quarta-feira, junho 30, 2004

Linkaram o Impensavel, que agradece, o Bolota X e o Notícias de Ovar

Os romanos da decadência, de Thomas Couture, 1847.
Os dégoutés estão à direita. À esquerda, empoleirado mas respeitoso, um outro romano lamenta a sorte de Roma.
Mais dois lamentos de JPP. Comecemos pelo segundo: JPP teme que nos encontremos na cozinha. Creio tratar-se de uma doce ilusão. A cozinha é um lugar de criação, lugar benfazejo, morada dos Lares. Há muito que aí não estamos. Expulsos da cozinha como Adão o foi do paraíso (embora por motivos opostos) vivemos as tristezas da copa, esse terrível "no land".
No primeiro lamento, acusa o populismo que se alimenta do igualitarismo da sociedade portuguesa. Não é assunto novo. O igualitarismo português tem, no entanto, particularidades interessantes. Uma delas é coexistir, melhor, quase supor o respeitinho pelas classes elevadas (se não é que perversamente se alimenta dele);
outra, muito peculiar, o ser usado de "cima", "populistamente", em promessas de ascensão do "povo" aos benefícios da respeitabilidade (é o caso do português novo de Cavaco, do português - ou do Portugal - respeitado lá fora no qual "todos" participaríamos, o que não é menos incitação igualitária e populista que qualquer outra); por outro lado, ainda, o respeitinho luso percorre a sociedade transversalmente, encontrado-se onde menos se espera, e em cada um de nós, tomando algumas formas de notável sofisticação. Um exemplo? Os apelos às cumplicidades contemplativas perante supostas iconoclastias.

terça-feira, junho 29, 2004

Eça dizia, a propósito do DN da época, e cito de memória, que era um jornal de uma mediocridade (ou imbecilidade) meticulosa e grave.
É de crer que o jornal condissesse com o país, já que ainda hoje temos a paixão do sisudo, do sorumbático, do macambúzio que confundimos com "gravidade" ou "profundidade".
E, também, ainda hoje, prestamos culto ao agir meticuloso, em que se expressa um receio atávico, rural, pela mudança substancial (ao invés, das adjectivas e acessórias gostamos e com tal ferocidade que desde organismo estatal ao mais recôndito beco, tudo vai mudando - de nome). Mas mudar mesmo, não queremos, pelo medo saloio de que as coisas se "desarranjem": somos um país "não mexas aí que se pode partir"
O resultado de tais desvelos, não é, porém, animador: de homem de estado grave e ponderado em homem de estado grave e ponderado, de grandes competências em grandes competências, de solução sensata e consensual em solução sensata e consensual chegámos a uma notável estabilidade na cauda da Europa.
E, parece, aqui queremos ficar, com afinco e determinação.
Seria, por isso, a altura de mudarmos de método.
Isto não quer dizer, claro está (claro está, ou não fosse eu português) que não haja pessoas totalmente inconvenientes para este ou aquele cargo (é, aliás isso, pessoas inconvenientes, que a julgar pelos resultados, temos tido habitualmente). O que quero vincar é o medo que se eleva até à grita perante a possibilidade de estar a mesmice em perigo. Mesmo que apenas ao de leve, muito ao de leve.

Ontem, segunda-feira, dia de TLS.
Leio no artigo de Robert Skidelsky sobre o "Decline of the public" de Marquand: "One of Marquand’s favourite paradoxes –and he does tend to multiply his paradoxes – is that the project of privatizing economic life demanded an increase in central control, since, apart from the need to regulate the privatized utilities, a considerable re-engineering of social attitudes was required to adapt the population to the needs of a competitive market economy"

Paradoxo aparente? Peço ajuda ao pensador liberal do Blasfémias.
Vi os telejornais. Sensação de"déjà vu" hipotético: o "Yes, Prime Minister" mas em adaptação venezuelo-mexicano-colombiana. Seria assim, isto que estamos a viver.

segunda-feira, junho 28, 2004

Aos senhores leitores que vêm do Bomba Inteligente:
V. Exias. vêm enganados, não é aqui. O destaque da Bomba Inteligente é para o impensavel e impensado mas termos abstractos, problemas filosóficos.
Este blog chama-se impensável por ter sido criado sem pensar e dizer nele coisas o seu autor que não diria se pensar fosse um hábito seu.

