Os restos de um dia de chuva
(...) " Mas temo que a alusão às minhas páginas que leu contenha um mal-entendido. A lembrança [souvenir] a que dou tanta importância não é, de modo algum, o que se chama geralmente assim. A atitude de um dilettante que se contenta em encantar-se com a lembrança das coisas é a contrária da minha. Não que teoricamente, com premeditação, eu tenha constituído a esse respeito un sistema. Nada em mim de mais inconsciente. Mas assim como lendo Stendahl, Thomas Hardy, Balzac realcei, com o intelecto, os traços profundos dos seus instintos que eu gostaria de desenhar por isso nunca ter sido feito se esse tempo me fosse ainda concedido - do mesmo modo lendo-me a mim mesmo determinei imediatamente os traços constitutivos do meu inconsciente. [...] Posso dizer que a lembrança de Dostoïewski, Tolstoï (compreenda bem que quando cito estes grandes nomes não é para me igualar a eles! nem mesmo para deles me aproximar mil léguas!) o «ele deveria mais tarde lembrar-se sempre do momento em que tinha reparado nesta porta» é ainda qualquer coisa de extremamente contingente e acidental relativamente à «minha» lembrança, na qual, encontrando-se modificados todos os elementos materiais constitutivos da impressão anterior, a lembrança, do ponto de vista do inconsciente, toma a mesma generalidade, a mesma força de realidade superior que a lei em física, pela variação das ciscunstâncias . É um acto e não uma voluptuosidade passiva. De resto, a noção de prazer não existe para mim. Não que a minha vida seja desprovida de prazeres como se crê mas como não o procuro apenas acompanha o amor ardente que eu tenho pelas coisas e que talvez, com efeito, esteja um pouco sobreexcitado pela privação. Desculpe o meu estado de esgotamento que se traduz por um balbuciamento espiritual que eu devia evitar a uma inteligência como a sua " (...)
Marcel Proust, Carta a Jacques Copeau, 22 Maio 1913 in "Marcel Proust, Lettres", pg. 616
Paris, Plon 2004
Tradução impensável
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