A verdade é esta: apesar do meu pessimismo congénito, que as minhas lucubrações de anos apenas agravaram, resolvi fazer obras em casa. Para quê sujeitar-me a essa devastação ruinosa? Creio que pelo dever, o dever de preservar e transmitir o que recebi e que acabou por sair vencedor da minha crença sobre a inutilidade daninha da generalidade dos actos humanos. Mas vem isto à colação para dizer que acordei hoje, ainda não eram sete da manhã com o barulho do reboco a ser picado. Levantei-me e, em roupão, fui espreitar. E, minhas senhoras e meus senhores, que magnífica manhã, suave, amiga, perfumada! Voltei reconciliado com o não sei quê de bonomia que conservo, apesar de tudo, uma crença difusa e ingénua na bondade que pode existir nalguns momentos raros.
Mudei de quarto, para outro mais longe do barulho reconfortante da reparação e continuei o sono, um sono denso e feliz que há tempos não sentia.
Agora estou aqui, na tarde tão agradável de Maio, a ganhar coragem para ir lá fora dizer ao Sr. Paulo que barulho àquela hora, nunca mais.
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