sábado, novembro 29, 2003

Ao contrário do que se diz, não acho que os portugueses trabalhem pouco:trabalharão mal, de um modo desorganizado e, por isso, trabalharão muitas vezes atabalhoada e desnecessariamente, mas trabalham.
Nas cidades maiores, vivem quotidianos de puro horror, condenados a viagens longas para irem pôr os filhos a creches, jardins-escolas ou escolas, depois para o trabalho, geralmente, em ambientes soturnos.
De há muito que, exceptuadas algumas migalhas de classe média, perderam o hábito de, depois do "emprego", cavaquear um pouco num bar ou num café, de ir ao cinema, ou apenas de passear para "ver montras".
Aqueles que queiram reproduzir quotidianos mais agradáveis que conhecem pela televisão, não têm condições para tal: ganham geralmente mal, as empresas são mal dirigidas - quem se lembra daquele relatório sobre os gestores portugueses? - previlegia-se o "ficar até tarde", o ar atarefado que esteve em moda há alguns anos, na América do Norte. Sucumbe a maioria.
E os mais afoitos que suspiram por um dia-a-dia mais ameno, depressa caem nas malhas da mafia dos "tempos de lazer", que inclui programas culturais, alguns com "motivações" e "animação" para criancinhas (!!!), a "escapadela exótica", com várias horas de avião em classe turística ou, mais domesticamente, "descobertas" de "sabores", de "outros viveres" de "outros tempos": De um modo ou de outro, todas implicam movimentações, balbúrdias, levantares cedo e, na maioria dos casos, maus enchidos ou "souvenirs" etnologicamente correctos, impingidos a preços idiotamente absurdos.
Falo com completo desconhecimento do assunto, senão por vagos relatos que, aqui e ali, e sem qualquer escrúpulo, oiço.

O Impensavel não dá, por isso, quaisquer sugestões para este fim-de-semana prolongado.

P.S. O Impensavel tinha-se prometido, meses atrás, aproveitar os feriados de Dezembro para arrumar umas estantes, mas tratou-se de um dispensável e infantil embuste. Lembrá-lo, eis uma "ocupação" para um fim-de-semana prolongado.

sexta-feira, novembro 28, 2003

O caso Moderna

O Impensavel lembra que no início... No início havia tráficos de armas, maçonarias, tenebrosas conspirações para a tomada do poder, associação criminosa, tráficos de influências, subversão da democracia...
Bem... acabou tudo numas condenações por gestão danosa e alguns crimes de ladroeira comum.
Convirá, ainda, não esquecer, que parte das verbas desviadas foram empregues na compra de carros chamados topo de gama - mas que nem sequer isso são senão para a classe média - e para roupa, não no Poole - onde Eça mandou fazer uns fatinhos, mas nos alfaiates nacionais, que não têm acesso aos melhores tecidos.

No meu tempo, liam-se livros de aventuras, desde Dumas à colecção dos rapazes - de que editora? Esqueço-me e tenho preguiça de ir ver. Quero crer que a geração, ou a meia-geração, abaixo da minha, esta que tanto se entusiasma a descobrir conspirações tenebrosas e ignomínias a cada esquina, leu menos aventuras e que, das séries televisivas, não foram sequer espectadores atentos do Sítio do Picapau Amarelo.
Depois, presas da monotonia, sem defesas, perante a chateza quaotidiana, é o que se vê... surgem cabalas, conspirações, tremendas coisas imaginosas.

quinta-feira, novembro 27, 2003

Ontem dei uma volta pelos blogs, a partir das indicações do Dicionário do diabo - link aqui ao lado.
Visitei o Estrangeirados e encontro, num post intitulado Elogio: "Estou tão contente pela mini-avalanche de visitas nestes últimos dias".
Um português que afirma estar contente, "tão contente" pelas visitas e agradece ainda outras alusões ao seu blog é "avis rara" e merece que se lhe sigam as peripécias em terras estrangeiras.
Já agora e quanto ao rugby: no outro dia lia no Mar Salgado, salvo erro - link ao lado - que o futebol era um jogo de gentlemen jogado por labregos e o rugby um jogo de labregos jogado por gentlemen...

Outro blog que visitei foi o Socioblogue. Esqueçam-se alguns aspectos mais irritantes do vocabulário, os "apelativos" o presentação, sinónimo perfeito de apresentação, e por isso, muito evitável, o mais indesculpável "mostração" ( os neologismos são quase sempre atribuíveis a preguiça e desconhecimento da língua, coisas curáveis) e atente-se, sobretudo, numa genuína boa vontade e esforço do autor.

Revisitei o Flor de Obsessão: durante meses, sempre que tentava aceder ao blog, aparecia-me um post de 30 de Junho, salvo erro, sobre cinema. Lia, por vezes, referências ao Obsessão, ia ver: lá continuava o post do dia 30. Recarregava a página: ainda o mesmo post. Pensei numa mudança de morada, acedia através de "links" de outros blogs, o mesmo post. Desisti. Ontem, sem que nada fizesse, surgiu o blog actualizado (dia 25 de Novembro).
Já agora: também eu tremo com juizes que no CEJ não estudavam - já estudam? - direito constitucional. A necessidade de mudar o modo de recrutamento dos magistrados portugueses parece-me evidente.


