habitual invasão das hostes charlottianas num tropel perscrutador e diligente. Já se foram embora mas fica a sugestão de papéis no chão e crianças perdidas que perdura por um tempo e me ocupa.

quarta-feira, novembro 09, 2005

My November Guest

My Sorrow, when she’s here with me,
Thinks these dark days of autumn rain
Are beautiful as days can be;
She loves the bare, the withered tree;
She walks the sodden pasture lane.

Her pleasure will not let me stay.
She talks and I am fain to list:
She’s glad the birds are gone away,
She’s glad her simple worsted gray
Is silver now with clinging mist.

The desolate, deserted trees,
The faded earth, the heavy sky,
The beauties she so truly sees,
She thinks I have no eye for these,
And vexes me for reason why.

Not yesterday I learned to know
The love of bare November days
Before the coming of the snow,
But it were vain to tell her so,
And they are better for her praise.

Robert Frost, "A Boy's Will"

segunda-feira, novembro 07, 2005

Antes de me ir deitar, oiço o "Ne me quittes pas" cantado num francês conceptual, muito bonito, aristocrático, distante e afectuoso, por Nina Simone
(conselho amável de irmão mais velho que já me apressei a agradecer por mail).

sexta-feira, novembro 04, 2005

Paris, uma ilusão decrépita rodeada por uma realidade que comunga do sórdido, como bem descreve Clara Ferreira Alves, e da ardência da fricção - passe o trocadilho - com as comunidades estrangeiras que não são já as aristocracia de sangue e das artes e letras mundais, mas gente comum. A França provinciana, xenófoba e, por isso, perigosa, aí está ela...

Por outro lado, há dias, os jornais alemães perguntavam se se viveria numa casa de loucos. A casa de loucos era, pasme-se, a Alemanha.

Perante isto, espero que os USA não tenham mudado a sua política externa e continuem a salvar a Europa, das suas sangrentas idiossincrasias de grande continente civilizado. Estou-me a referir à próxima, à que pode aí vir por um destes decénios.
Então é isto o que nunca seria, este rendilhado opaco e repetitivo? É então assim, isto?... Uhm... não creio que seja isto, isto é a toalha da mesa do lanche.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Eça, queixando-se da falta de gente com quem conversar no seu exílio na província inglesa, refere um dos seus poucos interlocutores, um médico, que considerava não viver em Londres um caso de cobardia moral.
Há pouco abri a correspondência de uma circunspecta lista de discussão onde se falava de problemas nacionais e, tomado por um sentimento intenso de puro asco a "isto tudo", pensei que tinha de sair daqui agora.
Vivo aqui por inércia e cobardia, nestes arrebaldes de Tunis.

sábado, outubro 29, 2005



"All I was doing was trying to get home from work"
Rosa Parks
(m. 24 de Outubro com 92 anos)

sexta-feira, outubro 28, 2005

(...)" a essência do espírito do tempo é precisamente a falta de memória."
Vasco Pulido Valente, público, hoje, a propósito da campanha de Mário Soares
Ontem (foi ontem?) vi na televisão uma notícia sobre os gastos do Rei de Espanha e do Presidente português. Este último recebe mais dinheiro do que Don Juan Carlos I. Já tinha registado na lista de anomalias lusas, ao lado do extravagante ordenado de Constâncio, superior ao de Greenspan, o presidente da Reserva Federal norte-Americana, quando me apercebi que o locutor continuava a falar do facto e entrava em comparações de estilos de vida entre o Rei de Espanha e os presidentes portugueses; falava-se, até, dos preços dos vestidos das Infantas de Espanha! Mas a que propósito? Será comparável a vida do soberano de um grande país europeu ao do presidente de uma republiqueta pobre e atrasada?
Haja noção do ridículo!

quinta-feira, outubro 27, 2005

E veio a chuva. Tinha saudades destes dias, aquosos e translúcidos.
Lembro-me de uma interjeição, entre o queixosa e o entusiasta espantada: "ai, o que chove meu Deus! Ai que Deus a dá", muito do agrado das empregadas. Pergunto-me agora se não seria também um discreto protesto, embora creia que o gosto de sair sobrelevasse aos inconveninentes de uma molha.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Ainda convalescente do artigo do Prof. Medina Carreira na Grande Loja enfrento este quase suão que prenuncia tempestade.
O artigo é para ler, estudar e digerir com muito cuidado.

terça-feira, outubro 25, 2005

Conspirei, cometi indignidades, humilhei-me, mas hoje à tarde o Canalizador cá estava, à hora exacta em que havia predito a sua aparição.
Excedendo-me em lisonjas e bajulações creio ter conseguido que volte daqui a mês e meio. E não menos, que não queria prometer para não faltar. Elogiei a gestão da agenda e, quase de rastos, uriah heepando, acompanhei-o à porta, pedindo desculpa por ir telefonando, a lembrar (embora sabendo que não é preciso, lembrar, bem sei que não é).

segunda-feira, outubro 24, 2005

E esta tarde, hein? E esta tarde? Que tarde divina de Outono!
(Saudades de subir o Chiado, por tardes destas).
Elaboro uma mnemónica da angústia, uma longa lenga-lenga de modos, de disposições que em mim vão sobrevivendo e resistem a qualquer tentativa de alívio, irredutíveis.
Com torradas e um mau chá - e nada mais desmoralizante do que um mau chá.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Quando as andorinhas partiam...

Boca talhada em milagrosas linhas,
A luz aumenta com o seu falar.

Esta manhã, um bando de andorinhas
Ia-se embora, atravessava o mar.

Chegou-lhes às alturas, pela aragem,
Um adeus suave que ela lhes dissera,

- E suspenderam todas a viagem,
Julgando que voltara a Primavera...

É dele, do Augusto Gil e aglomera vários temas candentes: ela, o Outono e a gripe das aves.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Li a notícia de que Cristiano Ronaldo fora detido sob suspeitas de violação e que está a ser interrogado pela Scotland Yard.
O jornalista que redigiu a notícia deve estar habituado à prática portuguesa e ao louvado código de processo penal já que, e convém esclarecer as coisas, em Inglaterra ninguém pode ser detido para interrogatórios. Quando a polícia detém alguém DEVE apresentar a acusação no espaço de poucas horas - longe do espaço de um ano que pode atingir em Portugal...
A polícia inglesa, o ministério público da Grã-Bretanha antes de acusar não pode fazer nada que não tenha o consentimento dos visados.
Por outro lado o juiz que ordena a caução de um acusado nada sabe do caso, ao contrário daqui. O Juíz (pôr letra grande, que a merece) apenas se preocupa em assegurar que aquele súbdito (pois é, não são cidadãos...) compareça na audiência de julgamento.
Perante leis tão estranhas, o Impensável - que espera que o jogador esteja inocente - o Impensável, dizia, pede ao Senhor Presidente da República para protestar energicamente junto da soberana daquele país com leis tão estranhas.

terça-feira, outubro 18, 2005

Suave surpresa que a tarde tenha este modo de há tanto tempo que era o de intróito confiante em lonjuras de tempos a vir, espaços, sítios.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Tenho passado o dia a ouvir disfarçadamente este. Com um arabesque de Débussy de permeio e uma olhadela pelos orientes de Delacroix sinto-me meditativo e árabe.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Não tenho a menor simpatia por Chavez e, por outro lado, tenho motivos para crer que o piloto português estará inocente e, por isso, muito lamento a sua situação.
Dito isto, não assiste a Portugal (nem aos portugueses) qualquer legitimidade para protestos. O código de processo penal venezuelano, produto de um governo conservador é muito mais humano e moderno que o nosso, deixa esta miséria, de que todavia tanta gente se orgulha, a anos-luz em questões de decência.
Quanto aos portugueses manifestantes, bem sei que são amigos do pobre piloto. Mas, em Portugal, ele poderia estar ainda preso sem sequer ter tido ainda conhecimento do motivo - como, durante anos entenderam os tribunais portugueses e os prazos para a prisão preventiva são, no nosso querido país, muitíssimo maiores do que lá.
Os jornalistas e comentadores das televisões pôem um ar indignado pela demora, como se não fossem os mesmo que, em casos recentes nacionais, vieram pregar a necessidade de esperar pelo andamento da justiça e de não interferir, etc., e de serenidade e de...
O embaixador da Venezuela, ao pôr os pontos nos "is" fê-lo em termos cordatos. Podia ter-se permitido ser bem mais vexatório para Portugal. Lembrar aquele diplomata duas que venezulanas estiveram um ano presas preventivamente em Portugal e vieram a ser depois inocentadas - creio que sem direito a qualquer indemnização, é de toda a justiça (não sei se os meus queridos leitores percebem que uma coisa dessas constituiria me qualquer país da europa europeu civilizada um incrível e intolerável escândalo. Aliás, tal situação nem seria possível ou sequer concebível).
Por tudo isto, calemo-nos, moderemos a nossa indignação de país atrasado, onde se coexiste serenamente com uma brutalidade e rudeza atávicas, e lembremo-nos de escrever ao nosso deputado para que o nosso vergonhoso código burocrata-comuna-estatista seja revogado.
Sem muito delonga.

