domingo, abril 30, 2006

Bem sei que fiquei de falar do Alves & Cia. mas não agora.
Em frente à casa o jardim deserto. Ninguém, nem vivalma!
Do jardim, pela janela aberta da sala, chega um aroma de florinhas do campo e de rosas trepadeiras. Tenho de disciplinar aquele pobre jardim, se quero conservar nele alguma coisa, mas jardins são metáforas subtis de difícil apreensão. De qualquer modo, este ano já não faço nada...

sábado, abril 29, 2006

Por uma questão de feitio ou de afinidade, gosto de obras menores. Gostei do Sua Alteza Real de Mann que lembrei agora mesmo, a propósito de bons propósitos de dias positivos e outras boas intenções e do "Alves & Cia" do Eça. Lembro-me de um velho amigo de família me ter dito, ia eu pelo meus dezasseis tenros anos, que gostava de todo o Eça mas não do Alves, que era o livro sujo do escritor. Eu, que lera o Padre Amaro e o Primo Basilio, pasmei o melhor que pude e prometi-me disfarçadamente a leitura do livro. O que fiz...
Mas digo depois como foi e o que achei, mais logo.

sexta-feira, abril 28, 2006

Foi num jantar de correspondentes estrangeiros em Lisboa. Disseram eles que o destaque do futebol na vida portuguesa é único em toda a Europa; que, em Inglaterra, nem sequer há um jornal desportivo; que seria impensável que as eleições para a presidência de um clube fossem notícias de abertura de telejornais.... que, em suma, todo o circo à volta da bola é, afinal, marca de um bom e sólido subdesenvolvimento.
Também me queria a mim parecer que sim.

Golden Afternoon de Balthus

quinta-feira, abril 27, 2006

Estas tardes, douradas e suspensas, estão desertas de quem nelas dormite o calor, de quem nelas adormeça até à hora do lanche e acorde estremunhado pela surpresa de ser já tão tarde.
A vida mudou.
O quadro de Balthus, Golden Afternoon, virá para aqui, ilustrar, quando conseguir que o ftp funcione.

quarta-feira, abril 26, 2006

27º C em Abril! Como pode este país progredir - ou pensar a gente coisas positivas e sérias - com estas temperaturas de Casa Grande & Senzala, esta brisa mole de índicas lonjuras, estas pausas de aguada?
O meu antídoto pessoal para este estado de coisas é uma colónia britânica, de citrus e revigorantes manhãs frias que nos enche de energia de tão bom jaez que, não nos fazendo cirandar de um lado para o outro, em correrias, a fazer coisas sem sentido, nos provê, todavia, de uma curiosidade simpática pelas pessoas diligentes que passam por nós a caminho das suas ocupações.
This is not the charming or uplifting frivolity of Feydeau's farces or Oscar Wilde's comedies; it is the frivolity of real decadence, bespeaking a profound failure of nerve bound to have disastrous consequences for the country's quality of life. The newspapers portrayed frivolity without gaiety and earnestness without seriousness—a most unattractive combination.

Theodore Dalrymple
Chegam-me notícias do discurso assistencialista do Prof. Cavaco. É como dizia VPV, a classe média não é suicida (e é egoísta, conta com o Estado para a alimentar a ela e às adjacências necessárias para a manter em sossego).

terça-feira, abril 25, 2006

Que calor! Será que se vai manter ou Maio será fresco, como por vezes acontece, quase frio?
Seria bom que não tivéssemos um verão muito quente.
E será desta que me decido a um verão sententrional, aventurando-me até Bergen, ou à Bretanha e Ilhas do Canal, onde quase tenho medo que a minha chegada, de tantas vezes adiada provoque falatório, como temia, em situação semelhante, Lady Bracknell?

segunda-feira, abril 24, 2006

Eu escrevi "este blog acredita"? Este blog sou eu! Por este caminho, qualquer dia estou a dar entrevistas e jogo futebol: "o impensavel quer o bem do club e tem um grande carinho pela massa associativa. O Impensavel não marcou porque não pôde". Os jogadores de futebol é que falam na terceira pessoa, esses e as altezas, reais ou meramente sereníssimas, mas um golpe de estado é perigoso neste tempos de nervosismo.
Enfim...

domingo, abril 23, 2006

Queria ter 10 euros por cada pessoa que falou no acórdão do Supremo - o da palmada - sem o ter lido na íntegra...

Quanto ao mais: este blog acredita numa palmada dada a tempo - e até menos tempestivamente - nas criancinhas, principalmente nas relapsas. E os anjinhos também pensam o mesmo: instados com bons modos meia dúzia de vezes a não estragarem ou a não berrarem, ou a não qualquer outra coisa que estejam a praticar, as mais das vezes prosseguem. Prosseguem com afã e indiferença pelos outros. Pelo contrário, uma palmada bem assente, seca, sintética e enxuta, numa palavra, eloquente - não se diga que não se expõe as criancinhas à acção da retórica - opera maravilhas: param - e se souberem que essa palmada pode ser seguida de outra, nos mesmos moldes, caso haja manifestações sonoras e demais costumeiros artifícios - param convincentemente.

