segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Tarde áspera, em trazer o vento algumas flores se pressente a rudeza do começo da primavera, a severidade da cria, a brutalidade do recém-chegado.
Eu, por mim, "...oiço passar o vento, /E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido."

sexta-feira, fevereiro 25, 2005



Sexta-feira, dia de limpezas, lavo os olhos neste Cézanne
(pertença do MOMA, Nova York.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Por mais que se queira, não se escapa ao barulho em volta mas, instalado já na minha nova qualidade de pré-socrático em que as recentes eleições transformaram tudo o que até agora fui, volto ao meu agradável dia-a-dia de desterrado.
Hoje ri muito com esta - que me há-de servir para muitos jantares - e aconselho a leitura do artigo inteiro: As late as 1904, when King Lear was staged for the first time in Paris, Kent’s lines at the height of the storm, “The tyranny of the open night’s too rough / For nature to endure” became “Il n’est pas possible de rester plus longtemps dehors.”

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Acabo de saber que Sócrates foi um entusiasta da realização do campeonato da bola "Euro 2004". Relembro a entrevista de Medina Carreira e preparo-me para o pior.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Aí também está a trovejar?
O correspondente da TV5 explicava, anteontem, aos seus espectadores que a a votação no PS não correspondia a qualquer opção ideológica enm reflectia uma realidade sociológica. Tratava-se apenas de substituir um primeiro-ministro que não parecia fiável por um outro, tecnocrata mais competente para tomar as decisões que tirem o país da crise.
Isto tudo, dito em bom francês (o que é agrádavel, à falta de bom português) parece-me evidente (apenas tenho algumas dúvidas quanto à competência e coragem). Estranho, por isso, alguns júbilos (não me refiro àqueles que resolveram já, por via eleitoral, problemas de emprego e férias no estrangeiro), mas de gente inteligente.
Entretanto, registei que um entrevistado de rua considerava o próximo primeiro ministro "distante" ou "frio": é que o actual desejo "regenerativo" (ou seja, de uma nova reinauguração dos tempos - mais uma...)contém, também, embutido, o de que seja "um tempo de toda a gente" de que o passado de vida alegre de Santana Lopes o afastava, tanto quanto, antes dele, a pose de estado de Barroso, pecado grave no país da vulgaridade sisuda e do compadrio da inveja.

Ontem, noite agradável, com Moody Blues e Eliot.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Ontem, numa reportagem de rua, vi alguém feliz com a vitória do P.S. porque assim voltará o emprego - não era cargo, era emprego. A magia é isto: a transformação fanástica - fácil e a nós externa - do real.
Em Portugal, as eleições, ou algumas delas, são manifestações mágico-sebastianistas, tão mais poderosas quanto o soberano usurpador é mau ou fraco.

sábado, fevereiro 19, 2005

Neste bom tempo há já alguma coisa de árido e de desagradavelmente grátis: não o podemos tomar como recompensa dos dias invernosos, da chuva e das ventanias e esta bonança sem tempestade cansa e entedia. O frio mesmo tem abrandado e toda esta superabundante amenidade não contribui para dissipar o spleen.
Tenho saudades de uma boa noite de chuva. Tenho-as até, daqueles dias de aguaceiros monótonos e tristes que nos acinzentam a alma.
Este blog tem-se ressentido de tanto azul, deste clima celestial, desta amoralidade e está uma enfadonha coisa, o que não me admira: sinto-me enfadonho, gloomy.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Vi ontem, na Sic, o Doutor Medina Carreira.
Os dados são aqueles, as questões a discutir são aquelas, mas estamos tão longe disso...
Numa única coisa discordo do DR. Medina Carreira: não é previsível que surja o homem providencial, ou a elite providencial que ponha "isto" no bom caminho. Eu, que me surpreendo, por vezes, a cultivar uma espécie de determinismo optimista - vexante confissão para um conservador - creio hoje que tal homem, tal elite podem não aparecer. Tal optimismo, tal esperança parecem-me mesmo, perigosos e de mau agoiro.
O nosso destino pode bem ser o do aniversariante de Campos: o de sermos póstumos, sobreviventes de nós mesmos.
De péssimo humor, retiro-me para o fim de semana.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

A visitar: Fundação Eça de Queiroz.
E tornar-se sócio da Associação dos Amigos de Eça que a apoia, e introduzir alguma saudável incoerência neste país evitando que a Fundação feche portas - o que, como se perceberá, sendo muito condizente connosco, não deixa de ser muito triste.

