sexta-feira, fevereiro 29, 2008

«O "mal-estar difuso" é simplesmente o regresso à realidade. Portugal não tem meios para o Estado-providência e a espécie de vida que os portugueses reclamam. E, como não tem, toda a gente se agita e ninguém faz nada com sentido. Esta fase também é conhecida.»

Vasco Pulido Valente, in Público, hoje
«Qualquer trabalhador por conta de outrem, docente universitário ou jornalista, empregado de livraria ou contabilista, funcionário público ou quadro de empresa, não pode ignorar o feedback das suas irreverências face à imagem do empregador.»

Esta coisa espantosa que li agora acabaria, por exemplo, com toda a obra do diplomata Eça de Queiroz e grande parte da cultura portuguesa... Ficaria aberta a porta ao despedimento e afastamento de professores universitários, como no tempo do Estado Novo...
Há irreverência? So há irreverência onde deve haver reverência, o que não consta do código do trabalho. E a coisa pública (onde, desde logo, o empregador somos nós) o que precisa é de ser bem escrutinada.

De facto, nada pior do que o situacionismo: mesmo o mais diluído, contém sempre e pelo menos uma molécula de aquiescência feita de renúncia à liberdade de pensamento e outras omissões hidrogenadas fatais ao coração e à coluna vertebral.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A falta que me fez a Constança Cunha e Sá. Agora, que ela voltou, é com argumentos sólidos que, às Quintas-feiras me entristeço com a coisa pública. Muito bom o artigo de hoje no Público.
Uma amostra:

«Esta semana, o verdadeiro retrato de Portugal não foi dado pelo documento da Sedes ou pelas suas radiosas antecipações. Foi dado, sim, pelas velhas "Novas Fronteiras" do eng. Sócrates e pela triste realidade que por lá se passeou. O optimismo balofo de um primeiro-ministro em campanha, o relato interminável das suas extraordinárias "medidas", os desafios inconsequentes a uma oposição que não existe e a habitual unanimidade que rodeia o poder mostram, com inesperada crueza, a mediocridade reinante e o resultado deprimente de três anos de propaganda. Infelizmente, o aparente autismo do primeiro-ministro não choca, como se tem dito, com as misérias do "país real": pelo contrário, a sua arrogância e a impunidade de que continua a gozar são o melhor reflexo da situação nacional.»

Diga-se o que se disser, é muito agradável ler prosa inteligente - e em bom português.
O didactismo vão de Carlos da Maia produz possidonices grotescas no Salcede. O criado galego, fora destas destes deves e haveres, ganha com o retorno ao status quo ante: recupera o rame-rame e com ele as suas chinelas.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

As memórias são como as cerejas de que nos lembramos serem as conversas como elas e, entre o sardónico e o tristonho, tenho o dia todo pensado no Dâmaso, do Dâmaso Salcede, melhor ainda, do criado dele, a quem o patrão obrigara a usar sapatos de verniz na altura da sua intimidade com Carlos da Maia. O corte de relações entre Carlos e o Salcede patrão permitiu-lhe voltar ao conforto dos chinelos.

Encontrei o texto on line:

«A casa do Dâmaso, velha e dum andar só tinha um enorme portão verde, com um arame pendente que fez ressoar dentro uma sineta triste de convento e os dois amigos esperaram muito antes que aparecesse, arrastando as chinelas, o galego achavascado que o Dâmaso (agora livre de Carlos e das suas pompas) já não trazia torturado em botins cruéis de verniz.»
Um post chamado letra grande que estava aqui ontem? Apaguei-o.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Lembrei-me.
Em criança, Edith Piaf viveu com uma avó, mulher-a-dias ou cozinheira num bordel. Edith cegou, a intervenção do médico foi ineficaz e a avó pediu a Nossa Senhora de Lourdes - e com ela as meninas - que curasse a pequena.
Prometeram uma ida a Lourdes. Quando Edith se curou e voltou a ver, pôs-se a questão do pagamento da promessa. A patroa decidiu-se pelo fecho do bordel e todas foram, de combóio, agradecer o milagre a Nossa Senhora.