No post anterior falo da "noite antiquíssima, rainha destronada"
Mesmo truncada, a citação deveria, por notória, dispensar mais indicações.
É uma imagem de uma extraordinária beleza, uma das mais belas da poesia portuguesa.
Leia-se ou releia-se um pouco mais:

"..............................................................
Vem, Noite antiquíssima e idêntica
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de infinito
..... "
Álvaro de Campos
Ontem a luz da rua colapsou, um breu, como me lembrava era à noite.
E hoje, "parcialmente restabelecida" ainda há o escuro bastante para fulminar todas as metáforas digitais, todos os construídos espantos binários.

Hoje, como ontem, é a "noite antiquíssima, a rainha nascida destronada": morte, silêncio, intactos.

Amanhã, reparada a avaria, volto a ler-vos a aritmética (sépia pálido ou overcoloured).
Sans rancune.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Eu já estava convencido, desde há uma semana, que o America's Cup fugira de águas lusas. Acredito mesmo que a fuga de informação terá tido o seu quê de piedosa, conhecida que já deve ser lá fora a nossa propensão para encarar eventos de excepção ( a Expo98, o Euro 2004) como oráculos, prenúncios onde pensamos vislumbrar sinais da terra de leite e mel em que nos havemos de tornar e que, por pecados nossos, oculta, não reconhecemos - cegos! - nas ânsias do dia-a-dia.
É o messsianismo habitual, nada de novo - embora se fale pouco dele.

Conhecida oficialmente a decisão, por sites, blogs e televisões, se dissertou sobre as vantagens da Tramontana e do Levante valencianos sobre a nossa Nortada, vantagem tão clara e proficientemente reconhecida que faria da candidatura portuguesa, no entanto louvada, uma pura leviandade, desde o início condenada ao fracasso. Descontado, porém, esse senão da argumentação, o intento, manifesto ou inconsciente do discurso é hábil: tratar de mostrar que a escolha não se deveu a falhas nossas, mormente de organização, senão às forças incontroláveis - e injustas - da natureza.
Porém, o jornal francês "Le matin" que publicou a triste notícia, não falou das vantagens dos ventos valencianos, sobre a nossa leal Nortada, mas dos protestos dos pescadores de Lisboa que o governo desalojou.
E que hoje, conhecida a decisão, comemoraram jubilosamente, entre gritos de "é bem feita".
Eu, que desde há uma semana perdera a esperança de ver a Cup em Lisboa, acabei por me rir, com gosto.
O Almocreve, já se sabe, não se esqueceu do aniversário de Eça.
Mas, assim como no dia anterior tinha usado o Ramalho para maltratar a Figueira, usou ontem o Eça para.... para... menoscabo do Eça.
É que tudo, menos inocência, há na escolha do texto, uma soberba desanda no Camilo - que a merecia (e no merecê-la, a esta e outras, está ainda muito da sua grandeza irritante).
O Eça não publicou, porém, aquela carta em vida. Foi encontrada entre os seus papéis. Refere-se-lhe, no entanto, numa carta a Luís de Magalhães, de Bristol, datada de 2 Julho de 1887. Transcrevo: "Não sei se Vossê leu nas Novidades uma prosa de Camilo, com phrases muito janotas e arrebicadas, todas pelo figurino de Filinto Elysio, em que elle se queixava ferozmente de mim. Eu respondi-lhe n’uma epistola, destinada às Novidades, que (para ser modesto) não deixava de ter alguma pilheria. Mas era muito longa, toda a lápis, tinha de ser copiada... e não tive paciência de a pôr em tinta limpa: de modo que guardei um discreto silencio" (in Correspondência, carta XXXV)
Com isto, construiu-se sobre Eça um tremendo processo de intenções (como o meu, ao Almocreve...): que ele, José Maria, ao referir-se à carta-resposta dava a conhecer, por um lado, que Camilo não ficara sem uma - e uma resposta que ele, Eça, atenta a sua modéstia ja proverbial, não deixava de considerar com pilheria - e, por outro, não a enviando impossibilitava a fúria camiliana que não deixaria de se abater sobre ele; ainda que, deste modo, lhe ficaria a pertencer, para sempre, como ficou, a última palavra nas difíceis relações que com Camilo manteve. Acrescente-se a tudo isto, a alguma injustiça de que Eça é acusado - com alguma razão - de ter tratado Camilo e obtém-se o quadro sombrio: aquela resposta não enviada a Camilo seria a feia acção de Eça.
É, de facto, difícil atribuir a mera falta de paciência o não ter passado a carta a limpo... sobretudo para os que pacientemente tentam construir um Eça farisaico, dúplice, que não existiu.
Mas, também, não é difícil crer que tenha sido isso mesmo, falta de paciência.
Parece-me ferocidade bastante.

