Tente-se mandar fazer alguma coisa: arranjar um vidro partido, uma janela, qualquer coisa da casa de banho e pasme-se, meditabunde-se, sobre a fonte de humilhações, aflições e canseiras que essa ambições comedida é: primeiro, surgem os orçamentos 60 mm, som stereo, tecnhicolor, que exigem de nós o trabalho imenso - e é um trabalho imenso - de explicar que não se pretende reeditar Cleopatra, ou pelo menos, parte do cenário, que estavamos mais a pensar num 16 mm, P&B, intimista. Desaparece, nesta altura, grande parte dos pretendentes. Descobriremos, mais tarde, que não eram os piores, que os que ficaram são os verdadeiros killers, dotados de um infalível instinto assassino, mas acobertado sob uma capa de bom senso e de compreensão.
Libertemo-nos ainda destes últimos (admitindo que isso é possivel): que fiquem, da multidão inicial, quatro ou cinco em quem depositaremos todas as nossas esperanças. O problema é que, como logo descobriremos, eles não tencionam fazer seja o que for: somos, para eles, um passatempo, e os nossos apelos lancinantes são motivo para elaborados exercícios de pensée sauvage. Creio, aliás, que estão combinados entre eles e que, no fim de semana, com os telemovéis desligados, comentarão, entre si, as nossas manobras mais inteligentes para obter uma torneira que não pingue ou, simplesmente, apostar sobre o momento que em que se desvanecerão quaisquer résteas da nossa dignidade.
Os estrangeiros que aqui vivem e que passam por estas situações aproveitam para escreverem livros bem-humorados sobre a coisa (ideia que ainda ontem me ocorreu, quando a torneira da casa de banho iniciava o seu sound workshop nocturno). Acontece, porém, que a consciência de sermos cúmplices da situação nos tira a distanciação irónica ou a bonomia para escrever about com algum wit vendável.
É preciso sofrer, sofrer lusitanamente, entre assaltos de descrença e erupções de confiança e fé; no intervalo, rezar e praguejar.
Vou-me munir da novena de S. Judas Tadeu, o santo das causas perdidas.
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