Edith Piaf, La Vie en Rose*

*O le rouge et le noir esteve para se chamar le vert et le rose, mas longe de mim... enfim Stendhal, é Stendhal.

domingo, fevereiro 24, 2008

P. S. ao post de baixo, de hoje manhã: que determinação, que rectos intentos dominicais!
Acordei cedo - está a tornar-se um hábito, acordar cedo aos Domingos. Estive a ver Sensibilidade e Bom Senso e dei depois uma volta pelos blogs. Indignação com as identificações exigidas pela PSP aos professores no Porto. Está na altura de alguém se opor a esta iniquidade, recusando, pura e simplesmente identificar-se. Identificar-se por e para quê se não a está a fazer nada de ilícito? De facto, as exigências da lei vigente - explicáveis e ainda, talvez, admissíveis no caso de manifestações com dezenas de milhares de pessoas, em que seja necessário fazer alterações de trânsito, etc.) - são manifestamente inconstitucionais, no caso daquela sendo evidente que a manifestação em si não prejudicava o público. Deveriam, por isso, os manifestantes oporem-se ao ultraje de uma identificação e, em caso de persistência, recusarem e deixarem-se ir a tribunal, suscitando a ilegalidade do acto, por não haver violação de qualquer preceito legal válido.

A direcção da PSP já deveria ter pedido instruções superiores para que estas situações idiotas se não verificassem. Aliás, não distinguindo a lei entre manifestações de apoio e protesto, haveria de pedir a identificação a quem fosse manifestar-se com vivórios aquando das visitas do Sousa ou de outro qualquer ministro a qualquer pixel do País Real. Se não o fizer, a coisa ganha outros e interessantes contornos.

sábado, fevereiro 23, 2008

«No fundo, os senhores da Sedes não percebem que nenhuma "crise social" (que fazem eles senão descrever sem grande originalidade a que neste momento vivemos?) põe em perigo o suave arranjo da política portuguesa, enquanto Portugal pertencer à "Europa": e os partidos sabem isso muito bem. O destino de Portugal é, como sempre foi, apodrecer ao sol."»

Vasco Pulido Valente in Público

O reverso da pertença à UE (e embora esta possa intervir - administrativamente - se os odores da decomposição incomodarem, essas medidas de pura higiene privar-nos-ão dos efeitos benéficos do grande cataclismo redentor que já Eça esperava - embora me pergunte sempre se esperava bem).

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Lido agora: «Empréstimo de Lisboa - TC muito duro com Costa» *(Sol) e, em subtítulo: «Costa tranquiliza credores (TSF)».
E, de repente, ri-me: aquilo parece saído das aflições humilhantes do séc XIX (mas que, sem subsídios, fez os caminhos de ferro). A varanda de onde foi atirada aos portugueses o que eles, atabalhoadamente, então queriam, a república do bacalhau a pataco, corre o risco de ser penhorada, por calotes. A coisa está difícil e não há Rei para matar. Vai ser a frio, sem tiros nem foguetório. E com Costas, com muitos Costas, com um nunca acabar de Costas, a vociferarem contra os jornais, a tranquilizar credores, a prometer, - pela nossa saúde - «alguns patacos, ó rapazes, que o bacalhau já se acabou. Agora mesmo! Hoje já não há, voltem para a semana...»

terça-feira, fevereiro 19, 2008

SENSACIONAIS DESENVOLVIMENTOS: IMPENSADO ADERE AO PROJECTO DE GOVERNO DO SENHOR ENGENHEIRO SÓCRATES!
Sim, este blog está em condições de asseverar que o seu autor está prestes a integrar a falange dos apoiantes do Senhor Engenheiro José Sócrates. A reviravolta deu-se esta tarde, em casa do dele, após a visita de um marceneiro que aí fora chamado para elaborar meditações sobre o limite superior do orçamento (upper limit buget) do restauro de um sideboard da casa de jantar. Embora a cifra esboçada seja demonstrativa da dificuldade de considerações éticas com maior profundidade que a dos dois milímetros e meio dos embutidos, o certo é que o número ventilado, embora de uma selvagem crueza, não provocou no nosso autor a comoção cerebral que esperara. Ao marceneiro, homme du monde, bom observador, não escapou que a pressão se atenuara nos dedos enclavinhados do nosso autor. E, magnânimo, disse: "isto é um trabalho demorado e de responsabilidade, não posso pôr ninguém a fazê-lo por mim. E há aqui para muito tempo. Há dois ou três anos não o poderia fazer por menos de tanto. E era um preço pura obscenidade. Mas hoje, - acrescentou - com a crise que por aí há... - Mas sente-se assim tanto? - Que sim. E, de repente, percebi: se tivesse havido reformas, mercado a funcionar, crescimento de 3,5% do PIB, o restauro tinha de passar para a próxima geração! A quem devo poder fazê-lo agora? E logo um nome surgiu, em letras de bois rose embutidas num céu que me apareceu, todo ele de pau-santo e vinhático: José Sócrates Pinto de Sousa; e, enquanto contemplava o nome ora bem-vindo , um santo aroma de terebentina e cera e talco - sim, talco - subia, benfazejo, pelas narinas gratas do autor deste blog.
Se o Senhor Engenheiro ganhar as próximas eleições, a papeleira do meu antigo quarto e a cómoda do outro ao lado, não escapam! E se for com maioria absoluta, a cama não fica de fora!
Pelo que li (Vasco Pulido Valente, no Público e alguns blogs), a «entrevista» ao Sousa foi um espectáculo de propaganda medíocre e ofensiva (por nos tomar por patetinhas sem discernimento - coisa tão mais difícil quanto o quotidiano se encarrega de no-lo dar).
Mau momento este que passamos.