Para conhecer alguma coisa do episódio, aqui está.
O texto póstumo a que se alude não será esta carta, mas outra em que é feito o convite a Camilo para colaborar na Revista de Portugal, enviada já de Paris, em Novembro de 1888 e que, tanto quanto sei, o autor da Corja recebeu.





terça-feira, novembro 25, 2003

José Maria

A dez minutos do fim do dia, ainda tenho tempo de lembrar Eça de Queiroz, que nasceu há 158 anos, no bendito dia 25 de Novembro de 1845.


25 de Novembro

Lembro-me muito bem do 25 de Novembro de 1975.
Nesse ano, tinha aulas só à tarde. Começavam às três.
Acordei não antes do meio-dia, almocei, presumivelmente, num pequeno café-snack da Duque de Loulé, e fui para a Faculdade, no 38.
Chegado lá, avisaram-me que, dada a situação política, havia uma RGA. Devo ter agradecido o feriado à situação política - que desconhecia, ainda, qual fosse - e resolvi entrar no anfiteatro, para fazer tempo para o lanche na Ferrari - batido com creme, sim - onde ia depois das livrarias e de uma espreitadela à Sabóia e à Picadilly.
Percebi, no entanto, mal entrei, que fora um "faux pas": os meus colegas tencionavam barricar-se para se defender da "investida do capital" e das "forças fascistas", tudo isto anunciado com a alegria de quem se tencionava divertir o mais que pudesse. Temi pelo meu batido de morangos com creme e pelos "Les Rois Maudits", do Druon, de que tencionava ir comprar à Bertrand, na edição da "Livres de Poche", o primeiro volume.
Tendo sempre cultivado na faculdade, o mais rigoroso anonimato, saí sem problemas, durante a apresentação de uma moção de caracter ainda mais bélico do que as anteriores.
Lembro-me que fui a pé, aproveitando a tarde agradável, até as livrarias da João Soares e que espreitei a 111.
Não sei já como, apercebi-me - na livraria? - que se passava realmente qualquer coisa, e apanhei o 38 de volta a casa, deixando a Bertrand para outro dia.
Dir-me-à indignada a minha meia dúzia de leitores que tanta indiferença pela coisa pública à saída dos anos teen - à altura, nem sequer existiam, os anos "teen" - prognosticava um cínico, um indiferente. Talvez, já que foi nessa altura que li, com muito espanto e sincera admiração, os meus primeiros Ciorans; todavia, e em nome da verdade histórica, devo confessar que não posso atribuir aos "Précis de décomposition" a falta de entusiasmo pelo que me rodeava. Se calmamente desci - ou subi, segundo alguns autores - o Campo Grande, devo-o a uma leitura de Engels - se bem que já não me lembre qual - a alguns alvitres de parentas velhas que se resumiam, sabiamente, a contar com o cansaço do povo de Lisboa e com o bom-senso do do resto do país e principalmente, à indignação do sr. Gustavo (nome fictício) que um dia, numa conversa de rua, e a pretexto de se interessar sobre "os estudos" me tentou arrancar uma "consulta": o sr. Gustavo tinha arrendado uma loja de um seu prédio ao sr. Lopes (nome igualmente fictício) que abrira uma firma de electrodomésticos. A coisa sempre tinha corrido bem, o Lopes, respeitador, mas, nos últimos tempos - e foi esta conversa antes do verão temível - tinha junto ao prédio uma autêntica lixeira, caixotes de papelão, embalagens de plástico, que tudo dava um péssimo aspecto à propriedade. Tinha já chamado a atenção do inquilino, mas este desculpara-se com o movimento. Umas semanas depois, encontrei, novamente, o sr. Gustavo e perguntei-lhe pelo lixo. Que tinha desaparecido: a venda de fogões, de máquinas de lavar roupa e loiça era tanta, que já não os desembalavam senão em casa dos clientes.
Munido da certeza - que ao tempo, para mim era uma certa certeza - de que não havia "condições subjectivas" para a "revolução do proletariado", acima de tudo ocupado em apetrechar-se para, confortavelmente, poder ver a "Gabriela" sem estar a pensar na loiça suja e na roupa por lavar, passei o resto da revolução sossegado.

E epílogo? Dos colegas da faculdade e adjacências, alguns tornaram-se crónicos frequentadores de S. Bento, das empresas públicas, ou de capital público, do governo. Os amigos mais pessimistas e que me censuravam o optimismo, nas empresas privadas e no governo, juntamente com os "inimigos" de outrora. As parentas foram morrendo, geralmante conciliadas com o país; o sr. Gustavo também morreu, num cruzeiro, durante umas férias. O sr. Lopes é hoje, um potentado, e sensato, "éminence grise" de vários executivos municipais.
Eu continuo com o meu Cioran.
Tenho os números dos telemóveis de alguns dos sobreviventes, para uma aflição.