quinta-feira, outubro 13, 2005

O Nobel da literatura foi atribuído a Harold Pinter.
O ilustre dramaturgo, escritor e poeta é, também, um distinto sportsman, chairman do Gaieties Cricket Club.

terça-feira, outubro 11, 2005

Começou a chover de repente; algum vento. As duas rapariguitas abriram os chapéus de chuva enquanto gritavam uma para a outra: -"É o tufão! É o tufão!"
E desataram a correr, quase convencidas.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Creio que estou a sofrer de uma forma grave de amolecimento cerebral.
De notar:
1º Veio a chuva mas o calor continua.
2º Há uma mosca cá em casa que se passeia ao redor da minha atormentada cabeça.
3º Ontem, foi por um triz que não votei BE para a Junta de Freguesia.
Ontem, num sonho, uma grande damme perguntava a um seu convidado pelo destino de um amigo comum e, com ironia e algum desdém, adiantava julgá-lo "no caminho frugal da pobreza" (sic!!!), por culpa dele pressuposta. Quando acordei, eu que no sonho era um espectador desinteressado da conversa, pasmei do pedantismo do dito, da petulância, da falta de gosto e tanto que, depois do almoço pensei telefonar à autora inocente a defender o amigo ausente...
Mas era só um sonho! - ri com a minha distracção até me lembrar do velho dito de Freud: "num sonho somos todos os personagens".
Fiquei de péssimo humor todo o dia.

terça-feira, outubro 04, 2005

segunda-feira, outubro 03, 2005

Tinha destinado esta semana, com o feriado ao centro, para ir respirar o ar mais fresco da Europa e eis-me nos sítios, nos lugares comuns do costume, as boas intenções dissolvidas num deixa-andar preguiçoso, desleixado, morno.

sábado, outubro 01, 2005

29,8º C, vento de sul...

É tudo, é o tempo, são as gentes, é o governo, sou eu, tudo uma seca, tudo inaturável.

quarta-feira, setembro 28, 2005

De notável o estar mais fresco em Marrocos, às portas do Sahara, de que aqui, neste assombrado país.
O site que contém estas lastimáveis revelações é este.

terça-feira, setembro 27, 2005

Satie e a noite que resfrescou com o vento noroeste. Esta noite passa dispersa, tinge as horas de volutas escuras e serenas.

segunda-feira, setembro 26, 2005

29º C... desliguei.
Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor! Farto de calor!

domingo, setembro 25, 2005

O autor deste blog é monárquico e, por isso, as eleições para a presidência da república não lhe dizem respeito. Deve, no entanto, confessar que ouvirá, lerá e reflectirá sobre o pensamento e acção dos candidatos como se fora votar nas eleições destinadas a tal cargo. Em suma, não tenciona perder pitada.

sábado, setembro 24, 2005

Do fundo do meu sofá vejo a tarde lá fora. O vento sopra de Noroeste e oiço-o de vez em quando por entre Quiet City de Copland. Congemino com lentidão sobre viagens breves na semana do 5 de Outubro.
Que bom dia de Outono, de luz magnífica, um ouro suave que apenas se pressente no azul brando.
No Queijo Limiano, a propósito de Fátima Felgueiras contam-se coisas tenebrosas. Podem ser verdade. O que interessa ao Impensavel, porém, não são esses segredos de estado & polichinelo com muito dinheiro para excitar as imaginações ainda de país genuinamente pobre, mas o facto de que o código de processo penal pacificamente vigente é uma selvática aberração - o que não parece incomodar ninguém.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Continuo a ler reacções indignadas ao despacho da Juíza no caso Fátima Felgueiras. Gente com alguma responsabilidade acha normal que haja pessoas à espera de serem julgadadas privadas da sua liberdade por períodos que podem atingir anos. Essa mesma gente tem obrigação de saber - e, se não souber, de se informar - que tal alarvidade na Europa apenas acontece em Portugal ou em algum dos países de leste que ainda não tenha revisto a legislação em vigor ao tempo das ditaduras comunistas.
Essa gente não se interroga sobre o porquê da desumanidade da lei portuguesa ou parece concordar com ela.
Estão as gentes muito preocupadas com o facto de Fátima Felgueiras estar em liberdade a aguardar julgamento. É o normal em qualquer democracia avançada - naquelas em que os prazos de anos do nosso código de processso penal são, para actos idênticos, de dias ou de horas.
Convirá meditar estas coisas simples.
Sem sono, de olhos bem abertos, agradeço, muito grato, os parabéns amáveis e bem dispostos de Charlotte do Bomba Inteligente e do Anarcoconservador.

quinta-feira, setembro 22, 2005


Lord Frederic Leighton

Persephone conduzida por Hermes é recebida por Demeter, sua Mãe
Há dois anos começou este blog, no tempo do regresso de Perséfone lá dos infernos (sim, é no árido estio que a deusa partilha os seus dias com Hades).
O blog continuará impensado, creio.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Olha, olha, a Fátima Felgueiras voltou... Uhm... podia ter estado presa preventivamente estes dois anos como, com notável selvajaria e resquícios fortes da inquisição, permite a nossa actual lei. Preferiu o Brasil, fez bem. Ah, como todos os arguidos ela é presumivelmente inocente, não esquecer.

terça-feira, setembro 20, 2005

Sinto-me solícito ("bom dia, bom dia, olá como estão?") e enérgico, venho investigar o meu blog, colo um post, depois duche, preparações matinais, mais bom dia, bom dia, volto ao blog e vejo que foi visitado em pouco tempo, nesse pouco tempo, por uma horda de norte-americanos do Kentucky a NY, com passagem pela Califórnia . Sento-me, atordoado e tento saber o que fiz. Ter-me-ei tornado leitura obrigatória em Grand Forks, North Dakota, ou em Bonita Springs, Florida ou ainda em Scottsdale, Arizona ou... Terei, involuntariamente, e de boa fé, claro, publicado, por uma daquelas terríveis coincidências, códigos secretos do exército norte-americano? Tremo com a conjectura... E o leitor de Macau? E esse? Ah, esse, meus caros, esse sei quem é, o mundo é pequeno. Esboço a primeira explicação plausível - e, também, o que diz muito deste mundo, a mais maçadoramente chã: o google e as palavras mágicas: dylan, hippie. Uhm, assim deve ser. Pena.
Pena? Quem me dera poder já lamentar-me descansadamente! E o leitor de Singapura? E esse, sim, e esse, ao que vem???

Encho o meu ipod novo e depois interrogo-me: Brel, Dylan e Baez, o que diz de mim tal escolha? Sou, afinal, um esquerdista clandestino? Um velho hippie? Lembro-me, então, do postal que me enviaram do seu colégio de freiras, na Suiça, umas queridas amigas minhas que lá tinham ido passar férias, nos inícios dos, temo dizê-lo, anos setenta: ostenta um definitivo "Il est interdit d'interdire". Descanço... não sou eu que estou comuna, são os anos 60 que perduram como um reumatismo juvenil e rebelde.
E, arrumado o assunto, volto às questões importantes e interessantes.

segunda-feira, setembro 19, 2005

Li agora o post da noite. Que acesso de idiotia, enfim... todos temos que nos aturar a nós mesmos e, por vezes, é necessária uma quase infinita paciência para essa tarefa desagradável.

P.S. Semana quente, a próxima, perto dos 30º C, ainda acima. Nos últimos anos têm havido estas calorosas despedidas do Verão, o que se pode fazer? Suportar...
Saí, já passava da meia-noite, mas abreveei o passeio pelo jardim em frente: estava frio. Disse para comigo "está frio" e voltei para dentro, como já não fazia há meses, recolhi-me na tepidez de novo saborosa da casa.

sexta-feira, setembro 16, 2005

« Je n'ai pas de tradition, je n'ai pas de parti, je n'ai point de causes si ce n'est celles de la liberté et de la dignité humaines. »
Comte Alexis de Tocqueville
Quando vi a enchente fui ver o que a tinha provocado. Descobri, então, a Bomba de Ouro atribuída a um desabafo de ontem. Agradeço - muito - como sempre: confundido e corado. Sim, corado.
Muito obrigado, Charlotte.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Há quem, com afinco e persistência, se esforce por juntar o inútil ao desagradável.
Que se há-de fazer?

quarta-feira, setembro 14, 2005

Pouco tempo na escola, poucos cursos superiores (e o pouco tempo mal aproveitado e os cursos idem). Nos números dos organismos internacionais a imagem mais nítida de um país que, no essencial, falhou.
É o país do menino Daniel que com seis ou sete anos guarda gado nas serranias para ajudar os pais - e supõe-se que a ele mesmo -, tem uma vida miserável e cansativa e quando veio a notícia disto ao conhecimento da nação foi uma comoção e levaram-no a ver o mar e ninguém se lembrou de punir os pais - que, coitadinhos, gostavam muito dele, queriam o melhor para ele e por isso o punham a guardar vacas sozinho.
Tenebroso - mas condiz, afinal. Afinal condiz.

terça-feira, setembro 13, 2005

28º C! Uhm Insuportável em princípios de Junho, um mau augúrio de insuportáveis calores a vir, agora apenas uma temperatura já fora de época, despedida de Verão, uma surpresa calma, preguiçosa, onde se espera encontrar um perfume de mosto, oiros em fundos de jardins, o lanche que é trazido, a tarde che va e rompe as arestas já frias das horas que chegam no fim.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;
Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.
É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.
Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela

Manuel Maria Barbosa du Bocage

domingo, setembro 11, 2005

Se ao crime se pode ainda nos dias de hoje juntar-se o sacrilégio, o atentado de 11 de Setembro foi-o ao obrigar os nossos sentimentos de indignação e mágoa a conviver com a espectacularidade, a serem através dela, num cenário de excesso e aturdimento, de um cenotáfio do que é essencial.

