Ilustre-se o dito no blog anterior.
O narrador, Zé Fernandes, começa por falar no avô de Jacinto, mas em meia dúzia de parágrafos, aliás, quatro, "resolve" toda uma geração (mantenho a ortografia, a da edição que existia e de que gosto mais do que a actual):
" E sob o pesado ouro dos seus estuques, entre as suas ramalhudas sêdas se enconchou, descançando de tantas agitações, n'uma vida de pachorra e de boa mesa, com alguns companheiros d'emigração (o desembargador Nuno Velho, o conde de Rabacena, outros menores), até que morreu de indigestão, d'uma lampreia d' escabeche que lhe mandára o seu procurador em Monte-mór. Os amigos pensavam que a snr.a D. Angelina Fafes voltaria ao reino. Mas a boa senhora temia a jornada, os mares, as caleças que racham. E não se queria separar do seu Confessor, nem do seu Medico, que tão bem lhe comprehendiam os escrupulos e a asthma.
- Eu, por mim, aqui fico no 202 (declarára ella), ainda que me faz falta a boa agua d' Alcolena . .. O 'Cinthinho, esse, em crescendo, que decida.
O 'Cinthinho crescêra. Era um moço mais esguio e livido que um cirio, de longos cabellos corredios, narigudo, silencioso, encafuado em roupas pretas, muito largas e bambas; de noite, sem dormir, por causa da tosse e de suffocações, errava em camisa com uma lamparina atravez do 202 ; e os criados na copa sempre lhe chamavam a Sombra. N'essa sua mudez e indecisão de sombra surdira, ao fim do luto do papá, o gosto muito vivo de tornear madeiras ao torno; depois, mais tarde, com a melada flôr dos seus vinte annos, brotou n'elle outro sentimento, de desejo e de pasmo, pela filha do desembargador Velho, uma menina redondinha como uma rola, educada n'um convento de Paris, e tão habilidosa que esmaltava; dourava, concertava relogios e fabricava chapéos de feltro. No outomno de 1851, quando já se desfolhavam os castanheiros dos Campos Elyseos, o 'Cinthinho cuspilhou sangue. O medico, acarinhando o queixo e com uma ruga seria na testa immensa, aconselhou que o menino abalasse para o golfo Juan ou para as tepidas areias d' Arcachon.
'Cinthinho, porém, no seu afêrro de sombra, não se quiz arredar da Therezinha Velho, de quem se tornára, atravez de Paris, a muda, tardonha sombra. Como uma sombra, casou; deu mais algumas voltas ao torno; cuspiu um resto de sangue; e passou, como uma sombra.
Tres meses e tres dias depois do seu enterro o meu Jacintho nasceu.”
A morte do pai de Jachinto e antes os seus amores, o seu casamento e a apresentação da mãe de Jacintho - de notar a estranha vocação - são apresentadas quase como meras justificações da permanência da família no 202, fecha a introdução e ainda no mesmo parágrafo apresenta-nos o tema: um "meu Jachinto" desambaraçado de progenitores, de que o narrador se irá ocupar.
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