O impensavel indicado pelo Bomba é mais além.
Muito obrigado.

domingo, junho 27, 2004

Pobre país

Que não exista no PSD, partido já com 30 anos - muitos deles passados no poder - um comité, ou comissão, formal ou informal, que de uma forma expedita se pronuncie, discreta, rápida, eficazmente, sobre a sucessão do primeiro-ministro, sabendo-se que por motivos felizes ou infelizes, pode ser sempre necessário, de um momento para o outro, fazê-lo; que parte do país - e do PSD, diz-se - esteja suspensa dos "comentários" do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a proferir no seu programa televisivo, ou que Pacheco Pereira, um indigitado embaixador de Portugal, use o seu blog para queixumes e recados sobre o assunto primo-ministerial, como um qualquer adolescente amuado com questões escolares, eis o que é de estarrecer.
Estão a ver isto em países de gente crescida, em França, na Alemanha, para não falar já da Grá-Bretanha?

sábado, junho 26, 2004

Novos links
Linkaram o Impensável, que agrade, o Olympic Champ, o Covarde, o Um dia na vida de e o Xicuembo.
De resto... enquanto as classes médias portuguesas virem no estado - que as ajudou a criar, é verdade, e, em grande parte, as sustenta - a solução dos seus problemas (e um dos problemas mais temidos é a modernização, o modelo lá de fora, da UE que se ama e mais se receia) não creio que nomes influenciem muito. Não vale a pena, por isso, tantos medos com o Dr. Santana Lopes. A possibilidade de ele começar uma lenta revolução é diminuta. Vai tudo continuar como dantes, num funcionamento "nominal" que satisfaz os orgulhos pátrios mas com a insuficiência necessária para não incomodar demasiado.
O Doutor Vasco Pulido Valente - já on line, a crónica de hoje, sábado - insinua que o Dr. Durão Barroso demonstrará, a aceitar o lugar europeu, pouca consideração pelos portugueses e, em última instância, por si mesmo, já que não honra compromissos.
Eu não ponho as coisas nesses cumes morais. Mais chãmente, direi que o Dr. Barroso e restante governo me aborreciam já bastante e, por mim julgando, ao resto da população, pelo que acho natural que o Dr. Barroso estivesse, também ele, já enfadado, tanto com o governo como connosco e que o aborrecimento, o tédio insalubre, o enfado justificam que ambos, Dr. Barrroso e povo português se despeçam mutuamente, fingindo apenas, por razões de conveniência e civilidade, algumas saudades à despedida. Talvez, até, num excesso de delicadeza, algum ressentimento.
Este blog apoia o Dr. Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro de Portugal por duas razões: é a primeira a esperança de uma política mais liberal, isto é, menos ferozmente estatista; a segunda o pensar que, em geral, a vida nacional será mais divertida, menos dormente.

P.S. Andam já para aí, nos canais de televisão, nos jornais, até mesmo em blogs respeitáveis e sérios a clamar por eleições. Calar-me-ia, se as eleiçoes de agora ainda fossem divertidas. Não o sendo, posso dizer o que me vai na alma: que, em situação idêntica, em Inglaterra, não se convocariam eleições, já que o governo terá apoio no parlamento. Se acham que aqui é necessário, em nome da democracia, que haja eleições, pensam, por isso, mal. E não venham com distinções - inexistentes - entre direito constitucional e legitimidade: a legitimidade não é outra, numa democracia, senão a que emana da constituição.

sexta-feira, junho 25, 2004

Não gosto de futebol, já disse, creio ser portador de um qualquer defeito no gene do gregarismo e padecer de déficit no neurotransmissor que se encarrega das identificações e dos símbolos, mas ontem, Senhores, por via do suspense, reencontrei essas alegrias que vulgarmente me estão vedadas. Creio mesmo que deve ter ocorrido um desregulamento grave já que me lembro de uns murmúrios tímidos, mas convictos, dirigidos a S. António.