Quatro anos, já!

sábado, setembro 10, 2005

Ofereci-me ontem, num momento de injustificada e condenável prodigalidade, uma caneta estupenda e tenho estado a experimentá-la. Escrevo frases soltas, faço cópias, e descobri que há muito, muito tempo não escrevo à mão. A escrita está quase ilegível e os meus músculos, os meus tendões, aquilo que mais fundo em nós, mas já longe, ainda reconhecemos invólucro de modos, de disposições, isso parece ter perdido a intimidade com o mim escrevente que, ia dizer “aqui de cima”, olhava a escrita que “lá em baixo” corria, azulada como um céu.
Isso perdi e não sei se reencontrarei.
"Por todo o País há interrogatórios judiciais que se arrastam pela madrugada e os funcionários não recebem nada pelas horas extraordinárias..."

Esta preocupação, de carácter laboral é muito estimável, mas o que me interessa, enquanto cidadão, é que não haja, que acabem de uma vez por todas, interrogatórios que se arrastam pela madrugada.
Já aqui falei nisto, mas não me tinha ocorrido que os senhores funcionários também fossem prejudicados por essa tocante brutalidade, nascida do denodo dos senhores magistrados e do nosso louvável código de processo penal - o tal que os funcionários ingleses (? )muito invejaram como dizia já não sei que "operador" judicial.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Ensinamento de Wilde a reter em tempo de eleições:
"Seriousness is the only refuge of the shallow"

quinta-feira, setembro 08, 2005

A propósito de desenvolvimento, o presidente do tribunal constitucional que ia a 200 km à hora na estrada, foi apanhado, não pagou multa e veio depois com uma desculpa esfarrapada (daquelas que se traduzem numa presunção forte de idiotia para todos os que supostamente a terão de suportar, tomando-a como boa), esse já se demitiu? E se não se demitiu, já alguém lhe segredou ao ouvido que deve fazê-lo? Sim, que mesmo aqui deve fazê-lo? Temo que não.
Portugal desceu mais um lugar na lista dos países desenvolvidos e foi ultrapassado pela Eslovénia. Coincide com as minhas "impressões" e creio que descerá mais.
Ainda não vi comentários "oficiais", (o eng. socrates está para Troia onde foi ver o bota abaixo das torres da torralta) mas é de crer que esteja já alguém a congeminar um decreto - que na religião oficial portuguesa exerce o papel que as preces ocupam nas outras religiões - para que voltemos a conquistar o lugar perdido. O assunto do decreto pode ser qualquer um, desde que se traduza por uma obrigatoriedade modernaça e levemente proto-fascista ou meramente autoritária que é o que está na moda. Obrigação dos fumadores se apresentarem na delegação de saúde da sua área de residência, por exemplo.
Sempre amável, Lady Charlotte quis notar no seu blog a minha volta de férias provocando a conhecida invasão de senhoras e dandies curiosos. Não deixo de estimar e desta vez mais, já que, ligeiramente tomado de superstição, desejo passar depressa os treze milheiros de visitantes.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Outra vez: locutores de telefonia falavam da Soberana inglesa, da Rainha que teve entre os seus primeiro-ministros Churchill ou Margaret Thatcher como se se tratasse da governante de um país abandalhado, caricato, atrasado e pobretanas. É esta gente, já o observei aqui, que, depois, perde horas a falar, com um ar muito sério, de soares, cavacos e sampaios, os grandes presidentes de santanas, guterres, sócrates e barrosos. Está tudo doido.

terça-feira, setembro 06, 2005

A luz de Setembro, depois da estridência da do pino do Verão - um fulgor a pique que fere os olhos - regressa, amena, suave, o Um murmúrio de luz de Pascoaes.

domingo, setembro 04, 2005

Hoje, o Sol pôs-se antes das oito. Tinha-se levantado já depois das sete. Voltam os dias sensatos.

sábado, setembro 03, 2005

Estava em frente aos meus olhos, no "Ambiente de trabalho", mas não reparava nele. Era um ficheiro de notebook e o seu título "onde vou" chamou-me a atenção, há pouco. Para onde ia eu? Abri o ficheiro e o que lá constava era isto:
"Red Lion
lucid thought
Responsibility is the life-blood of efficiency
School Board was the only alternative
under a United District School Board
who have been rushed into the big
Band was the outcome of"
Fiquei, por minutos, sem saber do que se tratava.... O começo sugeria-me um tenteio literário "Red lion/lucid thought. Uma ode a Churchill? A minha admiração pelo estadista tem limites e limitações que terminam muito antes da poesia. A 3ª linha pareceu-me certa, mas para que a teria eu escrito em inglês, se fora eu a escrever aquilo? Uhm, aquilo não era meu: não sou burro o suficiente para escrever algo que me poderia ser devolvido com graçolas fáceis e certeiras. A questão da escola atormentou-me ainda mais! E, de súbito lembrei-me: "onde vou" é, afinal, onde ia na leitura do "Grain and Chaff from an English Manor" de Arthur H. Savory que fui lendo, no computador, a Primavera passada. Com as frases no ficheiro depois bastava-me recorrer ao localizar para encontrar o sítio onde interrompera a leitura. Era apenas isso.
Pensei que a nossa papelada, que às nossas gavetas físicas onde é de tradição, um dia mais tarde, alguém, arrumando-as, meditar sobre os recônditos da alma de cada um, se vieram acrescentar hoje estas digitais. - «"Red lion, lucid thought?" O que quereria ele com isto? Enfim, este também é para apagar».

(Este último itálico é mesmo assim.)

sexta-feira, setembro 02, 2005

Exercício de desonestidade intelectual delirante e de péssimo gosto, ao modo dos usados pela esquerda: "A incapacidade e ineficiência - se as houve - da cidade de Nova Orleáns e a culture française. Relação necessária?"

quinta-feira, setembro 01, 2005

Li a notícia da candidatura de Kenneth Clarke à liderança do Partido Conservador em Inglaterra e não pude deixar de meditar sobre o facto simples de poder vir a influenciar mais a minha vida - e a nossa - a eleição de Clarke do que aquela outra de Mário Soares, agora tentada.
Ainda a desfazer malas e em arrumações mentais.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Voltei ontem. Péssimo humor. Deveria ter respeitado a decisão, tomada o ano passado, de não voltar a passar quase um mês num sítio de que gosto mas que me maça e seca ao terceiro dia em quantidades e qualidades que não imaginava possíveis.
Aprender e remoer esta lição, eis a minha única boa intenção da "rentrée", a minha única ocupação do Setembro que aí vem. De todo ele.

domingo, agosto 07, 2005


Regates, Monet.

Logo esperam-me as actividades das vésperas das idas: fazer malas, ter tudo pronto, a vontade de ir acondicionada em papel de seda e metida numa velha gentlemen's hat box, para usar amanhã, segunda-feira.

sábado, agosto 06, 2005

Notícias da uma. Emigração para o Reino Unido e Irlanda. Custa-me a crer: nenhum dos dois países tem códigos de trabalho que se comparem com o nosso na defesa dos direitos dos trabalhadores. Será que os emigrantes estão informados? E em Inglaterra, então, vítima das medidas de Thatcher (e que Blair não revogou)?! Alguém os avise!

sexta-feira, agosto 05, 2005

Se me ocorresse mandar certificar-me como produto fumado - o que, todavia, não farei - mereceria sê-lo quanto o merece legitimamente o salmão ou o arenque. Fumado e indignado, numa indignação sem nome, engolfado numa névoa escura e malcheirosa que foi, até há poucas horas, verde seiva e sombra fresca, espero por melhores dias.

Este governo prossegue, afincadamente, a incapacidade e incompetência dos outros no que respeita aos incêndios e bem fez o primeiro-ministro em sair para o Quénia, para gozar férias.

P.S. Acabo de ler que "António Costa classificou de «extrema gravidade» a actual situação dos fogos em Portugal Continental". Registo a afirmação e a atitude dos aindas primeiro-ministro e presidente da república.
De um passeio à beira mar: refém, poderoso Neptuno? Se refém, sofre de um caso severo de síndrome de Estocolmo, já que me parece inseparável e cúmplice dos seus supostos raptores.
De resto, partilho da opinião.

quinta-feira, agosto 04, 2005

35º C
Processo de cafrealização quase terminado, estou perto da pensée sauvage
(daqui a pouco devem começar a tornar-se inteligíveis alguns aspectos mais curiosos da vida nacional).

segunda-feira, agosto 01, 2005

Efeméride: as viagens para a praia, anos a fio, neste dia. Quando de combóio, mudança em Alfarelos.
A citação de Emerson no Impensavel faíscou aqui e relembrou-nos aquela magnífica passagem de Bloom.
Eu lembrei-me do Emerson - que por estes lados portugueses se lê pouco -através de uma das cartas de Proust, que era um admirador dele.
Os portugueses estão pessimistas quanto à sua situação económica e outro inquérito revela que julgam justificado esse pessimismo.Creio, de facto, que o keynesianismo da trolha já não enstusiasma ninguém e que as "grandes obras" não apenas não suscitam a adesão ingénua de outros tempos quanto é cada vez maior o número daqueles que, por razões várias, as questionam. Entretanto, neste país deprimido, pessimista e abatido, cheio de desempregados sem esperança, o Primeiro-Ministro resolveu ir passear três semanas para o Quénia.
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.

