quarta-feira, novembro 05, 2003

Ó LACRIMOSA



I
Ó lacrimosa, que, céu reprimido,
pesas sobre a paisagem da dor.
E quando choras, queda mansa de chuva oblíqua te sopra no areal do coração.

Ó carregada de lágrimas. Balança de todo o pranto! Que te não sentiste céu porque eras clara,
e tens de ser céu por amor das nuvens.

Quão nítido e quão próximo o teu país de dor se faz sob a severa unidade do céu! Como uma face devagar desperta no seu jazer,
que pensa horizontal ante a cósmica fundura

II

Nada mais que um hausto é o vácuo, e aquela verde plenitude das belas
árvores: um hausto!
Nós, que o hálito inda toca,
que ainda hoje toca, contamos
este vagaroso respirar da Terra
de que somos a pressa

III

Mas os invernos! Oh este secreto
recolhimento da Terra. Quando em volta dos mortos na pura recaída se reúne
a ousadia das seivas,
ousadia de futuras primaveras.
Quando a invenção acontece
sob a rigidez; quando o verde gasto
dos grandes verões
de novo se faz ideia nova
e espelho de pressentimento;
quando a cor das flores
esquece aquele demorar dos nossos olhos.

Rainer Maria Rilke
[Paris, Maio ou Junho de 1925.]

Trad. Prof. Paulo Quintela



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