domingo, fevereiro 13, 2005

Antes de ir para a cama: o "post" de há pouco é ilustrativo de uma "loucura mansa" que por vezes me toma. Fico quedo, mas com optimismos malsãos: a ideia de subscrições nacionais "patrióticas" para comprar quadros ultrapassa, em delírio, as idênticas do séc. XIX que promoveram a compra de navios de guerra destinados, julga-se, a retirar à Inglaterra o domínio dos mares... Comprou-se, para isso, e daquele modo, o Adamastor, um cruzador melancólico.
E eu, que querem, já me imaginava nas Janelas Verdes, a ver um Canaletto... E um Guardi (já que se estava com a mão na algibeira e na massa...).
Com o sono veio, porém, a lucidez.

sábado, fevereiro 12, 2005

Li aqui que a colecção que pertenceu a António Champalimaud vai sair de Portugal. Lamento muito, principalmente o Canaletto pintor de que gosto e de quem, conforme a notícia, não há qualquer tela nos museus portugueses.
Que fazer? Nada do que estão a pensar... Nem arrolamentos, nem confiscos. Apenas se poderia pedir aos herdeiros que dessem a Portugal o direito de preferência na venda que será feita. Ninguém perderia com isso, salvo o comprador estrangeiro que licitasse mais alto a obra. Mas esse perderia apenas uma oportunidade, não dinheiro.
E o dinheiro, de onde viria? Creio que se poderia criar um fundo para tal, aberto às contribuições de todos. É assim, julgo, que se faz lá fora.
Alguém interessado?
Eu sei, eu sei, é um assunto de somenos.
É?

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Com a noite, ontem, apareceu o spleen e, para o dissipar, mergulhei numa leitura mêcanica da correspondência de Eça, que estava ali, à mão de semear, e fui pela madrugada dentro. Acabei por recuperar a boa disposição, que veio sob a forma de uma honesta e firme sonolência, depois de muito rir com a confissão de Eça a sua Mulher de que estava bem mais preocupado com os seus negócios do que com os do país, então (1890), como agora, em estado pouco recomendável. Um pouco à frente, encontrei o relato das conversas entre El-Rei D. Carlos e Oliveira Martins em que ambos admitem a sua impotência perante a choldra. É bom reler estas coisas, para vermos que não piorámos, afinal, tanto. Não que sirva de verdadeiro consolo, mas faz-nos estar de guarda, e lembra-nos que esta gente é perigosíssima e que todos os cuidados são poucos (incluindo aqueles a ter com a carteira).

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

O Tasca da cultura linkou o Impensavel que, muito obrigado, agradece.
Hoje acordei muito bem disposto e de bem comigo e foi feliz e contente que me resolvi a encarar o mundo. Banho tomado, bebia o meu café matinal enquanto espreitava o Bloomberg e a CNBC quando li a notícia: o Príncipe de Gales vai casar-se. Congratulei-me: gosto do Prícipe Carlos, partilho algumas das suas preocupações quanto à arquitectura actual e à agricultura biológica e invejo-lhe benignamente o impecável gosto para coletes; e também simpatizo com a futura Duquesa da Cornualha que me parece quintessencialmente britânica e continua a fumar desalmadamente, indiferente ao ditatorialmente correcto.
Gostaria, ainda, de saber alguma coisa dos bastidores: que discussões houve na Igreja Anglicana e como chegaram à posição de neutralidade perante o casamento, reacções de políticos, de constitucionalistas, consultas que foram feitas, etc, etc. Afinal, é uma decisão difícil, tomada numa democracia "a sério" num país de primeiro mundo "a sério" e seria interessante ver como tudo funciona.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Quarta-feira de Cinzas. Entre o anúncio da vida que volta (há minúsculos rebentos na cerejeira em frente da janela) a proclamação da brevidade da contingência, da vaidade, do culto do acessório. O Vanitas vanitatum et omnia vanitas do Ecclesiastes não é uma sentença condenatória mas um convite ao essencial que está em nós, mas para além de tudo e do que sabemos mais facilmente amar - ritos diários, apegos, os hábitos (mesmo o de ser "deste" modo) onde nos incrustamos.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005


Pablo Picasso, Arlequin, 1923
Charlotte e JAC, tornados em albergues de micróbios, lamentam-se. O Impensável estima, a ambos, as melhoras e lembra-lhes Álvaro de Campos:

"Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos com a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Doi-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina"

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Maria Filomena Mónica adverte sempre que o séc. XIX que vemos através de Eça não era tão sombrio como este o pintou. MFM diz isto um pouco por ser verdade, outro tanto por fidelidade à sua paixão por Fontes Pereira de Melo. Hoje li o artigo de Vasco Pulido Valente - que creio, será uma das luzes a que daqui a um século se verá e julgará o Portugal de hoje e pergunto-me por quem se poderá retrospectivamnete apaixonar uma bisneta de MFM para que sinta sempre a necessidade de dizer a quem se prepare para ler então VPV: "mas tenha algum cuidado, eles não eram assim tão maus, não era «tão assim» como ele diz".