segunda-feira, novembro 24, 2003

A gente acorda aqui, à beira do mundo "à séria" (o que começa aqui ao lado, em Espanha), numa segunda-feira de manhã, reúne uns esgares de "ora aqui vamos nós", alguma coisa gastos, o sorriso engelhado, mas é o que há, e dispõe-se a encarar uma nova semana de trapalhadas.
Em vão se prepara - e é isto que Portugal tem de bom: é sempre um pouco pior do que aquilo que possamos conceber.
Eu, por exemplo, acabo de ler que o M.P. pede, no caso Casa Pia, exames físicos aos arguidos. Fica-se logo a pensar que raio de investigação é aquela, parece uma coisa conduziada sem método, sem um rumo, aos solavancos...
Eis um exemplo desse pior que nos surpreende.
Contudo, por vezes, raras vezes, assustamo-nos com boas notícias: as perícias médico-legais aos arguidos, efectuadas oito meses depois de alguns deles se encontrarem presos, destinar-se-ão, segundo algumas fontes, a averiguar dos efeitos fisiológicos causados pela reclusão sem culpa formada na saúde dos prisioneiros.
Os resultados serão publicados num importante jornal médico internacional. Do estudo, participam, entre outros países, a Coreia do Norte e Cuba.


quarta-feira, novembro 19, 2003

Eh bien, mais do que o marialvismo, que é, na sua faceta mais agradável, um protesto não tanto contra o "lá de fora" quanto contra o "novo" importado a trouxe-mouxe, irrita-me a quietação, austera, impediedosa e lisa, circunspecta e receosa, quase supersticiosa que, disfarçada de obesa sensatez perdura ainda (1) entre nós em graus que atingem a omissão criminosa.
Isto a propósito da recusa das "salas de chuto" - ou shut ou shoot - nas prisões, ou de um mero programa de troca de seringas.
Há droga nas cadeias, a par de falta de higiene. Por isso, morre gente. Em face da situação, lamenta-se, lamenta-se com convicção e optimismo - uma forma recente de lamúria nacional - e nada se faz.
E contra isto... contra este mau marialvismo, nada a fazer. Ou tudo, em nome da mera decência.

(1) - por vezes sou acometido por optimismos iluministas.

terça-feira, novembro 18, 2003

Há dias li a notícia da morte do recentemente desaparecido Marquês de Marialva e desde aí­ que tenho pensado sobre o marialvismo enquanto "tradição inventada". Também há tempo, não há muito, tinha relido a "Cartilha do Marialva", do José Cardoso Pires, que não achei tão certeira como da primeira vez que a li, e isto por que, salvo erro, são referidos como "marialvas" comportamentos que não são exclusivos do "marialvismo" português: o desdém pela "cultura livresca" é um deles; outro, a adopção de modos de estar e vestir populares, que encontramos, também, na aristocracia inglesa ou na alemã.
Divertido é o facto do Marquês de Marialva, o 4º, que deu origem ao termo, nada ter de "marialva": era um aristocrata de corte, estribeiro-mór de D. José I, e grande equitador quanto estudioso de mérito da arte equestre, o autor da "Luz da Liberal e Nobre Arte da Cavalaria". Como seu Pai, mas da Rainha D. Maria I foi o 5º Marquês estribeiro-mor; anfitrião, protector e amigo de William Beckford que dele fala com simpatia no seu "Diário", projectava o casamento de sua filha, a futura Duquesa de Lafões, com o milionário inglês. Um seu irmão, pelo casamento, Conde dos Arcos, foi o que morreu em Samora Correia, numa corrida de toiros, episódio que Rebelo da Silva aproveitou para a "Ultima corrida em Salvaterra" e seu filho, último marquês em sua Casa, criança ao tempo da estada de Beckford em Portugal, morreu novo e sem descendência em Paris, onde era Embaixador na Corte de Luis XVIII. Foi por uma sua irmã que o tí­tulo entrou na Casa de Lafões, onde hoje se conserva. Mas, o 2º Duque de Lafões, marido daquela senhora e cunhado e genro dos anteriores, neto de D. Pedro II, o primeiro membro da Casa Real que estudou na Universidade do Coimbra, militar e um dos fundadores da Academia das Ciências, foi patrono das artes e conhecido por essa Europa fora como modelo de aristocrata iluminista. Beckford, que lhe foi apresentado, deixou dele uma descrição saborosa e refere-se ao francês requintadíssimo que falava. Sem resquícios de marialvismo, estes marqueses de Marialva...
Dir-se-ia ser um caso, tão comum, de uma denominação originada muito arbitrariamente, ou nos meros feitos equestres dos 4º e 5º Marqueses, não fosse a gente perceber que, com tal escolha de nome, se pretendeu filiar na aristocracia portuguesa - isto é, tornar exemplares - atitudes, em grande parte posteriores, e que lhes eram - e no séc. XVIII, à grande parte da alta aristocracia portuguesa - estranhas: uma, o desdém pelo que vem de fora; a outra, mais positiva, a rebeldia à  imposição de hábitos novos.
Subsistiu esse abuso: o legitimíssimo asco a Pombal, oculto protagonista na cena entre o 4º de Marialva e Sebastião José, no episódio literário de Salvaterra, não tem por causa o ódio ao novo - que, era, aliás, consumido com alguma avidez, mas o asco pelas prepotências da política pombalina.
A esmagadora maioria dos resistentes à  ditadura de Sebastião José foram pais e avós de liberais, mais do que de apostólicos miguelistas.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Televisão, bom-senso, etc.