Isto, a propósito disto

sábado, abril 22, 2006

Se o que li tem a menor correspondência com a realidade e o Cardeal Martini afirmou mesmo que a legalização do aborto é um mal menor por fazer diminuir os praticados clandestinos (de facto, para o abortado, tê-lo sido legal ou clandestinamente faz uma diferença substancial...) fica provada a assistência do Espírito Santo nos Conclaves para a eleição papal, principalmente neste último, que não elegeu aquele Senhor Cardeal.
A insofismável grandeza e benefícios do sufrágio popular:

Desde as últimas eleições que Mário Soares tem estado calado.
Os festejos dos 80 anos da Rainha Isabel II, o apoio que lhe demonstram os seus súbditos creio que causam algum mal-estar aos franceses. No outro dia comentava um deles que a popularidade da actual soberana poderia contribuir para a queda da monarquia, já que o actual Príncipe de Gales não é tão - aparentemente e agora - tão popular.

Isto é dito por quem teve de escolher, ainda há bem pouco tempo, entre Chirac e Le Pen e não prognosticou então, o fim da republique française.

sexta-feira, abril 21, 2006

E a Rainha faz anos.
80 merecidos anos.
Muitos parabéns!
Estava a o uvir o "Let it be" e a ler. Passei os olhos pelo monitor, li que Sócrates Fawlty Torres considera o relatório da OCDE "futurologia".
Se ele continuar assim, acabo por gostar dele, talvez me converta e acabe por perceber que "my name is Manuel, call me Manuel."

quinta-feira, abril 20, 2006

Para ler com atenção: At the same time the fiscal deficit remains at an unsustainably high level. To consolidate the budget and regain a higher growth path, a number of structural measures need to be taken. This chapter reviews four challenges: i) putting public finances on a sustainable path; ii) improving the performance of the education system; iii) modernizing the economy by enhancing tertiary education, training and innovation; and iv) creating a more dynamic business environment through structural reforms in product and labour markets.
O resto...
Um amigo emigrante/emigrado apostrofa furiosamente os portugueses porque, num aeroporto de Londres ouve, entre as vozes, o ajuste de uma "bacalhoada com todos". É do pouco que escreve em português no mail que me enviou hoje: talvez por zanga à pátria, é em francês que prognostica a miséria a este povo "qui mange beaucoup et parle trop".
Acho excessiva tal zanga por causa de um bacalhau com todos, se bem que considere que a bulimia nacional, essa atávica verocidade de gente pobre se tem agravado à media que gastamos mais: não deixámos verdadeiramente de ser pobres, a pobreza, ao invés de desaparecer, entumeceu.

quarta-feira, abril 19, 2006

Lembro-me de cá por casa se achar um absurdo o "Abril em Portugal", unanimemente considerado um mês áspero e desagradável. A mim, fazia-me um pouco de confusão tal má vontade. Hoje, instalado na sapiência da meia idade (ai ai), mais, obrigado, agora mesmo, a ir buscar um casaco, dou razão aos protestos familiares.

19 de Abril: vi depois que, pela data, 1506, os acontecimentos do Rossio não podiam ter sido o que apressadamente tinha suposto pelas leituras em viés: o primeiro auto-de-fé.
Não podia ser: ao tempo ainda reinava D. Manuel I, não havia inquisição que chegou por volta de 1540.
Mas deixo o post sem emenda.

segunda-feira, abril 17, 2006

Julgo que não me corre nas veias sangue judeu.
Dos judeus em Portugal sei o que li - pouco - em Herculano e outra tanto em Saraiva e o que quem lê história de Portugal vai encontrando, mas nunca tive grande curiosidade pelo tema, talvez pela minha assumida vocação de evitar assuntos desagradáveis,tais são chacinas e autos-de-fé.
Simpatia, a que qualquer pessoa sente, uma simpatia longínqua e compadecida.
Há uns anos, porém, soube dos judeus de Belmonte e os quatro séculos de persistência espantaram-me - eu que me dedico a ser do contra, mas de desânimo fácil - e comoveram-me. Não o suficiente para, como se diz hoje, me ir documentar - e já tinha lido o essencial - mas para olhar com admiração redobrada as vicissitudes daquela pobre gente tão desgraçada.
Mais ainda, foi essa pobre gente o combustível da Inquisição, instrumento ao serviço do estatismo português e da sua monstruosa capacidade de produção de hipocrisia e criação de realidades "legais" de que tudo é exemplo a conversão forçada dos judeus e o estatuto de cristãos-novos.
Por isso, fiquei feliz quando li na Rua da Judiaria a ideia de lembrar o 19 de Abril de 1506.
Não são pedidos de desculpas, revisionismos, reaberturas de processos ou acusações extemporâneas ... é apenas mera e boa decência, lembrar a morte de portugueses inocentes assassinados pelo estado.
Não vou ao Rossio apenas porque não estou em Lisboa.
Tempinho desagradável, este, de vento frio.
Depois das férias - a Páscoa hoje é, para a grande maioria, um pretexto para férias - aproveito a segunda-feira a meio vapor para pôr alguns assuntos em dia e adiantar outros, de modo que, quando voltar esta gente toda, tenha a possibilidade de me escapar daqui ou meramente das actividades quotidianas e ir habitar os recônditos lugares que construímos - cf., infra, Poema de Vitorino Nemésio.