A boa notícia li-a agora mesmo, num post de Henrique Burnay. Vejam. Contra isto, meus caros, não há autoridade de iman, fatwa ou ameaça que resulte.

(O Castro ter deixado de ditador oficial também não deixa de ser agradável.)
Não, não vi a entrevista do Pinto de Sousa: estive a ler.

A talho de foice, aproveito a oportunidade para alertar aqueles que usam apodar o actual primeiro-ministro de arrogante e autoritário que cometem um erro e apenas lhe inflamam o ego.
Querem ver?
Cito Eça, na Ilustre Casa de Ramires:

«Porque, enfim, Gouveia, eu, nas minhas Correspondências para a Gazeta do Porto, tenho sido feroz com o Cavaleiro!
João Gouveia parou, de bengala ao ombro, considerando o Fidalgo com um sorriso divertido:
- Nas Correspondências? Que tem você dito nas Correspondências? Que o Sr. Governador Civil é um déspota e um D. Juan?... Meu caro amigo, todo o homem gosta que, por oposição política, lhe chamem déspota e D. Juan. Você imagina que ele se afligiu? Ficou simplesmente babado!
O Fidalgo murmurou, inquieto:
- Sim! Mas as alusões à bigodeira, à guedelha...
- Oh! Gonçalinho! Belos cabelos anelados, belos bigodes torcidos não são defeitos de que um macho se envergonhe... Pelo contrário! Todas as mulheres admiram. Você pensa que ridicularizou o Cavaleiro? Não! anunciou simplesmente às madamas e meninas, que lêem a Gazeta do Porto, a existência de um mocetão esplêndido que é Governador Civil de Oliveira.
»
Ora, o Pinto de Sousa, que eu acho muito acanhado e com nenhum à-vontade, não usa da má-educação além do que é de presumir restar do manejo das portas de serviço que separam o estirador da mesa do poder. Porquê chamar-lhe, então, autoritário ou arrogante? É apenas incompetente.
Quem anda a promover o gauche, o canhestro Sousa a mocetão esplêndido?

segunda-feira, fevereiro 18, 2008



É o chamado verde publicitário modernaço (sector bancos e lacticínios), este que escolhi, mas vou gastá-lo em jardins beefs.

domingo, fevereiro 17, 2008

A questão é que não podia já com aquele encarnado acastanhado. Deprimia-me. Também não gosto muito deste verde, mas ainda é cedo para voltar ao azul.
Pouco ou nada de tão inverosímil quanto o nosso passado.
(paráfrase de domingo de manhã)

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

I have lived with Shades

I
I have lived with Shades so long,
So long have talked to them,
I sped to street and throng,
That sometimes they
In their dim style
Will pause awhile
To hear my say;

II
And take me by the hand,
And lead me through their rooms
In the To-Be, where Dooms
Half-wove and shapeless stand:
And show from dwindled dust
And rot and rust
Of things that were.

III
"Now turn," they said to me
One day: "Look whence we came,
And signify his name
Who gazes thence at thee" --
-- "Nor name nor race
Know I, or can,"
I said, "Of man
So commonplace."

IV
"He moves me not at all:
I note no ray or jot
Of rareness in his lot,
Or star exceptional.Into the dim
Dead throngs around
He'll sink, nor sound
Be left of him."