O Dr. Pacheco Pereira repeliu, a golpes de senso-comum e sensato bom-senso, as especulações da apresentadora da SIC, sobre o episódio da jornalista referido no post anterior.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, também em nome do bom-senso, fustigou as propostas de alteração dos mandatos dos deputados.
O siso que qualquer parenta mais velha possuía nos meus tempos de criança é hoje apanágio de muito poucos...

Num outro telejornal, enquanto informavam sobre as interessantes novidades de um cantinho mais escuso do nosso Portugal, em rodapé referia-se uma compilação de "cantigas damigo" (sic).
Pensei primeiro - e indignei-me - tratar-se de um pretensiosismo irmão daqueloutro, ortográfico-hollywoodesco, que na busca do "pitoresco e de "ambientes de outras eras" leva a que se escreva "estórias" por "histórias" e outras semelhantes patetices
Depois, serenei: afinal, a coisa pode ser atribuída, felizmente, à lídima ignorância.
Porque ser pessimista?

Uma gloriosa manhã, branda e suave e más notícias: Valência terá ganho a American's Cup. Lisboa, preterida por greves de cacilheiros e outros estorvos do subdesenvolvimento. Diria que tudo condiz, mas é uma desilusão: esperava ser um mirone competente do acontecimento. Resta-me a manhã, o azul pálido e oiro.

Aproveito a desilusão para me dedicar ao bota-abaixismo.
Vi, na televisão, um documentário sobre os médicos do Leste europeu que emigraram para Portugal. Alguns ainda não podem exercer medicina, devido a obstáculos burocráticos - um exame da Ordem do Médicos é um deles. Eu não sei se os nossos médicos são monstros de sabedoria. O que sei - embora de ouvir dizer, devo confessar - é que os cuidados médicos disponíveis em Portugal, não obstante o dinheiro que nos custam, são mauzinhos e, em parte, por falta de médicos.
Lembro-me de ler, já há anos, num artigo de jornal, que Einstein não poderia ser, à luz da legislação em vigor, professor catedrático em Portugal... O autor pretendia demonstrar o absurdo da lei. Idêntico absurdo é este da necessidade de exames na Ordem para licenciados por universidades europeias - ou asiáticas que integravam a antiga URSS.

Por médicos, um apontamento de puro terror que não foi devidamente notado: a jornalista atingida a tiro no Iraque foi, parece que com seu consentimento, trazida do hospital inglês para o Curry Cabral.
Um gesto de heroísmo ou a mesma candura que a levou às estradas do Iraque sem protecção?
Como se diz agora, aguardo os "desenvolvimentos".

quinta-feira, novembro 13, 2003

e Tarde do dia 13

Oiro, azul e cinza, a nitidez difusa do que é efémero.

Leio o Livro da Sabedoria, uma das leituras da missa de hoje: "Ela [sapiência] é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente, pelo que nada de impuro entra nela." - todo o saber, mesmo o mais laico, as posições mais cépticas são tributárias desta concepção: o vocabulário "post moderno", rico em metáforas retiradas à patologia, "contaminado" pela exaltação dessacralizadora, é-lhe, ainda, tributário e, assim, todo o discurso sobre o "pecado" da civilização ocidental.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Manhã cedo do dia 12

Acordo na vizinhança do silêncio.
O cinzento leve da manhã,
e o vão do frio, um grande arco ogival e translúcido
fingem ruínas que começam - ao longe -
a branda obra das horas.

segunda-feira, novembro 10, 2003

O refrigério de Cioran: "L'envie de devenir source de événements agit sur chacun comme un desórdre mental ou comme une malédiction voulue. La société - un enfer de sauveurs! Ce qu'y cherchait Diógene avec sa lanterne, c'est um indifférant... in "Précis de Décomposition"

Depois, quando fechava o livro, para ir jantar: "La découverte de la Vie anéanti la vie", intróito perfeito ao "Monte dos Vendavais" que tenciono começar a reler, ainda uma vez, hoje à noite.

(Cioran era um leitor entusiasta de Emily Brönte - confirmação, mais de que de uma conjectura, de um pressentimento).



sábado, novembro 08, 2003

Encontrei aqui excertos do Diário de António Ribeiro Saraiva - este senhor. Do que escreveu conhecia um ou dois fragmentos de texto; do homem, menos: do seu longo exílio e da muita idade com que em Inglaterra morreu. Quando hoje à  tarde - que foi uma suave tarde de Novembro - lia as suas memórias - organizadas em entradas numeradas e alíneas - encontrei um romântico - não no incapaz sentido em que se usa a palavra corriqueiramente, mas no de alguém que aderiu ao ideário do romantismo: leiam-se as "anotações inglesas" do Diário e, nelas, atente-se ao seu quotidiano londrino, a alguns assuntos sentimentais, tudo inventariado com uma espantosa modernidade romântica - que o Garrett, de que ele desdenha, por seu turno não desdenharia.
Miguelista e romântico, eis uma "avis rara".