Alberto Caeiro

domingo, julho 31, 2005

Creio que já tinha falado de Churchill e da sua opção de resistir e lutar.
Hoje interrogar-nos-iamos ainda sobre os perigos dessa luta: podia-se lutar contra o nazismo mantendo-se a democracia? A opção pela guerra representava quantas mortes em ataques alemães que uma negociação evitaria? E etc, etc.

O interessante - embora dado habitual - é que os mais preocupados com a democracia e a sua preservação foram, geralmente, partidários activos das ditaduras do leste europeu , defenderam tais regimes e consideravam-nos, até, "avanços" em direcção ao futuro.
E pensam que a gente não tem memória.
O après-dîner acabou, saíram agora, e passei por "aqui" a caminho da cama.
Da leitura de interrogações - e doutas, algumas - sobre o comportamento da polícia londrina fica-me cada vez mais a sensação de que a certeza (agora pacifica - e rectrospectiva) de Churchill sobre a atitude a tomar por alturas da 2ª Guerra Mundial seria hoje uma incerta, rude, primária e atoleimada certeza de gente inculta, conflituosa e bulhenta. Tudo, mas tudo, menos a óbvia única coisa a fazer que hoje nos parece ter sido.
(Não era, no entanto, a "única" coisa a fazer, podiam ter capitulado, ou negociado com os nazis e os seus então aliados comunistas.)

sexta-feira, julho 29, 2005

Quase a bonança: partiram os barulhos, tudo está quase pronto e no silêncio das coisas já feitas.
Mas, "para depois das férias" ficaram algumas pequenas coisas para fazer que, estou quase certo, se transformarão, a seu tempo, em pequeninos entraves desagradáveis.

quinta-feira, julho 28, 2005

Martelos pneumáticos por todo o lado. Serve de consolo o estar fresco e a esperança de que o pior já tenha passado (frase audaz, já que ainda há pouco furaram inadvertidamente um tubo e uma pequena cascata cor de ferrugem escorreu pela parede acabada de pintar).

segunda-feira, julho 25, 2005

Seca extrema e incêndios.
Hoje, o céu está nublado, talvez chova um pouco. Num telejornal, entrevista com a proprietária de um café de praia, sobre os prejuízos cuasados pelo "mau" tempo. Noutro lado, era com optimismo que se prometiam melhorias, isto é, o regresso da seca e da canícula.
Que fazer desta gente apalermada que redige notícias? Que consistência de mau sorvete a daqueles cérebros!
Com gentalha assim não admira que o Dr. Soares seja a novidade da season.
O comissário espanhol Almunia fala da possibilidade de um processo de pobreza acelerada em Portugal. Depois da apreensão inicial, quase se simpatiza com a ideia, tanto mais que a pobreza purificada no crisol da perda faz ainda parte das nossas alquimias salvíficas que, ao contrário do resto do mundo, se não apoiam em felicidades e fins felizes por medo de tudo isso ser uma estafante coisa. A paralisia da miséria ancilosou-nos, moldou-nos o esqueleto à miséria e, por isso, tudo o resto nos dói.

domingo, julho 24, 2005

Domingo nublado. Choverá? Há dois meses que não cai uma gota de água.
Neura finis patrie a propósito do 24 de Julho e dias seguintes

sábado, julho 23, 2005

Ainda à volta da nova lei do arrendamento.
Cada vez mais será uma lei "fútil", já que grande parte dos actuais inquilinos são pessoas de idade. A gente mais nova foi empurrada para a compra de casa, com recurso a crédito. Políticas de habitação pouco terão a ver com a lei do arrendamento: a política de habitação está nas mãos dos bancos, do mercado e da crua lei das obrigações: quando as prestações deixarem de ser cumpridas, executa-se a hipoteca e... rua.
As famílias portuguesas estão sobreendividadas e os juros estão em mínimos históricos. Ou seja, se agora já há muitas situações de incumprimento dos empréstimos mais haverá quando os juros subirem, como não deixará de acontecer.
Nessa altura, talvez estejam reunidas as condições para que o governo se resolva a defrontar-se com a realidade e pense, então, numa lei do arrendamento a sério.
Ah!, parece que vão tentar obrigar arrendamento compulsivo, ou criar dificuldades a quem não queria gerir os seus bens de acordo com a vontade governamental. É muito desta gente.

Vou voltar para o meu sábado.

sexta-feira, julho 22, 2005

O governo sobrante resolveu dar largas ao kitsch das boas intenções na nova lei do arrendamento preparando-se para prover a todas as precisões dos inquilinos (mesmo as daqueles que têm confortáveis rendimentos e pagam algumas rendas-esmolas de poucas dezenas de euros por apartamentos imensos no centro de Lisboa). Ouvia isto enquanto à minha frente deparava com a notícia de que os leilões dos apartamentos executados pelos bancos aos proprietários por falta de pagamento eram uma boa oportunidade de comprar casa não muito cara. Os antigos donos, se ninguém os acolher, ficam na rua e a lei não os contempla com qualquer boa intenção legislativo-subsidiária. São apenas pobres e sem casa e estarão contemplados na rubrica "desemprego", realidade com que a gente que passa as tardes departamentais a brincar às legislações não sabe lidar.

O governo restante também está muito preocupado com a fuga de capitais. Diga-se, o que a notícia omitia, fuga ilícita de capitais ao fisco. Mas todos nós, nunca é demais dizê-lo, podemos fazer circular os nossos capitais, gordos ou magros sejam eles, através da compra de fundos internacionais, em bancos portugueses ou estrangeiros. Em todo o caso, longe das mãos desta gente (parece-me boa ideia).

quinta-feira, julho 21, 2005

quarta-feira, julho 20, 2005

Não fizeram nada, salvo algum helicóptero que tenham comprado ou outra bugiganga qualquer, não fizeram nada, sequer as medidas fáceis, populistas e populares de pôr o exército a patrulhar matas e pinhais. Nada! Depois é isto, esta tristeza desoladora e árida, esta ardente certidão de incompetência.

E eu, que podia estar nalgum lugar civilizado e fresco estou aqui, sei lá se "a ver". Como "eles" não faço nada. Mas o meu desejo absurdo de sofrer não afecta mais ninguém. É um fraco consolo, bem sei.

terça-feira, julho 19, 2005

O ser este blog oficialmente errático nestes tempos de calor e férias, não quer dizer que seja escasso.
No silêncio da tarde quente* lia as "Novelas do Minho" de Camilo e achei que devia deixar anotado no blog esta leitura, que me quero lembrar dela depois.

* os calores dos Junhos e Julhos dos meus tempos de criança eram silenciosos, calmos, no sossego das janelas semircerradas detinham-se as coisas todas naquelas horas.
Em férias, sem compromissos, os do blog incluídos.

sábado, julho 16, 2005

Brahma

If the red slayer think he slays,
Or if the slain think he is slain,
They know not well the subtle ways
I keep, and pass, and turn again.

Far or forgot to me is near;
Shadow and sunlight are the same;
The vanished gods to me appear;
And one to me are shame and fame.

They reckon ill who leave me out;
When me they fly, I am the wings;
I am the doubter and the doubt,
And I the hymn the Brahmin sings.

The strong gods pine for my abode,
And pine in vain the sacred Seven;
But thou, meek lover of the good!
Fine me and turn thy back on heaven.

Ralph Waldo Emerson

quarta-feira, julho 13, 2005

Muito opinativo, este blog. Calor e opiniões são coisas que juntas vão mal. Vou refrescar.
O Instituto da Inteligência diz, segundo o que ouvi num telejornal, que o jeito para a matematica depende de factores cognitivos e de personalidade que são geneticamente determinados. Será. Conviria que se soubesse se os resultados do antigo 5º ano do liceu eram semelhantes aos do actual 9º ano. É que, ou eram e caso resolvido, os portugueses são burros, ou não eram e, nesse caso querem fazer de nós estúpidos.
Em afirmações deste jaez o que me parece existir é uma ligeireza terceiro-mundista e um abuso da nossa paciência muito condenáveis.

P.S. Ponho de lado a hipótese de uma mutação genética.

terça-feira, julho 12, 2005

70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática
70% das criancinhas chumbam a matemática

segunda-feira, julho 11, 2005

Desde as oito da manhã que vivo entre betume, massa, ladrilhos. Nas dúvidas, chamam-me para ir decidir. As decisões têm custos mas, como me lembrou o empreiteiro, "não há gosto sem desgosto" e o que é preciso é o "sr. dr. olhar e gostar" que depois se farão "os ajustes" - de preço, claro está. Atordoado pelo barulho, calor e obras, convenho, tristonho. Tal qual o país.

domingo, julho 10, 2005

Eis um sítio que há anos congemino visitar, por me parecer muito agradável para umas férias. Por pura inércia e preguiça tenho adiado essa visita e uma possivel alteração dos meus hábitos de férias (outra vez aquela praia délabré pela falta de gosto e ganância onde me aborreço até à vertigem barbitúrica).
Caloraça impossível, lá fora. O ar condicionado torna o dia suportável, mas espero que a temperatura baixe, que este ano seja normal, que acabe esta enfiada de verões excepcionalmente quentes.

