Miséria
Era já noite cerrada,
Diz o filho: "Oh minha mãe,
Debaixo d'aquella arcada
Passava-se a noite bem!"
A cega, que todo o dia
Tinha levado a andar,
A taes palavras do guia
Sentiu-se reanimar.
Mas saltam dois cães de gado,
Que eram como dois leões:
Tinha-os à porta o morgado
Para o guardar dos ladrões.
Tornam os pobres à estrada,
E aonde haviam de ir dar?
Ao palácio da tapada
Onde el-rei ia caçar.
À ceguinha meia morta
Torna o filho: "Oh minha mãe,
Ali no vão de uma porta
Passava-se a noite bem!"
- Se os cães deixarem... (diz ella,
A triste n'um riso amargo),
Com effeito a sentinela:
- "Quem vem lá?... Passe de largo!"
Então ceguinha e filhinho,
Vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até romper a manhã!...
João de Deus
1 comentário:
Obrigado!
conheço este poema desde a minha instrução primária no Alentejo, onde o disse e recebi as primeiras palmas da minha vida!
Obrigado!
Muito humano e belo!
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