quarta-feira, maio 19, 2004

No Abrupto encontrei um poema de Anne de Noialles e esta tarde que ia plácida e sem rumo por entre o calor (que, helàs! não é um puro calor de Maio, mais súbtil e brando que este que faz), zarpou (pega-se numa metáfora inicial e vá de a esgotar até à náusea, procurando "efeitos": assim se escreve mal), retire-se o zarpou, e enfim, o que queria dizer é que me pus a pensar no triste destino da culture française, isto é, parisiense e que, tirando o côté jacobino, é aristocrática, elitista e, por razões de geografia, cosmopolita. Hoje, que Paris não é o já o centro do mundo, le lieu à rendez-vous (honis soyt...)da inteligência, as Viscondessas de Noialles desprovidas de Bunuels e as Condessas de Grefulhes/Guermantes sem Prousts a quem expliquem as relações necessárias do amor a propósito da polinização de uma solitária planta no seu jardim são impossibilidades civilizacionais, luxos incomportáveis.
Não apenas elas, em si, mas o mundo que as produziu e que era o mesmo em que viveu ainda Valéry, os Goncourts de quem Proust troça nos seus pastiches, Rostand ou Cocteau e que se vai tornando uma realidade incomensurável.
Em Portugal não existiu tal mundo, por motivos que poderiam elencar os dados a exercícios de humilhação - actividade de todo desaprovável numa tarde de Maio - mas existia um outro que admirava aquele e sofria com as intransponíveis diferenças. Mas também esse é, já hoje, para a maioria de nós, um mundo perdido e inexplicável.
A tudo isso sucedeu este, em que vivemos, povoado por crenças tecno-populares de aldeões citadinos (seja lá o que isso possa ser).
Cada vez menos as manhãs são a "fraîche renaissance", senão o retomar do cansaço, sans panache.

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