As suas anotações portuguesas fazem dele, "malgré lui", um estrangeirado peculiar, um estrangeirado "inglês" que não quer, ao contrário dos propriamente ditos, "educar-nos" mas corrigir a administração caótica...
E, na entrada 23 a) encontro, implícito na comparação que faz do morgado mau administrador com o "homem lavrador, ou doutra profissão das médias da sociedade" - e não com um qualquer morgado bom administrador... - o explícito programa d' Os Fidalgos da Casa Mourisca - um "inconsciente" gosto pelo "fomento" - perdõe-se-me tanta aspa.
Talvez sem dar por isso, pequeno aristocrata de província, filho de desembargador, intérprete do mal-estar classe média citadina e rural, esmagada entre o povo e a aristocracia de corte que domina na administração e nos cargos palatinos, é, a um tempo, um homem dos grandes ressentimentos futuros quanto do passado que quis preservar.
Estado Novo avant la lettre?




sexta-feira, novembro 07, 2003

O Embaixador de Espanha mandou-nos trabalhar mais e reclamar menos - referia-se aos homens de negócio portugueses, mas adivinha-se a intenção generalizadora.
Na substância tem muita razão - mas não toda - na forma, comete uma grosseria, pior ainda, uma falta de caridade: a realidade e Portugal, dão-se mal, há muito tempo.
Ou dão-se bem - como suspeito - que isto é gente reformada do Império, como dizia o outro, do Império que fomos demasiadamente, por falta de que ser.
Não nos podem, por isso, obrigar a muito.
Paguem-nos a tença - com regularidade - e prometemos subsistir ordeiramente - por mofa e escárnio e desprezo.
Mas apenas isso.
Entretanto, por desfastio desta eternidade regrada e chata, expulse-se o Sr. Embaixador e invada-se Espanha.

O Impensavel agradece

O Descrédito! indica o Impensavel na sua lista de blogs dados à reflexão - processo de intenções não isento de alguns perigos.

Fica o agradecimento, sincero.

Um dia explicarei - explicar-me-ei - o motivo de conhecer mal a obra de Sophia de Mello Breyner.

Mas hoje, destino inteiro do dia dos seus anos, este poema.

Este é o tempo

Este é o tempo
Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.


Sophia de Mello Breyner
in Mar Novo (1958)

Aqui.

quinta-feira, novembro 06, 2003

No Mar Salgado, FNV fala sobre a desgraça que é a sinistralidade rodoviária em Portugal.
Defendo, sem hesitações, o agravamento imediato e substancial das punições, até às várias dezenas de milhares de euros, consoante os rendimentos de quem prevarica. Creio que a notícia de uma multa de 20 ou 30, 50 mil euros paga pelo Sr. X evitaria de imediato muitos acidentes. Assim fez a Finlândia - e os países nórdicos em geral - com notável sucesso. Lembro-me ainda de ler no jornal que um dos administradores da Nokia pagou 15 000 contos - sic - de multa por uma infracção cometida de bicicleta...
A Finlândia não tem analfabetos nem ileteracia.
Aqui, com analfabetos e gente que chega às faculdades incapaz de compreender o que lê, tenta-se a educação. Tente-se, também. Mas puna-se.
O resto é gastar cera com ruins defuntos.



O Almocreve das Petas, umas das minhas mais diárias leituras, lembra que fez ontem anos que morreu Raul Brandão, uma das minhas descobertas tardias. Lembro-me de, em férias, comprar o Gomes Freire. Matilde de Melo, que, separada de seu marido, acompanha o General ao serviço do exército francês (?, mas tenho preguiça de ir tentar escobrir o livro...), pareceu-me digna de mais notícia.
Noutro registo, o episódio do coleccionador que teme pelos jarrões quando seu caixão descer as escadas e recomenda cuidado tem-me servido para aferir das verdadeiras vocações.
Um dia, contava este e outros episódios das "Memórias" e recomendaram-me muito cuidado no Raúl Brandão historiador. Já sabia: refere factos de que tive, quando em pequeno me contavam coisas velhas, versões muito diferentes e outros que, vistos à luz de um conhecimento mais pormenorizado ganham outros contornos - não averigua a idade do Marquês de Fronteira, o das memórias, que menciona como um dos subscritores da "manifestação" feita a Napoleão para pedir novo rei - e tinha 7 anos à data.
E Matilde de Melo?

quarta-feira, novembro 05, 2003

Ó LACRIMOSA



I
Ó lacrimosa, que, céu reprimido,
pesas sobre a paisagem da dor.
E quando choras, queda mansa de chuva oblíqua te sopra no areal do coração.

Ó carregada de lágrimas. Balança de todo o pranto! Que te não sentiste céu porque eras clara,
e tens de ser céu por amor das nuvens.