quinta-feira, abril 13, 2006

terça-feira, abril 11, 2006

Hagiografia introdutória, vulgo prefácio, e depois meia dúzia triste de páginas com uma linhas ralas nelas dependuradas por cordéis velhos de imagens e lêem isto e por isto se cumprimentam.
E Nemésio, isto só para falar de um deles, e Nemésio ninguém lê, ou menos do que o deviam.
Ora aí vai dele:

Concha

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
In a fit of spleen (apesar do tempo doce e das férias)

segunda-feira, abril 10, 2006

O governo francês, presidido por Monsieur Villepin, capitulou, desta vez perante alguns adolescentes turbulentos que resolveram divertir-se nas ruas em vez de estarem nas aulas - que, não sei porquê, julgo maçadoras e sensaboronas. Todos os dias os alunos protestavam, trocavam cromos, ficheiros mp3, sms, atiravam algumas pedras à polícia e berravam alguns diminutivos e abreviaturas tão ao gosto gaulês. Alguns alunos do ensino básico também participaram e os seus bibes alegres e coloridos deram uma nota pitoresca aos protestos.
Perante a amplitude e gravidade das "manifs" é uma atitude sábia, esta de Villepin e constitui uma novidade na história de França: até aqui os chefes de governo francês usavam capitular perante o exército alemão. É a primeira vez que o fazem perante os seus próprios adolescentes, numa manifestação de invulgar patriotismo e de respeito pela história de França: "allons enfants de la patrie".

quarta-feira, abril 05, 2006

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter connosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas,
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos,
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.

(Álvaro de Campos)

Assim seja.

terça-feira, abril 04, 2006

Se a minha preguiça não corroesse, anestésica e ácida, «as questões que por vezes me assaltam» até vestígios toleráveis de princípios, ser-me-ia impossível viver nesta exiguidade bucólica (junto da eira onde as galinhas vêm esgaravatar alimento) e pedir àquela divindade tão contida em sofrer, ladeada de jarrinhas de sempre-vivas, uma paisagem de meia dúzia de coisas plausíveis para onde olhe e ponha esperança.
Com estas conversas todas, resolvi ir à fonte, ao site de Margarida Rebelo Pinto e li algumas sinopses. Os narradores e narradoras estão desanimadotes com a vida e pensam um tudo nada arbitrariamente. Umas delas refere um com "ar de índio que sabe negociar a paz com paciência e alguma manha" e vá-se lá saber onde é que ela, a escritora, viu um índio a negociar daquele ou de outro modo ou, se viu, como podemos nós confirmar a justeza da imagem, não vale... Mas, acima de tudo, fiquei impressionado com a tristeza... que gente triste e desalentada, que soturno, que lua-de-londres! E apressado, aquilo é um corridinho triste.
Muito português de hoje, no entanto, essa tristeza afoita, o ar despachado, olha-depois-apanho-te-na-escala-em-Londres-não-me fujas-acredito-em-ti-acredito-para-Nova-York-sim-ainda-me-faltam-três-prestações, que é como se dizem estas coisas em prosa moderna, não deixa de ser do mais lídimo lamento e queixume lusos.
Não duvido que seja um êxito.

sábado, abril 01, 2006

Era tarde na noite, no recato do lar. A williamine, en liqueur, sobre a mesinha, preparava-me para entender a questão desta primavera, a "questão francesa": não podia, decentemente, continuar a afirmar, aos jantares, que aquilo era uma questão de nostalgia e de falta de Ritalin, uma falha prescritiva dos pediatras franceses. Prometia-me ler o CPE, ver mesmo no dicionário o significado preciso de «embauche», ler os discuros de Villepin, estudar a história da coisa, munido dos prints que fizera quando tive de admitir que estava vilmente de parti pris contra a criançada. E para remédio disso, resolvi avivar a a minha propensão para a neutralidade com sucessivos golinhos da eau-de-vie suiça. No recato do lar, nada havia a temer, e destrinçaria o assunto. E assim continuei, noite adentro, julgo. Julgo, porque não tenho a certeza: lembro-me quando o perigo surgiu, insinuado na pequena notícula de rodapé: lembro-me de encontrar a citação, de lhe abrir a porta, mas a partir daí é-me impossível reconstituir a jornada. Quando acordei, lá estava ela ainda, gasta, suixante-huitardiste, the french theory, lívida, poudrée, sob o aroma de um pomar japonês, zen, de pera williams. Nunca a salvo de Dionisos, como aprendeu Zé Fernandes, quase corri, como ele, para um grande banho lustral de filosofia analítica e sabão anglo-saxónicos.
Convalesço.