V
"Yet," said they, "his frail speech,
Hath accents pitched like thine --
Thy mould and his define
A likeness each to each --
But go! Deep pain
Alas, would be
His name to thee,
And told in vain!"

Thomas Hardy

(Gosto muito da poesia do Hardy.)
Vi ontem à noite, apenas, o convite de Réprobo para escolher 12 palavras de que goste. É uma questão difícil. Vou pensar.

Já pensei em 12 palavras de que gosto. Aí vão.

Albas - no plural, as canções de amigo ao romper do dia.

Que - é abstracto, não quer dizer nada, menos do que o «de« e «e». O «de» lembramos logo que é possessivo e o «e» enumerativo. O «que» foge a todo o significado.
O Q também é uma letra bonita e o q minúsculo uma letra divertida, com um ar observador. Não gosto muito de antropomorfizações, mas enfim...

Oblíquo - gosto da sequência Ob e da bl e muito do quo que ainda é latim.

Tonitruante - é uma boa onomatopaica e lembra-me uma exclamação do Capitão Haddock

Freixo - gosto de freixos e de «xizes».

Mas - Gosto de palavras pequenas e esta leva-nos, geralmente, à sensatez.

Loquaz - Gosto muito do final az, não menos do Lo. Do q já disse porque gosto.

Quiaios - É um topónimo, mas é a única palavra portuguesa com 5 vogais seguidas. Não as 5 vogais, mas 5 vogais.

Contemporâneo - Gosto da abundância das vogais, dão porosidade e indefinição.

Murmúrio - também é uma onomatopeia grave, escura - os «us» são escuros.

Antonomásia - gosto do som e do caminho indutivo.

Miiologia - Com esta tenho uma longa história. Miiologia é um tratado sobre as moscas. Já não me lembro como soube, mas soube. Usei-a para jogar o enforcado: aqueles dois ii juntos, além de divertidos, são uma raridade.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Tinha já julgado perceber alguns sinais, mas agora penso que a coisa se confirma: essa geração nova que para aí anda, semi-iletrada, produto da degradação escolar, com post-graduação feita na leitura digest das revistas on line e que grita o achamento de pelo menos sete génios e sete obras-primas todos os dias ao pequeno-almoço, começa a maçar-se com a presença de alguns intelectuais da geração que está hoje nos 60s e lhes continuam a fazer merecidíssima sombra. Assim, há que começar a achá-los chatos - um crime hediondo para essa gente, criada desde tenríssima idade por entre aforismos de Wilde: Vasco Pulido Valente, por exemplo, não consegue provocar senão o desfastio de cultores da linguagem de taberna e da calinada, que aproveitam, en passant, para comunicar ao mundo que Maria Filomena Mónica está maluca (sic - e outros se têm ocupado de António Barreto e haverá já, talvez, quem se especialize no apoucamento de Vasco Graça Moura).
Que fazer? Passada a indignação por esta grosseria gratuita, aconselho o riso. E se, por acaso, já se deixou contaminar, pegue no currículo de algum dos chatos e malucos e veja o que eles já eram e tinham escrito e feito com os trintas e poucos que estes exigentes críticos têm.