Os britânicos comemoram o 60º aniversário do fim da II Guerra Mundial. Parece-me que, aqueles, ao menos aqueles, continuam vigilantes e com pouca vontade de soçobrar perante as dificuldades ou os esquecimentos ingénuos e catastróficos de que falava ontem Vasco Pulido Valente.

sexta-feira, julho 08, 2005

Hoje, uma "calma resoluta" - Spectator - reinava em Londres.
O contraste com o tom ofegante e histérico e quase desapontado da repórter portuguesa era confrangedor. O lugar daqueles "jornalistas" não é em Londres, é entre a gritaria da populaça, as correrias ao acaso e os palavrões das "forças da ordem" que se ouvem em qualquer reportagem de desgraças nacionais, nos incêncios que ninguém consegue parar ou em crimes diversos.
É isto tipo de coisas que me maça: a Al-Qaeda consegue vexar-me em minha casa.

quinta-feira, julho 07, 2005

Os atentados de hoje em Londres não fazem caducar a pergunta feita no Spectator e que aqui se trancreveu ontem. A preocupação que a motiva, a da liberdade, faz parte dos grandes valores da Europa que se tornaram universais e as acções cobardes desta manhã em nada modificarão tal.
Espero que os responsáveis sejam julgados e o facto de que terão um julgamento justo, com latos meio de defesa, é a resposta serena e esmagadora que a Grã-Bretanha e a democracia darão a todos fanáticos.

quarta-feira, julho 06, 2005

As perguntas que em Portugal não se põem, nunca se puseram e que desespero algum dia se venham a pôr e se pense sobre elas:

"And then, as the mother of all considerations, there is this: why should someone in this free country, and who is not apparently committing a crime, be forced to prove his or her identity? Too many forget that ID cards would alter the whole balance of the largely unwritten (and largely unwriteable) contract between the individual and the state."
Peter Oborne, The Spectator

Creio que em Portugal se pode ser presidente da republica ou juiz do supremo ou deputado ou... sem ter sido jamais atormentado por esta e outras perguntinhas pequenas.
Entre Londres e Paris não havia hesitação possível, hurrah por Londres, a cosmopolita, a tolerante Londres, a sensata Londres, a heróica Londres, a elegante e alegre Londres.

Em Paris a decepção foi grande. - Animem-se rapazes! Ó, pst, era mais uma rodada de lacan com gelo para aqueles senhores, pago eu, em nome dos velhos tempos.
Que sono a esta hora, quase humilhante para um noctívago!
De qualquer modo é apenas para explicar que me lembrei de Ruskin por ser ele um dos destinatários de Proust, que foi tradutor dele em francês. Nunca consegui obter essa tradução e, por isso, as minhas leituras de Ruskin são lacunares. E faz-me muita falta ler Ruskin a sério, por causa de umas "coisas" do Eça.
Será que tomo um cafezinho fraco?

terça-feira, julho 05, 2005



John Ruskin, A Courtyard at Abbeyville

Diz Ruskin desta sua fotografia : "in 1858 (by my own setting of the camera), in the courtyard of one of the prettiest yet remaining fragments of fifteenth-century domestic buildings in Abbeyville. The natural vine leaves consent in grace and glow with the life of the old wood carving; and thought the modern white procelain image ill replaces the revoluition-deposed Madonna, and only pedestals of saints, and canopies, are left on the propping beams of the gateway - and though the casque, and cooper's tools, and gardener's spade and ladder are little in accord in what was once stately in the gate and graceful in the winding stair - the declining shadows of the past mingle with the hardship of the present day in no unkindly sadness; and the little angle of courtyard, if tenderly painted in the depression of its fate, has enough still to occupy as much of our best thought as maybe modestly claimed for his picture by any master not of the highest order."
A gente não pode estar a par de tudo, juvenil afã, mas convenho em que me senti vexado por só agora ter sabido da publicação de uma recolha de "Lettres" de Proust, pela Plon.

segunda-feira, julho 04, 2005

Tempo magnífico (23ºC, vento noroeste). O FTSE sobe, o euro desce, boas notícias. Ao invés, as economias da França e da Alemanha não "descolam", o desemprego continua, o que, como dizia alguém, não se deverá a qualquer desregulamentação...

Tenho muitas saudades do mar, não da praia ou de "ir de férias" mas do mar em si, da água glauca. Água glauca, assim mesmo.

Ontem estive a ver fotografias. Actividade muito de evitar nesta crise de meia idade. Que seres eram aqueles que me antecederam? Como me tornei seu sucessor se não consigo engendrar qualquer plausível solução de continuidade -ou sequer de contiguidade?

sábado, julho 02, 2005

Noutros tempos por esta altura já a casa estava fechada, os movéis cobertos de panos brancos tudo pronto para suportar as grandes calmas do Verão e eu na praia entregue à construção de castelos de areia, consumo de sorvetes na Cassata, ali na esplanada, idas ao jardim e corridas de triciclo nas matinées infantis.O regresso aqui era só para fins de Setembro poucos dias antes da escola começar e quando já se ansiava por aulas (sic).

sexta-feira, julho 01, 2005

Creio que não me estou a esquecer de nenhuma regra de boa educação (nem das numerosas excepções aos princípios gerais) e que o dono da casa que venha à porta receber uma visita lhe deve dar a precedência na entrada.
É o que não faz Blair com Barroso: Blair vem à porta recebê-lo, cumprimenta-o para as câmaras dos fotógrafos e volta a entrar, deixando na rua um triste e embaraçado Barroso.
Eu não simpatizo por aí além com Blair (embora seja o menos mau que há por essa Europa), mas rio com gosto da cara de Barroso (a situação não é inédita).
Claro está que Barroso, tratado abaixo de cão, deveria simplesmente manter-se na rua e não entrar sem que o seu anfitrião caísse em si, voltasse a sair, e lhe desse a precedência devida na entrada do 10, Downing Street. Eu sei que isto é um "minus" mas é revelador sobre ambos.

quinta-feira, junho 30, 2005

Estava-me a lembrar, a propósito do deficit, que já houve quem, no passado, se tivesse preocupado com o assunto. Em Agosto de 1867 criou-se uma comissão para "melhorar as condições economicas do paiz e extinguir ou atenuar o deficit do orçamento do Estado". Deve estar lá tudo, nas actas, é só ir ler.

quarta-feira, junho 29, 2005

A lei do BI passou no Parlamento na Grã-Bretanha, por escassa margem (votos contra dos conservadores e, honra lhes seja feita, de muitos tabalhistas). Mas, infelizmente, passou.

Enquanto em nome de preocupações securitárias aprovava o BI, Albion iniciava as comemorações dos 200 anos da vitória na Batalha de Trafalgar (21 de Outubro de 1805) que, entre outras, teve como consequência impedir a França de se tornar numa grande potência mundial.
O maior navio que participa nas comemorações é, todavia, francês: a grandiloquência da impotência.
Intraduzível é a discussão que se trava na Grã-Bretanha sobre o bilhete de identidade - documento que por lá não existe (ocorre pensar como viverão...) e o governo de Blair quer introduzir. Dizem os que se opõem à proposta que o BI constitui uma intolerável intromissão do governo, do estado, na privacidade de cada um. Como se traduz isto para português, para Portugal?

terça-feira, junho 28, 2005

Sand Dunes

Sea waves are green and wet,
But up from where they die,
Rise others vaster yet,And those are brown and dry.
They are the sea made land
To come at the fisher town,
And bury in solid sand
The men she could not drown.
She may know cove and cape,
But she does not know mankind
If by any change of shape,
She hopes to cut off mind.
Men left her a ship to sink:
They can leave her a hut as well;
And be but more free to think
For the one more cast-off shell.