Seria injusto não saudar o fair play dos ingleses.
Para eles, estas "frozzen italian flowers" de Quinn, "scanned" no Tate.

quarta-feira, junho 23, 2004

Vantagens da incultura, poder partilhar do optimismo de Vargas Llosa ao invés de soçobrar perante o pessimismo de Steiner expresso na entrevista que o Almocreve transcreve e provocou as reflexões tristes de um marinheiro no exílio. E, julgo eu, injustificadas, tais como as de Steiner, onde descubro mais depressa o francês desgostoso com o colapso do poderoso "star system" da indústria cultural gaulesa do que o cosmopolita (é interessante, aliás, que a propósito do orçamento da Universidade de Harvard, de que há pouco tempo li ser superior ao do conjunto das universidades francesas Steiner - erroneamente, ao que tudo leva a supor - refira o "conjunto das universidades europeias"...)
Eu não sei o que se publica em Vilnius ou em Nápoles mas não tenho motivo para pensar que seja menos bom do que soía e o que Steiner informa sobre Cambridge é deveras animador para qualquer continente de tamanho médio.
Que um francês se sinta triste não me parece totalmente descabido. Que um marxista ou filo-marxista ou adepto dos micro-filo-marxismos-post-qualquer-coisa franceses se sinta triste, idem (afinal, como diz Steiner: "Después de todo, ¡qué hermoso sueño representaba el marxismo!" E prossegue:"Cuando hoy me dicen que ese sueño conducía necesariamente al gulag, respondo que semejante interpretación es demasiado simple, vulgar..." - Pois sim, digo eu, viva a vulgaridade!).
Desatulhe-se a Europa da decadência da França e do marxismo e do "néantismo" franceses e (eu, pelo menos, aqui desta província, assim o sinto) o panorama não é desanimador: uma Europa livre de tiranias e de ditaduras, onde, pela primeira vez em muitos anos, se vive em liberdade. Decadência?

(Ora então em Cambridge estuda-se a teoria do todo... Não sabia... Mesmo sem cafés? Onde é que aquela gente pensa?)

segunda-feira, junho 21, 2004



É o começo do Verão, oficial, solisticial.
Em homenagem, a Praia das Maçãs de Malhoa.

domingo, junho 20, 2004

Vitória necessária, quase diria, pelo chinfrim.
A mim, também muito me custava que fosse a equipe espanhola e eliminar a portuguesa.
Por isso, HASTA LA VISTA MUCHACHOS!
Afinal, vitória da equipe portuguesa.
Como previra e temia, chinfrineira infernal.
Tudo muito sosssegado, o jogo de futebol não deve estar a correr de feição.
Se assim for, embora amanhã - amanhã? daqui a pouco - haja milhentos comentários sapienciais sobre o triste fado, o desespero asténico preponderará e, por isso, haverá mais sossego.

sábado, junho 19, 2004

"A menos que se tenha muito dinheiro não vale a pena ser uma pessoa encantadora" avisa Oscar Wilde, mas daqui não se segue que, pobres, estejamos condenados à antipatia militante. Wilde apenas convida os mais pobres a serem "práticos e prosaicos". Não era uma maldição ontem e, hoje, a vitória das classes médias tornou aquelas qualidades quase conciliáveis: pode-se ser prático, prosaico e encantador, já que o "charme" - ou alguns elementos dele - se tornou um produto da classe média. Mas, tal como aqueles produtos mais acessíveis dos grandes joalheiros, o que se usa por aí não é "the real thing".

quinta-feira, junho 17, 2004

"Refletir"

Não sei se é pela leitura do português d'outre mer. O certo é que dou, hoje em dia, erros de palmatória que, há algum tempo, consideraria impensáveis. Preocupado, confidenciei o medo de uma Alzheimer a pessoa proba, douta e de rigorosa ortografia. Fiquei siderado com a resposta: "também a mim, também a mim acontece" e atribuiu a proprensão para o dislate às telenovelas, à legendagem, aos jornais, todos eles de tal modo repletos de calinadas que é difícil evitar a má influência.
Seja. Mas não deixa de ser humilhante, para qualquer pessoa que concluiu a antiga qurta classe na escola primária, aluno de zero erros a ditado, esta conspurcação ortográfica. Lembro-me de uma vez ter escrito "gaz" por gás. Quando vi marcado o erro, protestei, mantive que se escrevia com "z". Era com "s". Mas a origem do erro era nobilíssima: era a grafia que tinha visto nas velhas edições de Eça. Explicado o erro, não deixei de ser admoestado e aconselharam-me cuidado com as grafias antigas.
E, agora, escrevo "refletido" e só dou conta da asneira um dia depois...