P.S. O "debate" de ontem foi pouco divertido. Essencialmente tratou-se de ouvir "murmúrios na multidão em forma de hamburguer para dois violões"

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

O Epicurtas linkou este blog.
O Impensavel agradece, muito obrigado.
Leio no Público, no "Dicionário de Campanha" de JPP o verbete Educação e formação profissional que, segundo o autor, primam pela ausência. Tem razão. O mais triste é que podem estar ausentes sem que, aparentemente, a gente estranhe ou se incomode. Eu não estranho: para mim, é já uma certeza que Portugal falhou, no essencial, a aproximação à Europa. A aversão ao risco é uma evidência e o sistema de ensino forma gente acomodada e que, acima de tudo, dependa "disto" assim como está. Que tudo tenha um ar mais "europeu e modernaço" é um facto. Mas é uma espuma ténue, à superfície. Portugal continua arcaico, pesado, dominado por inércias rurais: idolatra-se o estado, dele se espera, afinal, tudo - e neste tudo, o emprego (ou o subsídio, para os mais "arrojados"). E nisto, neste esperar pela benesse, pela arrumação nalgum "lugar que vai abrir agora" há, pelo menos, alguma sinceridade. Mas dispensa a "formação profissional".
Que espantosa tarde! Olhei - pela primeira vez, este ano - para a cerejeira, mas nada: o silêncio é total, tudo se passa ainda longe de nós.
Releio o post anterior e suspeito-me de amolecimento cerebral. Preciso ir arejar. Mas onde??? Viajar tornou-se um tique quase insuportável, não há ninguém que não tenha acabado de chegar não sei de onde e pronto a contar-nos as suas "impressões", quer queiramos quer não. É uma praga que, espero bem, a crise económica atenue.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Recebi, com uma antecedência enorme, o meu novo cartão de crédito 2005/2007.
Breves reflexões, a propósito, sobre a brevidade das coisas, "maxime" para os colarinhos das camisas e se será mero bom senso ou moderna agressividade comercial a nova política do camiseiro quanto aos colarinhos substitutos. Divagação adicional sobre se é teimosia ou mera preguiça não ter ainda ido a Lisboa este ano de 2005. Anoto a compra da nova biografia de Kierkergaard. Contemplo a mistura de preocupações, fico a admirar o "efeito" no blog e, tolamente, acho isto muito "moderno". Decido deixar ficar o "tolamente", lembrado de máxima de La Rochefoucould: "nous n'avouons jamais nos defauts que par vanité". Mas a modernidade, ou antes, o moderninho, é vaidoso.
Fevereiro, Março e Abril, a minha "Lord Emsworth's season" - se é possível destacar algo que se pareça com uma season do meu insípido e monótono quotidiano.
"Quem é Lord Emsworth?" - perguntar-se-ão os mais esquecidos. Relembro: uma personagem do P.G. Wodehouse:
"Other people worried about all sorts of things - strikes, wars, suffragettes, diminishing birth-rates, the growing materialism of the age, and a score of similar subjects. Worrying, indeed, seemed to be the twentieth century's specialty. Lord Emsworth never worried."

terça-feira, fevereiro 01, 2005

De tempos a tempos, faço uma visita ao Barnabé e hoje, nem de propósito: encontrei um post assinado por joaomacdonald em que se interroga por que o motivo a "direita" (aspas minhas) "não se reclama também herdeira das lutas que libertaram o país (...) da monarquia".
Refere-se à monarquia parlamentar, constitucional, que, com altos e baixos, foi a portuguesa desde 1834 até 1910.
Ora, acontece que derrubar um regime parlamentar não deve constituir no meu modesto entender, motivo de orgulho.
Quanto à monarquia, parece concebê-la como uma antiguidade histórica a ser substituída por uma república que, ao que consigo deslindar do que li, lhe parece mais "moderna".
Não sei de onde possa ter surgido tal ideia, mas teria alguma graça comparar a legislação portuguesa saída da actual república com a da monarquia inglesa, por exemplo. Proponho que comece pelo processo penal, sempre um bom instrumento para aquilatar dos direitos efectivos das pessoas em relação à autoridade (e abuso dela). Saberá quanto tempo pode um desgraçado súbdito britânico estar preso sem acusação? E um orgulhoso cidadão português? Ah!, aconselho uma investigação. Aconselho vivamente.

Há 97 anos, no dia 1 de Fevereiro de 1908, foram assassinados El-Rei D. Carlos e o Príncipe Real, D. Luís Filipe.
O Rei D. Carlos I era um artista e um homem de ciência, culto e cosmopolita.

Os políticos de então, esses, eram mais ou menos como os de hoje.