Robert Frost

segunda-feira, junho 27, 2005

"Nunca se é demasiado velho para se ser insultado"

Agatha Christie
(de quem continuo a ler a autobiografia).

sexta-feira, junho 24, 2005

Por conselho daqui fui parar aqui que, creio, não conhecia (parabéns, a propósito). E lá, encontrei excertos de Beckford o que me fez lembrar do meu exemplar, desaparecido há eras. Por isso, o apelo fica aqui: a quem souber onde está o meu exemplar do "Diário" do Beckford: agradeço que comova o possuidor no sentido de mo devolver (que frase!).

quinta-feira, junho 23, 2005

Começa a soprar um vento franco, de noroeste. Abro as janelas.
O Anarconservador estranha que o Bach não refresque: não, caro JAC, não refresca nem é levinho, ou "cool". Nem de almas plácidas é refrigério, antes desassossega e inquieta intentos de beatitudes: a nostalgia da morte dizia Cioran ouvir em Bach.
Para calor desusado e legítimo alívio dele tente por aqui, embora o caminho não seja isento de escolhos.

quarta-feira, junho 22, 2005

Sentado à sombra e pela fresca assisto ao escandaloso e piegas paternalismo do Dr. Sampaio que adverte os ingénuos sobre os "embustes" dos empréstimos bancários. O arrepio de frio provocado por aquelas prelecções uso-o para poupar no ar condicionado.
É um dia por conta do 3º mundo.
Com este calor (mais de 25ºC a esta hora da noite, não bole uma folha, o que é isto?), com este calor, fico em casa.

terça-feira, junho 21, 2005

Primeiro dia de Verão, férias grandes mentais.
Entre leituras para adormecer perguntava-me esta madrugada sobre o destino que teriam levado as pessoas agradáveis, meramente agradáveis, sem outros atributos, e que são muito raras nos dias de hoje.

segunda-feira, junho 20, 2005

A verdade é esta: não está um calor sufocante e terrível, mas já está suficientemente quente para continuar aqui a ouvir falar de coisas secantes, rodeado de rotina gasta e baça.
O melhor é estar já em férias, erigir em gesso uma presença discreta, meio-sorriso solícito para não ofender ninguém, nenhuns dos que gostam ou precisam destes tempos, mas não estar já aqui a sério.


Manet, Sainte Adresse

domingo, junho 19, 2005

Requerimento
Exmo. Senhor Embaixador do Paquistão em Portugal
Impensado, cidadão da república portuguesa, tendo necessidade de, na próxima terça-feira, dia 21 de Junho, passar, pelas 16 horas, nas imediações do Martim Moniz, solicita a V. Exia. o informe se corre risco e, em caso afirmativo, lhe forneça o respectivo salvo-conduto.
Li há pouco, no Expresso, que funcionários de Belém terão contactado o Embaixador de Cabo Verde em Portugal para saberem se o Dr. Sampaio correria risco na sua visita à Cova da Moura.
Ou a notícia é desmentida, ou não. Não o sendo, deve haver demissões de funcionários do Palácio de Belém, ou, tendo o presidente em funções tido conhecimento de tais diligências e nelas consentido, deve o Dr. Sampaio pedir a sua demissão e desculpas formais ao país.
A mim, a coisa parece-me simples e linear.

sexta-feira, junho 17, 2005

18% de humidade, 37,8º C, sinto-me mergulhado numa má receita de bacalhau.
Daqui a algumas - poucas - horas entram casa dentro os pedreiros para abrirem os roços da instalação eléctrica necessária para suportar todas as loucuras a que aquiesci num momento de delírio, visão beatífica e esbanjamento. Pior de que tudo, tendo sido o acesso de prodigalidade temperado depois por grande cópia de pequenos arrependimentos, ficarei com os inconvenientes das meias medidas e, para sempre, afastado pela pequenez sensata de carácter, do luxo sóbrio, espesso e suave de que, por um momento, me julguei merecedor. Restarão bugigangas e escombros a atravancar-me todos os dias as manhãs.

quinta-feira, junho 16, 2005

O vento, ao cair da tarde, começa a soprar de Noroeste e arrefece o suficiente para não se ter medos de noites mal dormidas.
Continuo a ler, depois das seis, o "Grain and Chaff from an English Manor". Conseguirei obter o livro em papel? Detesto ler "on line".

quarta-feira, junho 15, 2005

E já agora (está mais quente, hoje, e mais seco), já agora um exemplo da célebre perfídia britânica: "What we can say objectively, however, is that the eurozone is now trailing far behind Britain and the US in terms of growth, and has roughly double our level of unemployment. If the best that can be claimed is that without the single currency the Continent would have been even deeper in the mire, that is not much of a commendation."
O Reino Unido não quer aumentar a sua contribuição para o orçamento europeu dando como razão que grande parte da despesa da UE advém dos subsídios concedidos à agricultura francesa. É verdade. Pensei no porquê disso e a resposta leva-nos à última revolução relevante dos últimos 10 000 anos, a revolução indústrial, que se deu em Inglaterra e daí foi exportada com maior ou menor êxito para o continente europeu. Em 1970, apenas 2,7% (+-) da população do Reino Unido se ocupava na agricultura enquanto em 1969, Pompidou falava da necessidade de modernizar e industrializar uma França que era, em muitas regiões e áreas, ainda rural. A diferença ter-se-à atenuado, mas mantêm-se. Creio que muito do que é a "filosofia francesa", as "denúncias" da sociedade moderna, enquanto geradora de "perversidades" de "simulacros de realidade" tem ainda alguma coisa do medo, da desconfiança camponesa por um mundo novo.

terça-feira, junho 14, 2005

Confirma-se: calor tremendo, saharico. Estarei de controlo remoto do AC em riste.

Nota: ah, a bondade disto, do poder estar aqui a escrever inanidades, a Liberdade das coisas pequenas sem o esvoaçar de desígnios.
O céu esteve escuro, pensei que chovia, mas foi breu de pouca dura. Ficou o cinza e o fresco, mas a seco. Tenho saudades de chuva e por ter encontrado um responso a Santa Bárbara coligido por Jaime Cortesão, lembrei-me das trovoadas que por esta altura atroavam montes e charnecas. Mais saudades.
Fica o responso.

"Santa Bárbara se alevantou,
Se vestiu e se calçou,
Suas santas mãos lavou,
E o caminho do Céu andou.
Lá no meio do caminho
A Jesus Cristo encontrou:
— Para onde vais, Bárbara?
— Eu não vou nem quero ir,
Mas ao Céu quero subir.
Vou arramar aquela trovoada
Que lá anda armada.
Arrama-a bem arramada
Lá pra serra do Marão,
No alto serro maninho,
Onde não há vinho nem pão,
Nem bafo de menino,
Nem berrar de cordeirinho:
Só há uma serpente
Com vinte e cinco filhas,
Que lhes dá água de trovão
E leite de maldição. Amém!"

sábado, junho 11, 2005

Não devem os republicanos e gauchistes limitarem-se a lutar pela completa laicização da nossa república apenas em relação a actos exteriores de culto das igrejas reconhecidas. Há escaninhos, comissuras, fendas do comportamento humano e dos actos dos poderes públicos onde o fenómeno religioso se acoita ou pode acoitar. A boa fé, por exemplo, a bona fides dos romanos, que por aí anda nos códigos civis, tem origem religiosa. Há que lutar pela sua completa erradicação do direito vigente (e da prática do estado): como muito bem dizia esse grande estadista, António Guterres, numa frase que é já património da cultural mundial "a moral repúblicana é a lei" e esta não pode ser permeável ao mundo obscuro e primevo das religiões. Vamos lá a lutar por esse nobre objectivo (a não ser... a não ser que isso já esteja feito, que a luta seja já inútil).
Parece que o Dr. Sampaio também acumula o salário de presidente da república com a pensãozinha da Ordem dos Advogados. Eu, que defendo que deveria estar sempre salvaguardada, por uma questão de decência e prestígio do país, a situação financeira dos antigos presidentes e primeiros-ministros -não fossemos encontrar um deles a vender a Cais - acho que não ficaria nada mal aos presidentes da república prescidirem de outros proventos de origem profissional enquanto exercessem aquele cargo. Mas tenho de compreender que somos pobres - e cada vez mais - e o dinheirito dá jeito, a vida está cara, e nunca se sabe o futuro, que essa é que é essa, e cautelas e caldos de galinha...
Vi há pouco uma reportagem do Trooping the Colour a cerimónia com que se comemora o aniversário dos soberanos britânicos e relembrei os dois ou três minutos que vi do 10 de Junho mas que chegaram para me aperceber do ar pífio daquilo tudo, desde o local das "cerimonias" à organização e às gentes. Corei de vergonha da comparação com a cerimónia britânica, confesso. Já Eça falava do ar lúgubre das festas republicanas francesas. Não conheceu ele as da república portuguesa*....

* Seria interessante ver qual seria a opinião de Eça sobre a república portuguesa... Mas Eça morreu 10 anos antes da proclamação daquela e a única relação entre Eça e a república é "oblíqua": sobre pretexto dos filhos de Eça não serem afectos ao regime, foi retirada a pensão concedida pelo Parlamento do tempo da monarquia à viúva do Escritor, Dona Emília de Castro. Uma medida republicana e muito a condizer com a natureza do regime de 1910.
Lido na homepage do sapo: "Meios não são suficientes para resolver tumultos em Carcavelos" Título enganador! Qual tumultos, qual quê: não se trata de agitação política ou de protesto! São roubos e agressões físicas perpetrados por hordas organizadas de rapazio delinquente sobre os frequentadores da praia, às portas de Lisboa. A técnica foi importada do Rio de Janeiro onde é praticada amiúde e tem nome próprio: arrastão. Enquanto isto, o Senhor Presidente da Republica laica distribuía comendas de antigas ordens religiosas feudais aos cidadãos de sucesso.
Nestes podia incluir os tumultuantes, que começam, desde tenra idade, a revelar forte sentido organizativo, capacidade de acção e a firme determinação tão raros entre nós.
Está mais fresca, hoje, a noite. Agradável.

sexta-feira, junho 10, 2005

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Nua hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar ua hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís de Camões, no seu dia.