Sobre a resposta que deu Maria Filomena Mónica aos críticos do seu livro, acho que a percebi: num país com esta tristeza intelectual e analfabetismo - o que se traduz, inevitavelmente, na exigência de obras-primas, ela diz o que se pode traduzir por isto: gosto do Cesário e escrevi este livrinho que é um pequeno trabalho. É isso, apenas, nada mais, quase um passatempo. Leiam, se quiserem e apreciem a esta luz.
Isto, porém, não é fácil de entender e a mediocridade estéril é sempre muito exigente.
Pacheco Pereira (com link, que ele gosta dos links) escreveu um texto interessante no Público de sábado. Concordo com muito do que ele lá diz, aliás, com o muito que eles, Pachecos Pereiras por lá afirmam. Porque o interesse maior do texto, não querendo apoucar a substância, provém de ser construído de vários, digamos, sítios diferentes, lá de onde moram diferentes Pachecos, cada um olhando de sua janela um assunto diferente: temos a domus de Pachecus, senador romano que louva o tempo e os passarinhos enquanto exibe o seu desgosto pela res publica. Um clássico que fica sempre bem. É a este Pacheco senatorial que cabe a introdução. Vem depois, o 4º esqº F do Pacheco virtuoso, que olha a coisa pública com algum asco e indignação e comenta os escândalos políticos e sociais; moralista munido do seu voto de protesto, fala lá das coisas deles. Poderia chamar-se também a este Pacheco, o Pacheco tout le monde. É um Pacheco um pouco irritante, já que Pacheco Pereira não é tout le monde, é um deles profissional há muitos anos e gostar de se disfarçar de um de nós não é excessivamente original. Há, depois, Pachecos mais interessantes, que devem fazer parte do ele,ele, Pacheco: o Pacheco da Casa de Cima, o Pacheco Pereira aristocrata (e não apenas da pequena aristocracia minhota, mas da nacional e da primeira dela), que olha com um desdém, em parte justificado, a plastificação dessa parte da classe média que, oriunda da média aristocracia de Lisboa ou da província, tornados incompreensíveis - a mais das vezes por desleixo ou péssimo gosto pelo novo - os seus valores, se redefine pelos roteiros (de restaurantes, de leituras, de viagens, dos clubes de vinhos) e se parece desejar rever neste agora achado símbolo aglutinador e diferenciador, na apropriação d'El-Rei D. Carlos I, mártir e grand de ce monde, apresentado como contraponto à tristeza de hoje. Não está mal achado, devia concordar Pacheco, que se permite alguma injustiça na vista dessa gente que vai à missa por alma do Rei: se é certo haver uma possidonização de parte da classe média antiga, não deixa de ser verdade que nela se concentram alguns bons hábitos, desde o culto da decência ao gosto genuíno pela leitura ou pela música, algum bom gosto tout court e um agradável desgosto pelo standarizado. É parcelar, a visão deste Pacheco grand-seigneur sobre os parentes. Pacheco que, nesta sua Casa de Cima, tem por companhia um Pacheco eremita (como foi de uso da Inglaterra do sec. XVIII): o eremita, muito parecido com o que seria um cidadão indignado, já em roupão, num 2º esqr. de um andar do nobre burgo do Porto, tem as virtudes, a largueza, de quem tem já algumas luzes e a estreiteza da gente que passa dificuldades ou que tem, ou tinha, por vezes, precisões e que, em Portugal, nunca resultou em algo mais do que desdém igualitário e o despeito e vingativa ganância de que foi feita a 1ª república. Esta gente, de difícil contentamente político em alturas de crise - porque, entre outras coisas, não há mais regime credível a instaurar -, é hoje o alvo de uma vasta actividade da indústria compensadora através da exaltação da vida tal como ela é, cheia de altos e baixos, tornada modelo da humanidade e, por isso, do suportável, a que não falta um pequeno pack de ideias, direitos e pequenos luxos democratizados: as viagens à Jamaica, a sentimentalidade, as boas intenções planetárias e o gosto pela novidade (que produzem as simpatias por Obama) e algumas puras bugigangas, materias e imateriais (um pouco de sebastianismo) etc. etc.
Bem sabe Pacheco, o Pacheco compósito de todos estes autores do artigo que, em Portugal, essa indústria é uma poderosa aliada do actual governo (que, em parte, já é, aliás, produto dela):
«Pensam que Obama vai lá chegar e com a varinha mágica da Utopia e da Esperança, o seu grande mérito a julgar pelos comentários, vai acabar com a guerra no Iraque, a Al-Qaeda, a recessão e as lojas dos chineses, reconhecer a União Europeia como parceira mundial dos EUA e propor Barroso para o Prémio Nobel, dizer "porreiro, pá" ao nosso engenheiro, reconciliar Mário Soares com os EUA e pôr ordem nos israelitas.Está bem, está na altura de acordar, mas como é que se pode acordar quando toda a gente quer continuar a sonhar? Não, não estamos nos nossos melhores dias... »
Pois não estamos, mas é dificil convencer aquela gente a mudar de hábitos de consumo.

domingo, fevereiro 10, 2008

Mais circens sem panem? Campeonatos num país pobre e cheio de faltas? Estará tudo louco? Para rendibilizar os estádios? Os «estudos» não os davam como pagando-se a si mesmos em 2004? Para distrair-nos da desgraça? Não chega (nem vão por aí).
Espera-se que esta completa afronta ao bom-senso seja parada quanto antes. Já.

