Foi do modo como a notícia foi dada, ou vem do treino em processo penal que adquirimos nestes últimos meses, não passou despercebida a contradição contida no despacho que manda prender um presumido inocente para que este não continue a actividade criminosa. Convirá lembrar, além do mais, que se trata de presumir a actividade criminosa de quem não foi, até hoje, acusado de qualquer crime.
No outro dia, na televisão, alguém que passou ano e meio preso preventivamente antes de ser absolvido - graças a provas que se encontravam no processo e, por tal, acessíveis desde logo a quem o mandou prender - tentava transmitir-nos a leviandade com que se priva alguém da liberdade e se arruinam vidas, às vezes para sempre.
Estranhamente, não vejo muita gente preocupada com o poder-lhe acontecer algo idêntico. O culto do estado paternal - a que continuamos fiéis - privilegia a identificação com o punidor que "protege" os bons e que castiga os criminosos. Em termos mais ou menos disfarçados e sofisticados, todos acabamos por pensar que, se está preso, alguma coisa fez. Vi gente inteligente pôr de lado a hipótese de engano, a mesma gente que sabe e relata casos assombrosos de ineficiência e trapalhice estatais.
E apanhados na teia frouxa de meia dúzia de truques de mau jornalismo eis-nos ao lado do pai prontos a aplicar a sanção. O "respeitinho", o temor reverencial pela autoridade limitou-se, nestes quase trinta anos de democracia a refugiar-se nos tribunais (para quem o parlamento e o governo quiseram, demitindo-se dos seus deveres, passar a devoção).
É interessante, aliás, verificar que, ao contrário do que se passa lá fora - continua a ser "lá fora" - não haja, em Portugal, reflexão teórica sobre o poder judicial, o seu controlo político - isto é, pelo povo em nome do qual se administra a justiça.
É vocação nossa?
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