quarta-feira, junho 16, 2004

O deputado Paulo Pedroso afirmou: «Apenas peço uma coisa ao sistema de justiça, que este sofrimento tenha algum sentido e se reflicta numa melhoria para o futuro de modo a que outras pessoas não passem pelo mesmo»

Conviria que o senhor deputado também reflectisse e propusesse, como pode e deve, a reforma urgente do código de processo penal.
Num hospital de província o adolescente aborrecido contempla os 4 ou 5 dias que ainda tem de lá permanecer. Alguém sugere que veja televisão. Há uma televisão no serviço, doada aos doentes pela Liga de Amigos do Hospital. A televisão, porém, está no gabinete das enfermeiras, que objectam à sua utilização por um doente, que precisam dela, dizem. Acabam por contemporizar, se for por pouco tempo.

O fundo do poço.


Referia-me um expatriado, apanhado em pleno pecado de visita ao torrão pátrio, que não se lembrava já da enorme quantidade de palavrões audível aqui em qualquer local público.
"Mesmo em NY?" - perguntei eu. Que nem mesmo em NY, ou Los Angeles.
Foi isto no Domingo à tarde, zumbia o calor e o tédio. Deu-me para pasmar mas nem o pasmo me aliviou das inclemências da estiagem e de ter de as sofrer aqui, no fundo do poço da civilidade mundial. Rai's partam a caloraça.


domingo, junho 13, 2004

Declaração de princípio, meio e fim

Não gosto de futebol, nunca gostei, creio que nunca virei a gostar e muito menos fingirei que gosto.
Não gosto.
Julgo o actual campeonato em Portugal, nos moldes em que foi organizado, uma aberração de uma prodigiosa ( e pródiga) insensatez.
Que a equipe da federação portuguesa de futebol perca ou ganhe é-me indiferente, ou quase indiferente: quando perde há menos barulho, menos ululância sebastianista, e eu gosto de sossego. Acabo por preferir, por esse motivo, que não ganhe.
Tempos houve, de maior ingenuidade minha, em que, fiado no poder da humilhação, teria esperança que as derrotas levassem a um arrepiar de caminho, à recuperação de juízo.
Agora, apenas quero paz e sossego.
Dia de Santo António de Lisboa
Santo e Doutor da Igreja

Responso

Se milagres desejais
Recorrei a Santo António
Vereis fugir o demónio
E as tentações infernais

Recupera-se o perdido
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido

Todos os males humanos
Se moderam, se retiram
Digam-no aqueles que o viram
E digam-no os paduanos

Recupera-se o perdido...

Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro, a morte
O fraco torna-se forte
E torna-se o enfermo são

Recupera-se o perdido...

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo

Recupera-se o perdido...

Rogai por nós, Santo António

Podíamos pedir a Santo António que nos encontrasse o juízo, mas creio que até para o Taumaturgo seria tarefa difícil.

sexta-feira, junho 11, 2004

In memoriam

Dia 11, começo das férias grandes de antanho que, plácidas e vagarosas, acabavam em Outubro.

quinta-feira, junho 10, 2004

Camões dirige-se aos seus contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena




domingo, junho 06, 2004

O presidente de França declarou-a, nas cerimónias do Dia D, "éternelle et combatante"
Fica-se a saber que o laicismo republicano crê na vida eterna. Crendices laicas...

Quanto ao "combatante", não deixei de me deliciar: se a republique française não tivesse capitulado, sem combate e sem honra, perante as tropas alemãs, talvez o "dia D" nunca tivesse sido necessário.
D DAY

Há sessenta anos as tropas aliadas (USA, GRÃ-BRETANHA e Domínios da Coroa Inglesa) desembarcaram nas praias da Normandia, iniciando a libertação da Europa continental.

sábado, junho 05, 2004

Durante semanas acumulei em cima de uma cadeira livros, muita correspondência e papelada anónima que fui prometendo a mim mesmo arrumar. Ontem, tudo desabou. Há agora, no chão, um monte de papelada (em parte oculta por um sofá). Tempos atrás seria este o sinal para começar, de imediato, a metódica arrumação de tudo. Desta vez, porém, o pequeno montículo eriçado de caos impresso lá continua. Devo ter ultrapassado uma qualquer barreira moral, perdido que foi, sem me aperceber, um último escrúpulo. Que abismo invoco?

terça-feira, junho 01, 2004