sábado, fevereiro 09, 2008

«Por absurdo que pareça, Rowan Williams [Arcebispo de Canturária] espera da próxima vigência da Sharia uma Inglaterra mais "coesa". Não lhe ocorreu que tolerar a tolerância leva à intolerância absoluta. O que não admira, porque, no admirável mundo da "correcção", a tolerância acabou muitas vezes por impor uma autoridade que roça o terrorismo moral, ideológico e político. Sendo uma aberração do século, o arcebispo de Cantuária não se distingue no essencial dos mil censores da nossa consciência e dos nossos costumes. A liberdade, para ele, não conta. »

Vasco Pulido Valente, no Público de hoje.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Tempos irrequietos, em que nem as águas estão a salvo de passarem segunda vez sob a mesma ponte.
Exercício

1º Ir aqui.
2º Ver bem.
3º Vir aqui.
4º Ler a última frase da entrevista.
5º ... ou sorrir ou rir. Por mim, prefiro a cara de reticências.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

O referendo ao tratado europeu - que o actual primeiro-ministro tinha no seu programa eleitoral - foi votado desfavoravelmente pelo PS e pelo PSD.
Estes dois partidos deixam de ter legitimidade para, daqui para o futuro, pedirem sacrifícios ou justificá-los em nome da UE.

Mais tarde: acabei de ler que António José Seguro invocou objecção de consciência para pedir liberdade de voto e poder votar favoravelmente o referendo do tratado, argumentando que se tratava de um compromisso assimido pelo partido socialista com o eleitorado.
É uma atitude que o honra (mesmo que nela haja algum cálculo) e constitui uma boa notícia.
Imperdível e muito sério o artigo de hoje de Constança Cunha e Sá, sobre o caso dos mamarrachos do Pinto de Sousa:

«[...] Em Portugal, ao contrário de outros países mais picuinhas, o passado prescreve rapidamente: um político surge do nada, dependente das circunstâncias e das necessidades do dia. Pouco importa que, na altura, o actual primeiro-ministro já fosse dirigente do PS e deputado na Assembleia da República. E pouco importa também, como é óbvio, que o actual primeiro-ministro possa estar a mentir sobre a autoria dos projectos que assinou ou que aqueles "caixotes" irrepreensíveis tenham sido concebidos por si. O que importa, sim, é assinalar a "campanha" de um jornal que tem o atrevimento de tornar públicas as actividades públicas de uma figura pública. Como é que, depois da "novela do canudo", António Cerejo tem o descaramento de aparecer, agora, com esta "soap opera dos projectos"? Esta, sim, é a pergunta que se impõe. O facto de o Ministério Público ter arquivado o processo da licenciatura do eng. Sócrates sem se dar ao trabalho de explicar como é que apareceu um certificado falso, na Câmara da Covilhã, ou um documento rasurado na Assembleia da República é, para estas impolutas alminhas, um pormenor insignificante em que não vale a pena pensar. É assim que florescem as mais subtis manobras de intimidação.[...]»

Público de hoje.
Os Espírito Santo são do melhor que por aqui temos: são civilizados e poucos saberão ter mão nesta gente como eles. Por esta gente quero dizer a que agora está em lugares de decisão, mas sem escrúpulos ou sem gosto (vejam-se as casas do 1º ministro). Os Espírito Santo juntam, porém, ao bom gosto e pulso para lidar com a tal esta gente o serem banqueiros e gostarem de empreender. Ora, empreender é aquilo que, em Portugal, costuma roçar o desastre - mesmo quando quem empreende é gente acima de toda a suspeita em matéria de civilização. Ainda não há, nem na lei, nem na prática, aqueles cuidados que existem lá fora, nos países civilizados, medidas objectivas para evitar catástrofes, mesmo as provocadas por gente de bom gosto: ninguém está a salvo de um faux pas.
Será por isso de seguir com muito cuidado a história dos 700 e tal hectares da Comporta.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

ANTÓNIO VIEIRA

O céu strella o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à gloria tem,
Imperador da lingua portuguesa,
Foi-nos um céu tambem.
No immenso espaço seu de meditar,
Constellado de fórma e de visão,
Surge, prenuncio claro do luar,
El-rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do ethereo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Imperio
Doira as margens do Tejo.
Fernando Pessoa, Mensagem
Quarta-feira de Cinzas
Adriaen van Utrecht, Vanitas, 1643


