sábado, abril 01, 2006

Era tarde na noite, no recato do lar. A williamine, en liqueur, sobre a mesinha, preparava-me para entender a questão desta primavera, a "questão francesa": não podia, decentemente, continuar a afirmar, aos jantares, que aquilo era uma questão de nostalgia e de falta de Ritalin, uma falha prescritiva dos pediatras franceses. Prometia-me ler o CPE, ver mesmo no dicionário o significado preciso de «embauche», ler os discuros de Villepin, estudar a história da coisa, munido dos prints que fizera quando tive de admitir que estava vilmente de parti pris contra a criançada. E para remédio disso, resolvi avivar a a minha propensão para a neutralidade com sucessivos golinhos da eau-de-vie suiça. No recato do lar, nada havia a temer, e destrinçaria o assunto. E assim continuei, noite adentro, julgo. Julgo, porque não tenho a certeza: lembro-me quando o perigo surgiu, insinuado na pequena notícula de rodapé: lembro-me de encontrar a citação, de lhe abrir a porta, mas a partir daí é-me impossível reconstituir a jornada. Quando acordei, lá estava ela ainda, gasta, suixante-huitardiste, the french theory, lívida, poudrée, sob o aroma de um pomar japonês, zen, de pera williams. Nunca a salvo de Dionisos, como aprendeu Zé Fernandes, quase corri, como ele, para um grande banho lustral de filosofia analítica e sabão anglo-saxónicos.
Convalesço.

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