segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Pacheco Pereira (com link, que ele gosta dos links) escreveu um texto interessante no Público de sábado. Concordo com muito do que ele lá diz, aliás, com o muito que eles, Pachecos Pereiras por lá afirmam. Porque o interesse maior do texto, não querendo apoucar a substância, provém de ser construído de vários, digamos, sítios diferentes, lá de onde moram diferentes Pachecos, cada um olhando de sua janela um assunto diferente: temos a domus de Pachecus, senador romano que louva o tempo e os passarinhos enquanto exibe o seu desgosto pela res publica. Um clássico que fica sempre bem. É a este Pacheco senatorial que cabe a introdução. Vem depois, o 4º esqº F do Pacheco virtuoso, que olha a coisa pública com algum asco e indignação e comenta os escândalos políticos e sociais; moralista munido do seu voto de protesto, fala lá das coisas deles. Poderia chamar-se também a este Pacheco, o Pacheco tout le monde. É um Pacheco um pouco irritante, já que Pacheco Pereira não é tout le monde, é um deles profissional há muitos anos e gostar de se disfarçar de um de nós não é excessivamente original. Há, depois, Pachecos mais interessantes, que devem fazer parte do ele,ele, Pacheco: o Pacheco da Casa de Cima, o Pacheco Pereira aristocrata (e não apenas da pequena aristocracia minhota, mas da nacional e da primeira dela), que olha com um desdém, em parte justificado, a plastificação dessa parte da classe média que, oriunda da média aristocracia de Lisboa ou da província, tornados incompreensíveis - a mais das vezes por desleixo ou péssimo gosto pelo novo - os seus valores, se redefine pelos roteiros (de restaurantes, de leituras, de viagens, dos clubes de vinhos) e se parece desejar rever neste agora achado símbolo aglutinador e diferenciador, na apropriação d'El-Rei D. Carlos I, mártir e grand de ce monde, apresentado como contraponto à tristeza de hoje. Não está mal achado, devia concordar Pacheco, que se permite alguma injustiça na vista dessa gente que vai à missa por alma do Rei: se é certo haver uma possidonização de parte da classe média antiga, não deixa de ser verdade que nela se concentram alguns bons hábitos, desde o culto da decência ao gosto genuíno pela leitura ou pela música, algum bom gosto tout court e um agradável desgosto pelo standarizado. É parcelar, a visão deste Pacheco grand-seigneur sobre os parentes. Pacheco que, nesta sua Casa de Cima, tem por companhia um Pacheco eremita (como foi de uso da Inglaterra do sec. XVIII): o eremita, muito parecido com o que seria um cidadão indignado, já em roupão, num 2º esqr. de um andar do nobre burgo do Porto, tem as virtudes, a largueza, de quem tem já algumas luzes e a estreiteza da gente que passa dificuldades ou que tem, ou tinha, por vezes, precisões e que, em Portugal, nunca resultou em algo mais do que desdém igualitário e o despeito e vingativa ganância de que foi feita a 1ª república. Esta gente, de difícil contentamente político em alturas de crise - porque, entre outras coisas, não há mais regime credível a instaurar -, é hoje o alvo de uma vasta actividade da indústria compensadora através da exaltação da vida tal como ela é, cheia de altos e baixos, tornada modelo da humanidade e, por isso, do suportável, a que não falta um pequeno pack de ideias, direitos e pequenos luxos democratizados: as viagens à Jamaica, a sentimentalidade, as boas intenções planetárias e o gosto pela novidade (que produzem as simpatias por Obama) e algumas puras bugigangas, materias e imateriais (um pouco de sebastianismo) etc. etc.
Bem sabe Pacheco, o Pacheco compósito de todos estes autores do artigo que, em Portugal, essa indústria é uma poderosa aliada do actual governo (que, em parte, já é, aliás, produto dela):
«Pensam que Obama vai lá chegar e com a varinha mágica da Utopia e da Esperança, o seu grande mérito a julgar pelos comentários, vai acabar com a guerra no Iraque, a Al-Qaeda, a recessão e as lojas dos chineses, reconhecer a União Europeia como parceira mundial dos EUA e propor Barroso para o Prémio Nobel, dizer "porreiro, pá" ao nosso engenheiro, reconciliar Mário Soares com os EUA e pôr ordem nos israelitas.Está bem, está na altura de acordar, mas como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar? Não, não estamos nos nossos melhores dias... »
Pois não estamos, mas é dificil convencer aquela gente a mudar de hábitos de consumo.

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