Acordei bem disposto. Se o acordar pode ser prenúncio do dia, quão erroneamente acordei...
Vejamos: ainda agradavelmente sonolento fui arranjar um café, que trouxe para sala e pus na mesa, em frente ao cadeirão. Senti o toque na manga do roupão. E depois, em câmera lenta, assisti ao déluge! O café parecia ter fortes ímpetos distributivos: depois de se derramar sobre o meu roupão atingiu o sofá, tapetes, outra mesa e, nela, toda a papelada que eu deixara cobardemente acumular dentro da taça que está ao meio. Salpicou livros: Berlin e Mann e, menos severamente, a Expiação do Ian McEwan. O pano da camilha - artefacto provinciano onde os provincianos vivem provincianamente no Inverno - é, claro está, branco sujo - e o café não o melhorou. Numa primeira reacção, depois da catástrofe, admirei o que pode fazer um cafezinho contido num xícara tão pequena (cheguei a pôr mesmo a hipótese de haver um fundo falso...): toda a sala me pareceu salpicada. Hesitei entre sentar-me e chorar - chorar longamente - ou ir buscar "coisas" para limpar aquilo. A lembrança de que o cadeirão - que mandei forrar o ano passado - tinha sido fumigado com um produto anti-nódoa e que havia algures um manual a consultar aquietou-me e deu-me ânimo: nada mais interessante do que um manual e um pouco de labor hermenêutico para nos dar a sensação de que a ordem vai regressar e que os nossos piores medos não têm razão de ser. Encontrei o manual - sintético, 1 folha - e parti para a cozinha, já mais animado, em busca de uma tijela que teria de encher de água rigorosamente morna e espuma de detergente (interroguei-me se da loiça se da roupa, mas parece que é indiferente, é mera espuma e gostei deste pormenor simpático)
Muitos vexames depois: creio que debelei a coisa. Descobri, entretanto, que o forro do cadeirão está puído nos braços, pior, apenas num braço! Atendendo à quantia verdadeiramente escandalosa que tive de desembolsar pelo tecido é um escândalo - não vale a pena consultar os preços das etiquetas: um bem elaborado código impede qualquer cálculo certeiro sobre o valor final: há alturas, tem que se ter atenção às larguras e há ajustes, acertos (que variam segundo o padrão do tecido...) e creio que ainda outras armadilhas. A coisa atinge alegremente somas alucinantes e quando dizemos que "nem pensar!" somos conduzidos para outro catálogo onde vemos um tecido muito mais barato, de que sensatamente gostamos, e tudo acaba por ficar mais caro, um pouco mais de 100 ou 200 euros do que aquele, caríssimo, que tínhamos visto primeiro e puseramos logo de parte. Foi a largura, foram os acertos?... Bem, mas este sofá foi forrado há tão pouco tempo, como pode estar puído, por pouco que seja??? Protestarei por telefone (ir à loja é uma péssima solução que nos mete em despesas inesperadas - acreditem).
Depois destas atribulações corri para o duche e resolvi experimentar, à saída, a minha colónia nova, reconfortantemente inglesa, usá-la terapeuticamente, como calmante e revigorante. Erro: de imediato fui imerso num intenso e apavorante cheiro a tintura de iodo e obturaçao dentária dos finais dos anos 60 do século passado que me trouxe à memória o meu problema com a minha dentista (em suma: ando a monte, fugitivo dos cuidados dentários) que não posso adiar mais: terei de me entregar em breve às selvajarias da estomatologia. Este pensamento tem-me envenenado o sábado, e não tenho sequer o meu sofá - ainda está molhado - para nele sofrer.
Se me acontece mais alguma coisa desagradável hoje creio que amuarei por todo um mês.
Vejamos: ainda agradavelmente sonolento fui arranjar um café, que trouxe para sala e pus na mesa, em frente ao cadeirão. Senti o toque na manga do roupão. E depois, em câmera lenta, assisti ao déluge! O café parecia ter fortes ímpetos distributivos: depois de se derramar sobre o meu roupão atingiu o sofá, tapetes, outra mesa e, nela, toda a papelada que eu deixara cobardemente acumular dentro da taça que está ao meio. Salpicou livros: Berlin e Mann e, menos severamente, a Expiação do Ian McEwan. O pano da camilha - artefacto provinciano onde os provincianos vivem provincianamente no Inverno - é, claro está, branco sujo - e o café não o melhorou. Numa primeira reacção, depois da catástrofe, admirei o que pode fazer um cafezinho contido num xícara tão pequena (cheguei a pôr mesmo a hipótese de haver um fundo falso...): toda a sala me pareceu salpicada. Hesitei entre sentar-me e chorar - chorar longamente - ou ir buscar "coisas" para limpar aquilo. A lembrança de que o cadeirão - que mandei forrar o ano passado - tinha sido fumigado com um produto anti-nódoa e que havia algures um manual a consultar aquietou-me e deu-me ânimo: nada mais interessante do que um manual e um pouco de labor hermenêutico para nos dar a sensação de que a ordem vai regressar e que os nossos piores medos não têm razão de ser. Encontrei o manual - sintético, 1 folha - e parti para a cozinha, já mais animado, em busca de uma tijela que teria de encher de água rigorosamente morna e espuma de detergente (interroguei-me se da loiça se da roupa, mas parece que é indiferente, é mera espuma e gostei deste pormenor simpático)
Muitos vexames depois: creio que debelei a coisa. Descobri, entretanto, que o forro do cadeirão está puído nos braços, pior, apenas num braço! Atendendo à quantia verdadeiramente escandalosa que tive de desembolsar pelo tecido é um escândalo - não vale a pena consultar os preços das etiquetas: um bem elaborado código impede qualquer cálculo certeiro sobre o valor final: há alturas, tem que se ter atenção às larguras e há ajustes, acertos (que variam segundo o padrão do tecido...) e creio que ainda outras armadilhas. A coisa atinge alegremente somas alucinantes e quando dizemos que "nem pensar!" somos conduzidos para outro catálogo onde vemos um tecido muito mais barato, de que sensatamente gostamos, e tudo acaba por ficar mais caro, um pouco mais de 100 ou 200 euros do que aquele, caríssimo, que tínhamos visto primeiro e puseramos logo de parte. Foi a largura, foram os acertos?... Bem, mas este sofá foi forrado há tão pouco tempo, como pode estar puído, por pouco que seja??? Protestarei por telefone (ir à loja é uma péssima solução que nos mete em despesas inesperadas - acreditem).
Depois destas atribulações corri para o duche e resolvi experimentar, à saída, a minha colónia nova, reconfortantemente inglesa, usá-la terapeuticamente, como calmante e revigorante. Erro: de imediato fui imerso num intenso e apavorante cheiro a tintura de iodo e obturaçao dentária dos finais dos anos 60 do século passado que me trouxe à memória o meu problema com a minha dentista (em suma: ando a monte, fugitivo dos cuidados dentários) que não posso adiar mais: terei de me entregar em breve às selvajarias da estomatologia. Este pensamento tem-me envenenado o sábado, e não tenho sequer o meu sofá - ainda está molhado - para nele sofrer.
Se me acontece mais alguma coisa desagradável hoje creio que amuarei por todo um mês.
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