quinta-feira, junho 09, 2005

Prossegue a invasão, barulheira, poeirada, e a vozearia, uma vozearia sussurada que respeitos atávicos inspiram.
Terei o limiar de tolerância muito baixo, já que dou graças veementes e sinceras por amanhã ser feriado e, podendo os trabalho serem interrompidos sem dano, do que já me assegurei, informei o empreiteiro que agora, só na quarta-feira que vem. Até lá, conto restabelecer-me.
Ficarei por aqui a apreciar o silêncio, se Deus quiser.

quarta-feira, junho 08, 2005

Um pouco piegas, convenho, o post de há bocado. Cabe a todos, a pieguice, tal como o fundo do poço.
Detesto calor. Madrugada e manhã agitadas, com uma petite innondation. A casa foi tomada por uma horda de canalizadores e pedreiros. Refugiei-me numa sala e de lá faço pequenas saídas para soletrar algumas palavras de incentivo que, penso, se devem dizer nestas ocasiões: "então, está díficil?", e uns tímidos e meditativos "muito bem, muito bem". A minha empregada? Não sabem ainda se será possível evitar dois dias sem água - fria, da quente já fui desapossado. Valha o calor para alguma coisa. No ar, pela janela - voltada a Norte - que tenho semiaberta chega o aroma de pimentos assados. Será para acompanhar sardinhas? Lembro-me que a minha cozinha está quase desfeita, vou almoçar fora? A minha empregada? Detesto calor. Sexta-feira tenho empregada? Não sei se ela vem, há feriados que ela despreza, outros, quase desconhecidos, que preza, nunca sei. Insulta jocosamente os pedreiros e canalizadores, mero jogo, "ai o que vocês fizeram, que sujam tudo, então isto era preciso?" Ou não ouve a resposta ou se empenha em escutar uma explicação técnica. Acaba é por não se interessar suficientemente pelo meu bem-estar, não vem aqui dizer-me se posso almoçar em casa, não queria sair, detesto calor, sei que pretextará que não me ouviu chamar. Há gente que vive dentro de obras, anos a fio, amigos meus, creio que são dependentes da poeira e do movimento. Que tudo isto acaba por distrair, este movimento de gente e coisas.

terça-feira, junho 07, 2005

Para jantar esta noite
De manhã cedo já eu estava à espera. Há muito tempo que o não via, tinha-lhe falado ao telefone, anos atrás, mas tinha sido impossível um encontro. Passeava no jardim em frente, para atenuar o desgaste da espera quando percebi que era ele que estava a meu lado. Abatido, mas já convalescente da fractura, mantinha o ar pensativo e optimista de sempre. Cumprimentou-me afavelmente, mas percebi que se guardava para o estudo da situação. Conduzi-o, e ao assistente que o acompanhava, para dentro da casa. Lembrava-se ainda de tudo e, sem esforço nem auxílio, chegou lá. Perguntou-me o que tinha eu escolhido, lamentou o sistema, que considerou de mau, por pouco flexível, deu algumas imperceptíveis instruções ao assistente, que as anotou, e dirigiu-se ao outro lado da casa, onde a cena se repetiu "Isto amanhã não pode estar aqui" disse-me, no final, em ar de despedida. Foi assim que fiquei a saber que aceitara. Pensei, levado pelo entusiasmo, solicitar-lhe o número do telemóvel, mas não tive coragem. O assistente voltou mais tarde, está a preparar as coisas e amanhã estará ele aqui, às oito em ponto. Pelo que pude compreender, são três dias. Três dias que porão fim a anos de preocupações e desgostos.Oiço, agora, o martelar, ali ao lado, e regozijo-me enquanto o meu cérebro zune.
Amanhã começará a mudar-se a canalização cá de casa.
Vai fechar a Byblos... não sei se foi a primeira livraria portuguesa na internet mas foi nela que comprei os meus primeiros livros em português on line.
Foi a crise, dizem os responsavéis num mail simpatico e triste em que anunciam o fim da livraria.
Tenho pena e saudades - já, mesmo que ainda faça uma última encomenda.

segunda-feira, junho 06, 2005

E ia-me esquecendo...
Faz hoje anos que se deu a ofensiva orquestrada pelo complexo militar-industrial capitalista anglo-saxónico contra o status quo franco-alemão.
D- day. Milhares de soldados norte-americanos, britânicos e dos domínios do Imperio Britânico, do Canadá à Nova Zelândia deram as suas vidas, há 61 anos nas praias da Normandia.
A ler "Now for the British revolution" de Anthony Browne na Spectator (conteúdo de acesso grátis).
Aviso: pode ser considerado insuportavelmente inglês (mas prefiro o insuportável inglês ao insuportavelmente francês).
Dei por encerrado, por medo de ser apodado de miserabilista. A questão do miserabilismo português é que, ao lado do que tão justamente criticado enquanto atitude da classe média, há miséria real, gente a viver miseravelmente com meia dúzia de tostões. E ao lado dessa, muita mais a viver muito mal nesta "terra museu em que se vive ainda,/ com porcos pela rua, em casas celtiberas" (Sena). Tudo isso complica muito o achar sensato e "normal" que por meia dúzia de anos se tenha pensões vitalícias que um alemão não desdenharia, acumuláveis com outras benesses desta gigantesca "Casa da India" em que se tornou parte do país e onde, à porta, espera ainda muita gente - se bem que já sem o garrido e o pitoresco de outrora no vestir e no gritar por qualquer coisinha - as migalhas europeias do bolo que lá dentro alguns repartem. São mais do que soíam, os que lá estão dentro, é verdade, mas ainda são poucos.
Em suma, o problema com estes nichos de previlégios, num país que é de invejas e ressentimentos, é que dificulta qualquer sentido de "togetherness", da intimidade, do empenho que deve existir de todos com o destino da res publica,
Com situações destas, e explicadas destes modos de azedo mal-estar, a maioria dos portugueses sente o poder - e quem o exerce - como uma longínqua coisa, feita por poucos para alguns, um bando que se porta como em terra conquistada, e reage pelo ensimesmamento, pela descrença.
E tem razão: gente desta não leva ninguém a lado algum.
E dou por encerrado o assunto dos vencimentos e gorjetas dos políticos neste blog.

domingo, junho 05, 2005

Caro 1º Ministro,
Vi-o há pouco na televisão, de barba por fazer, com uns modos muito sacudidos, diga-se mesmo, desabridos, como quem responde às impertinências de um criado, a falar de ética e lei tudo isto a propósito da situação de alguns dos seus (nossos) ministros.
Lembrei-me então de contar a V. Exia., uma história verídica acontecida em Londres há uns tempos, isto para ver se V. Exia entende melhor o que está em causa. Foi assim:
seis executivos de um banco privado inglês resolveram jantar fora, a um dos mais caros e exclusivos restaurantes de Londres. O jantar foi, ao que se diz, muito agradável e a conta a condizer com a raridade de alguns Bordeaux preciosos. Para abreviar a coisa: custou o jantar aproximidademente 14000 contos (sic), (70 400 euros - idem, sic) como se soube pela indiscrição de um criado. O conselho de administração do Banco resolveu, ao saber, prescindir de imediato dos serviços dos convivas seus trabalhadores, porquanto a época era de crise, e o comportamento dos extravagantes era pouco consentâneo com algumas medidas de restrição de crédito aos clientes do banco e poderia ainda ser mal entendido pelos depositantes que tinham obtido magros resultados das suas aplicações financeiras.
Concordo que o asssunto levanta problemas delicados de liberdade, mas não deixei de estimar a reacção imediata (e educada) do banco.
V. Exia, não está a perceber ao que vêm os problemas delicados relacionados com a liberdade de cada um? É isso mesmo: o jantar não foi pago com o cartão de crédito do banco. Os 70 000 euros, os 14 00 contos saíram, integralmente, do bolso de cada um dos "gourmets".
Percebe agora, Caro 1º Ministro?
Leia tudo - ou parte - aqui

P.S. Li agora que Freitas do Amaral se solidariza com os seus colegas de gabinete e acha que tudo é legal. Pois é, ninguém diz o contrário. O problema não se resolve ou contém nesse estreito positivismo, como muito bem compreendeu a direcção do Barclays... Os alegres comensais também não cometeram nenhuma ilegalidade... Enfim, o Barclays é o Barclays, um grande banco europeu, passe a publicidade, e o nosso governo é o governo de um pequeno e cada vez mais pobre país.
No post anterior fala-se de gentlemen, eis aqui uma definição do Cardeal Newman.

sábado, junho 04, 2005

Vai por aí um burburinho que não compreendo com os ordenados e pensões dos ministros.
Sendo certo que não perfilho a tese de que os princípios não têm de vir depois do dinheiro, a realidade não é essa: primeiro o pé de meia, depois os escrúpulos.
E poderia ser de outro modo, num país pobre? Esta gente com fomes ancestrais - mesmo quando eram fomes "remediadas" - criou "isto", este estado de coisas para, se não enriquecer, ao menos poder copiar os tiques de "aisance" que vêem lá por fora. Daqueles dinheiros não podem eles prescindir sem prejudicarem planos meticulosos de há anos: a "segunda residência", o arranjo da leira que herdaram dos pais, a ajuda aos filhos, etc, etc.
Querem o quê? Que se comportem como gentlemen? Não o são. E não o sendo não se lhes peça o que não podem dar. Eles que fiquem com as pensões... eu só peço que as apliquem na educação dos filhos. Assim, daqui a três ou quatro gerações somos capazes de ter alguém que não venha falar de lei quando a questão é de mera vergonha na cara. Ou de panache.

quinta-feira, junho 02, 2005

"I once employed an old Dorset labourer, a tall, slim, aristocratic figure, with an elegant, refined nose to match; he bore the well-known name of an ancient and distinguished Dorset family, and I have no doubt was well descended. He was decidedly a canny, not to say crafty, man. I gave him a holiday at Whitsuntide to visit his old home, but he overran the time agreed upon and returned some days late. Before I could begin the rebuke I proposed to administer, he produced a charming photograph of a ruined abbey near his old locality, and handed it to me as a present. «I thought upon you, master, while I was away, and knowing as you was fond of ancient things I've brought you this picture.» I was completely disarmed, and the rebuke had to be postponed «sine die»".