Ecclesiastes

1 Verba Ecclesiastæ, filii David, regis Jerusalem.
2 [Vanitas vanitatum, dixit Ecclesiastes;vanitas vanitatum, et omnia vanitas.
3 Quid habet amplius homode universo labore suo quo laborat sub sole?]
4 [Generatio præterit, et generatio advenit;terra autem in æternum stat.
5 Oritur sol et occidit,et ad locum suum revertitur;ibique renascens,
6 gyrat per meridiem, et flectitur ad aquilonem.Lustrans universa in circuitu pergit spiritus,et in circulos suos revertitur.
7 Omnia flumina intrant in mare,et mare non redundat;ad locum unde exeunt fluminarevertuntur ut iterum fluant.
8 Cunctæ res difficiles;non potest eas homo explicare sermone.Non saturatur oculus visu,nec auris auditu impletur.
9 Quid est quod fuit? Ipsum quod futurum est.Quid est quod factum est? Ipsum quod faciendum est.
10 Nihil sub sole novum,nec valet quisquam dicere: Ecce hoc recens est:jam enim præcessit in sæculis quæ fuerunt ante nos.
11 Non est priorum memoria;sed nec eorum quidem quæ postea futura sunterit recordatio apud eos qui futuri sunt in novissimo.]
12 [Ego Ecclesiastes fui rex Israël in Jerusalem;
13 et proposui in animo meo quærere et investigare sapienterde omnibus quæ fiunt sub sole.Hanc occupationem pessimamdedit Deus filiis hominum, ut occuparentur in ea.
14 Vidi cuncta quæ fiunt sub sole,et ecce universa vanitas et afflictio spiritus.
15 Perversi difficile corriguntur,et stultorum infinitus est numerus.
16 Locutus sum in corde meo, dicens:Ecce magnus effectus sum, et præcessi omnes sapientiaqui fuerunt ante me in Jerusalem;et mens mea contemplata est multa sapienter, et didici.
17 Dedique cor meum ut scirem prudentiam atque doctrinam,erroresque et stultitiam;et agnovi quod in his quoque esset labor et afflictio spiritus:
18 eo quod in multa sapientia multa sit indignatio;et qui addit scientiam, addit et laborem.]

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Mme. Vigée-Lebrun Bachante
(Pertencem àquele pequeno número de coisas que me reconciliam permamentemente com a França, estas telas do séc. XVIII)

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

sábado, fevereiro 02, 2008

Casa da autoria de Pinto de Sousa Le style c'est l'homme (Buffon)
Fui ontem a Lisboa à missa por alma do Rei D. Carlos e do Príncipe Real.
O regicídio fez parte dos relatos de quando era pequeno. Contado por quem tinha estima pelo Rei e Família Real, transmitiu esse afecto à criança que escutava: ontem não fui sufragar a alma de dois portugueses de boa vontade mortos há um século, que se admira e respeita embora de algum modo ora já distantes, mas quem conhecia com a intimidade difusa e ímpar das amizades de infância.

Sim, uma digna Rainha de Portugal. No que me contavam nunca eram omitidos o heroísmo e abnegação com que, com um ramo de flores, tentou salvar o Seu Marido e os Seus Filhos.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008


Foi há 100 anos o assassinato do Rei D. Carlos I e de seu Filho, o Príncipe Real, D. Luís Filipe.
A república a que aquele crime abriu as portas não conseguiu, em 98 anos, tirar Portugal da cauda da Europa e vive-se tristemente uma pobreza escondida, negada. Sofre cada um sozinho, sem esperanças de melhoras, um dia-a-dia baço e penhorado: compromete-se, já hoje, o futuro dos que virão.
Se o Rei D. Carlos I tivesse sido uma alma mesquinha e cobarde poder-se-ia dizer que estava vingado: poucos, hoje em dia, fazem ideia do que foi, ao tempo, a desonestidade delirante e canalha, a torpeza sem limites da propaganda republicana, a sordidez inimaginável das acusações dirigidas ao Monarca e a toda a Família Real, a lama atirada à instituição monárquica, em nome dos futuros radiosos que viriam iluminar os barretes frígios da turbamulta, no dia em que Portugal deixasse de ter o seu Rei.
Não veio manhã ridente nenhuma. Veio a tirania, de uma e depois de outra forma. E ainda esta nova, da vacuidade que a mesquinhez turva, da ausência de uma ideia, da ausência da sombra de uma ideia sobre Portugal e os portugueses.
O crime do Terreiro do Paço do 1º de Fevereiro de 1908 não compensou: muito pelo contrário, creio mesmo que estamos a pagar por ele.