Quão nítido e quão próximo o teu país de dor se faz sob a severa unidade do céu! Como uma face devagar desperta no seu jazer,
que pensa horizontal ante a cósmica fundura

II

Nada mais que um hausto é o vácuo, e aquela verde plenitude das belas
árvores: um hausto!
Nós, que o hálito inda toca,
que ainda hoje toca, contamos
este vagaroso respirar da Terra
de que somos a pressa

III

Mas os invernos! Oh este secreto
recolhimento da Terra. Quando em volta dos mortos na pura recaída se reúne
a ousadia das seivas,
ousadia de futuras primaveras.
Quando a invenção acontece
sob a rigidez; quando o verde gasto
dos grandes verões
de novo se faz ideia nova
e espelho de pressentimento;
quando a cor das flores
esquece aquele demorar dos nossos olhos.

Rainer Maria Rilke
[Paris, Maio ou Junho de 1925.]

Trad. Prof. Paulo Quintela



segunda-feira, novembro 03, 2003

Sacré-Coeur

Atente-se no capítulo V: Jacinto vexado, por alguns "desastres humilhadores" decide vencer as "resistências finais da Matéria e da Força por novas e mais poderosas acumulações de Mecanismos", uma terapêutica homeopática condenada ao fracasso

Os esforços jacintianos provocam em Zé Fernandes o pesadelo que culmina com a visão do Ancião da Eternidade que sobre todo o conhecimento lê Voltaire, o céptico, e sorria, talvez, da nova crença racionalista, apolínea e da ausência de um cepticismo.

E após o pesadelo, a paixão por essa estranha Mme. Colombe, com os seus cabelos imensos, de uma dureza e espessura de juba brava, tal como, na Grécia, as bacantes cobertas de peles de animais, conhecida a afinidade de Dyonisos pelos animais selvagens - tigres em particular ( Mme. Colombe: ironia no nome ou uma ligação que me escapa. Há vários episódios que ligam Dyonisos a serpentes e pombas, bichos de afinidades eróticas conhecidas. Ou simplesmente, a duplicidade do citadino, do domado).

Passada a "sublime sordidez", Zé Fernandes purifica-se através de um episódio de embriaguez em que, muito visceralmente vomita Madame Colombe e se cura do acesso maníaco.
A tempo de salvar Jacinto, que morre dos tédios apolíneos: "Anulado, bocejava com descorçoada moleza. E nada mais instrutivo e doloroso que este supremo homem do séc. XIX, no meio de todos os aparelhos reforçados dos seus órgãos, e de todos os fios que disciplinavam ao seu serviço as Forças Universais, e dos seus trinta mil volumes repletos do saber dos séculos – estacando, com as mãos derrotadas no fundo das algibeiras, e exprimindo, na face e na indecisão mole de um bocejo, o embaraço de viver."

Zé Fernandes propõe, então, uma visita ao Sacré-Coeur.
Visita que quer fazer no interesse da sua (dele, Zé Fernandes) alma. O que é estranho, já que, lá chegado, não gosta da basílica, que não o interessa.
Só recentemente soube que o culto do sacré-coeur é um culto com origem no culto dionisíaco do coração, do coração que palpita (Marcel Détienne, “Dyonisos à ciel ouvert”). O bem da sua alma será restituir Jacinto à dele. E não é o Sacré-Coeur que salva, mas o caminho até lá.
Acompanhemo-los.
“E por fim logo que começámos a penetrar, para além de S. Vicente de Paula, em bairros estreitos e íngremes, de uma quietação de província, com muros velhos fechando quintalejos rústicos, mulheres despenteadas cosendo à soleira das portas, carriolas desatreladas descansando diante das tascas , galinhas soltas picando o lixo, cueiros molhados secando em canos - o meu fastidioso camarada sorriu àquela liberdade e singeleza das coisas. (....) E Jacinto murmurou, com agrado - É curioso.
Exclamação nova em Jacinto.
O que de facto, Zé Fernandes parece ter oferecido a Jacinto naquele caminho é uma nova "categoria epistemológica". Não é o campo que Jacinto encontra, o campo detestado e já conhecido enquanto categoria do conhecimento citadino ("P’ra o campo? O quê? P’ra o campo?!"), mas algo de novo, um "tertius genus" que une e integra o citadino e o "campestre". É esse "novo" que suscita a curiosidade jacíntica, o primeiro elemento a obrigar o príncipe da Grã- Ventura a marcar uma distância em relação ao que o cerca, em recriar a distância crítica em que Warburg veria anos mais tarde o acto civilizacional fundador.
E preparado Jacinto por este primeiro estremeção, criada essa distância Zé Fernandes pode fazer o seu excurso sobre a cidade, do alto do Sacré-Coeur um eloquente convite à liberdade e que, aliás, desmente soberanamente as singelezas de pobre homem das serras. Mas para quê disfarçar agora?
É no regresso do Sacré-Coeur que Jacinto desde há muito sente sede e que, encontrado um velho amigo, lhe apresenta Zé Fernandes com o seu sobrenome francês e "citadino": Fernandes Lorena.