Do "Grain and Chaff from an English Manor" de que falei ontem.

quarta-feira, junho 01, 2005

Tenho lido com muito gosto e notável proveito para a minha abalada boa disposição, "Grain and Chaff from an English Manor" de Arthur H. Savory, um "Harrow's boy" que escreve em 1920 sobre a vida da sua aldeia. Humour o suficiente para distrair do circunspecto e sisudo ar que o governo tomou na esperança de nos fazer engolir a pílula dos aumentos e passar em claro o facto de ter descaradamente mentido aquando das eleições (sim, mais do que o habitual e por todos já esperado - e descontado).

David Marshall, "June Landscape"

Em Junho, de novo.

terça-feira, maio 31, 2005

"A primrose by a river's brim
A yellow primrose was to him,
And it was nothing more,"

Wordsworth, "Peter Bell" 1798

segunda-feira, maio 30, 2005

E foi o não. Pena que parte dele o seja em nome de um modelo social e económico caduco. No entanto, a parcela que foi protesto contra a arrogância, a falta de respeito pelo querer dos eleitores chega para me dar uma agradável boa disposição nesta Segunda-Feira enublada.

sábado, maio 28, 2005

Vou ler, com alguma volúpia, o artigo de Cadilhe sobre a função pública e a paternidade cavaquiana do seu triste estado. As evidências mais comezinhas, tomam, em Portugal, o aspecto de revelações assombrosas. Qual era a dúvida? Afinal, Cavaco não é social-democrata (e populista)? E não foi, toda a sua vida, funcionário público?
"L'Europe retient son souffle" escrevia um jornal francês. Nota-se que houve aqui um esforço de contenção para não escrever, o Mundo, a Galáxia, o Universo.

Entretanto, Gerhard Schroeder e Zapatero, dois grandes estadistas, apelam ao "oui" que esse outro gigante da história europeia, Chirac, parece não conseguir assegurar. Segundo eles, o "oui" propiciaria a felicidade da cornucópia da abundância, aquela mesma que era suposto ter derrramado sobre os europeus post-Maastrichtianos todas as benesses. Por enquanto, lembrava alguém, há o desemprego e modelos caducos na França e na Alemanha.

sexta-feira, maio 27, 2005

Com as subidas de ivas e outros impostos e apesar de todo o falatório sobre o assunto, o déficit baixará umas ridículas poucas décimas: Much ado about nothing.
A seguir com algum interesse o ar profundo e de caso sério afivelado pelo primeiro-ministro. A mim, que serei sempre um desejeitado aprendiz nestas andanças das coisas graves da pátria, parece-me uma reedição do Conselheiro Pacheco e preparo-me para me divertir um pouco (inconsciências...).

quinta-feira, maio 26, 2005

Não acredito, tenho de confessar, que da discussão saia sempre a "luz". A "luz" pode surgir da calma e do sereno assentimento (e de ambas as situações pode surgir de igual modo o negrume, mas adiante). Tenho de convir, porém, que se a serenidade tem em mim um admirador, não deixo de, cândida ingénua e romanticamente, considerar a discórdia, a confusão e mesmo a algazarra como alfobres previlegiados de ideias, de "vida", de "inovação". Fraquezas...
Por isso, ficarei deliciado com a vitória do não em França, se tal ocorrer, e anseio pela bagarre que se seguirá. E perante a pobreza da vida nacional (e da minha vida mental) sempre é um assunto que nos ajudará a combater o tédio do Verão.

terça-feira, maio 24, 2005

Caloraça, o governo-sonso-é-para-nosso-bem-etc, pó, secura, 33% de humidade, 21% de IVA, algum desalento. Penso, com alguma firmeza (a que possa restar dos dias frescos), em exilar-me lá para Vigo.
Post Eu-bem-dizia:
Vd. o que se escreveu aqui a 17 de Março:
"Ontem, uns senhores muito irritados a propósito das declarações do Doutor Victor Constâncio (...). Não percebo a irritação: ele é socialista e socialista é a maioria tão abundantemente eleita. E os socialistas sobem impostos. Esperavam outra coisa?"

segunda-feira, maio 23, 2005

Não sei a que propósito, lembrei-me de Tolentino. Fica o soneto célebre (ainda é?).

O colchão dentro do toucado
Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena,
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada.

A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz co'a doce voz que o ar serena:
"Sumiu-lhe o colchão, é forte pena;
Olhe não lhe fique a casa arruinada."

"Tu respondes-me assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?" E dizendo isto,

Arremete-lhe à cara e ao penteado;
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.

domingo, maio 22, 2005

P.S. O tom inflamado também se aplica às coisas internacionais: as "considerações" de Mário Soares sobre o "não" ao tratado europeu soam a retórica de botica de província. Não se preocupem, repito, tudo está como sempre. Mas o Soares ainda o percebo: o Nobel da Paz - que, suspeito, ele almejava acima de tudo, nunca veio e, arredado dos areópagos internacionais de primeira plana (decorreu por estes dias uma reunião de laureados com o Nobel para reflectirem sobre o estado do mundo...) dá-lhe para estes arroubos de notabilidade de terra pequena.
Este país parece ansiar pela calma salazarista polvilhada de betão e eventos (expos, euros, etc) ... e não suportar outra coisa: pelos jornais, pelos blogs, por "aí", um clima de alarme, de iminência de catástrofe que não percebo senão pelo desespero da normalidade, que é, onde há vida, por vezes, um pouco tumultuosa. Mas é assim mesmo: há cem anos estávamos pior (já aqui o disse... e nunca estivemos muito melhor, afinal...), tenham calma, leiam, passeiem, tomem uns chás de tília, mas acalmem-se, é mesmo assim, não há muito a temer. E tentem falar - e escrever - mais baixo. Entretenham-se sem incomodar os outros.
Creio que os posts de ontem são um pouco repetitivos. As situações persistem, a gente repete-se. Triste fado.

sábado, maio 21, 2005

A Divina Guarda parece disposta a contribuir para a resolução do problema português distribuindo alguns milhões dos lotos europeus por cidadãos nacionais. Na eventualidade de estar a ser lido por um dos felizes contemplados, o conselho é: tudo lá fora, já - dentro da maior legalidade, claro. Mande vir na proporção do que precisar, nem um tostão a mais.
Esta gente não é de fiar, cuidado com a carteira.
O actual governo vai dificultar, como se esperava, a normalização do que resta do mercado do arrendamento. Qualquer funcionário do ministério pensa que sabe como é que os proprietários de imóveis devem gerir os seus interesses... Se alguém possuir apenas alguns milhões em imóveis é tratado pelo governo como um adolescente desagradavelmente expectante e palermamente exigente, a ser despachado com rudeza por um qualquer. É preciso ser milionário, - mas em cash ou em bens "lá fora" - para pôr os ministros e demais gentalha em guarda, para poder pegar no telefone e ordenar: "tenho muito gosto em tê-lo a almoçar comigo hoje. Apareça no hotel" Lembram-se?

sexta-feira, maio 20, 2005

Ouvi o Isaltino dizer aquilo do outro, do Mendes, e o tom, de uma genuína, antiga e, infelizmente já rara, má-criação portuguesa, de despique de merceeiros em chinelos de ourelo fez-me rir com gosto, como há muito tempo não ria.
Portugal moderno? O Portugal moderno do português de sucesso é isto, do mesmo modo que há perto de 200 anos a modernidade de então assentava mais sobre o Silva Carvalho, o homem imprescindível dado a arranjos de dinheiros, ou sobre a incompetência de Freire, ou no optimismo ingénuo de Silveira que no cosmopolitismo e educação mais vagamante europeia de parte da aristocracia liberal, preterida por D. Pedro IV nos negócios da governação.
Ainda, por razões várias, sofremos dessa fractura, entre a gente que sabe como é, ou o sabe apenas daquele modo, ou seja, que causava engulhos a um gentleman (o cunhado de Eça, o Conde de Resende, era inaproveitável para Governador civil por uma questão de mera decência) e a gente mais civilizada que olha, como se olhasse de fora, num olhar de estrangeirada tristeza, a miséria nacional, o reino ignóbil do necessário.
A questão reside, parece-me, na questão mesma do carácter do necessário, mas a questão, por espinhosa, tem sido evitada, com algum egoísmo, diga-se, pelos indígenas mais europeizados.