Com o sol-pôr volto para casa.
Fecho as janela, ligo os aquecedores, arrumo o livro que deixei aberto e que hoje já não vou ler. O frio dissipa-se em veios lentos e finos e neles se dissolvem, também, ténues, os restos da minha ausência, as horas que passaram e foram aqui a tarde que não estive em casa.
O dia foi discreto, bom, calmo. Lembrei-me sempre do quadro que, logo de manhã, pus aqui. Amanhã quero pôr outro e dizer quem é o autor, galês e do Séc. XVIII. À volta dele e dos britânicos e das viagens em Itália passei hoje o tempo. Por ele me lembrei de Beckford - que preferiu o pitoresco português; da Nossa Senhora Rosa, de Rafael que vi na National Gallery, comprada por um duque inglês em Itália - ou por um marchand a soldo.
Até Ary dos Santos ( o Almocreve não se esqueceu) foi mais o descendente das avós italianas setecentistas que teve e o avô dele diplomata lá, do que o poeta que hoje faz anos que morreu.
Vejo no Abrupto e no Bomba Inteligente a "polémica" sobre a tradução do poema de Cavafy. Recorro à minha tradução de Yourcenar e Dimaras (Gallimard) em que pela primeira vez o li, no Verão de 1982.
Deixo-a aqui. Tem, sobre a tradução de Joaquim Manuel Magalhães a vantagem de guardar a limpidez do matinal e do fortuito a par de uma concisão de sentido que esta, sendo-lhe embora próxima, parece não desejar (e.g. "e não aqui também os meus devaneios" que em Yourcenar é um mais claro e unívoco "et non pas seulement mes illusions")
Ah, mas o que me afasta da tradução de J.M.M. é isto: "modelos da volúpia". Lembra-me uma carta comercial: "Junto remetemos 25 modelos de volúpia".
A tradução de R. M. Sulis é áspera e angulosa.
Mer au matin
Que je m'arrête ici!... Et qu'à mon tour je contemple un peu la nature... Belles couleurs bleues de la mer matinale et du ciel sans nuages... Sables jaunes... Tout cela, éclairé avec grandeur et magnificence... Oui, m'arrêter ici, et me figurer que je vois ce paysage (á la verité, j'ai aperçu en arrivant, et l'espace d'une seconde), et non pas seulement mes illusions, mes souvenirs, mes voluptueux fantasmes...
Constatin Cavafy.
[Releio e quase "reconheço", em parte, o lamento e a censura de Rilke: "Ó velha maldição dos poetas, /que se lamentam quando deviam dizer/ (...)/ Eles usam a língua para descreverem onde é que lhes dói/Em vez de se transmudarem em palavras(...)]
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