Depois dessa jornada Jacinto é, pela segunda vez, um póstumo.

domingo, novembro 02, 2003

O "who is who" na Cidade e as Serras.

Jacinto mais do que filho póstumo de portugueses emigrados, é o filho da boa ventura, que o fez nascer nos Campos Elíseos, em Paris, no coração da cidade e da civilização - onde se move, príncipe, limpo dos males da hereditariedade, e isento dos males e pequenas dores que afligem os humanos "desde o berço, onde avó espalhava funcho e âmbar para afugentar a Sorte-Ruim, Jacinto medrou com a segurança, a rijeza, a seiva rica d’um pinheiro das dunas. Não teve sarampo, não teve lombrigas. As Letras, a Taboada, o Latim, entraram por ele tão facilmente como o sol por uma vidraça. (...) Na idade em que se lê Balzac e Musset nunca atravessou os tormentos da sensibilidade (...)
Mais: "Sem coração bastante forte para conceber um amor forte, e contente com esta incapacidade que o libertava, do amor só experimentou o mel". E "era servido pelas coisas com docilidade e carinho; - e não me recordo que jamais lhe estalásse um botão da camisa, ou que um papel maliciosamente se escondesse a seus olhos, ou que ante a sua vivacidade e pressa uma gaveta pérfida emperrasse.
Isto é, mais do que bafejado pela boa sorte, Jacinto é, enquanto personagem (quase?) inverosímil, a corporização de um programa civilizacional apolíneo.

Ao invés, Zé Fernandes, é o homem que vem das serras - e este plural é... plural e tão mais significativo quanto na chegada a Tormes, no cântico panteísta que entoa, Fernandes não refere "serras" mas serra: "Aqui vimos, aqui vimos serra bendita".
Mas homem das serras, e tão das serras quanto se quer fazer crer?
Quando se apresenta, afirma ser sobrinho de Afonso Fernandes Lorena de Noronha e Sande. Mas, depois, sempre omite o nome Lorena. Por uma única vez, mas num momento particularmente significativo, quando descem do Sacré-Coeur, Jacinto apresenta-o como "Zé Lorena".
Quem são estes Lorenas, os Lorenas que Zé Fernandes era?
Nada mais do que os príncipes de Lorraine, senhores soberanos, por vários séculos, de uma dessas pequenas nacionalidades medievais que o fim do feudalismo liquidou em benefício dos nascentes estados modernos. Reformados da soberania, os Lorena eram, no entanto, reinantes na Áustria (Habsburg-Lorraine) e em França senhores de várias grandes Casa do ancién régime, a que pertencia, entre outras, a dos Duques de Guise - que tinha dado à Escócia e depois, à França uma rainha, Maria Stuart e, mais tarde, ainda outra: Maria Antonieta.
Ou seja, Zé Fernandes, em Paris era um peculiar "serrano", parente da alta aristocracia francesa (parente, entre outras, da Condessa de Grefullhe que contribuiria para a Duquesa de Guermantes de Proust)
E Eça sabia bem isso: a sua Mulher era, ela própria uma Lorena, desses de que falo... Os Lorenas portugueses nascem de uma aliança de uma filha de Luís de Lorraine, príncipe de Lambesc com o 3º Duque de Cadaval. Descendente desse casamento, um bisavô de Dona Emília de Castro conservava o nome.

Isto tudo para dizer que se Zé Fernandes não mente, oculta. E que, mais do que o portuguesíssimo Jacinto, está em casa, em Paris, na cidade-civilização. Zé Fernandes viaja incógnito, "disfarçado" de português das serras. E, no 202 é o oculto anfitrião do seu anfitrião.

Ora, perito em disfarces e embustes, ocultar-se é um dos atributos de Dionísio.

Que a uma das oposições sobre a qual se constrói a Cidade e as Serras seja a apolínea-dionísiaca é algo que não escapa a Frank de Sousa e não escapou a outros. Talvez tenha passado despercebido, por desconhecimento das geneologias - que Eça conhecia - esse sobrenome da mais alta aristocracia francesa entre os do narrador que, impressionado, murmura "Caramba!" ante os requintes do filho de Cintinho e Teresa, o serrano Jacinto de coração fraco, não era obra do acaso.

Li agora no Causidicus que o IPPAR não se retracta no episódio Harry Potter.

O Impensavel tinha-se perguntado, no passado Domingo, dia 26, se seria alguém demitido. De facto, a pergunta era mera retórica: para que alguém fosse demitido - ou por qualquer modo responsabilizado - seria necessário que o que se passou fosse percebido como indigno e afrontoso, mesmo que tardiamente, por quem tem a responsabilidade do Panteão Nacional ou neles manda.
O que, cá por coisas, me pareceu tarefa difícil.

E hoje, para os católicos, dia de Fiéis Defuntos - e foram católicos quase todos os que lá estão - naquele cemitério haverá, talvez, os habituais espectáculos de fantoches para a garotada.
Está aqui.