segunda-feira, dezembro 01, 2008

Vasco Pulido Valente escrevia ontem no Público que «A força de Sócrates vem da eficácia com que conseguiu meter o PS na ordem, da autoridade prussiana com que trata o Governo e do grande zelo com que policia os portugueses. Numa época ameaçadora e turva, o país prefere, como sempre preferiu, um "homem de pulso", mesmo gasto e pouco amado, a qualquer herói de circunstância, com um exército em revolta atrás de si.»
Por seu lado, também no Público, António Barreto chama a atenção para alguns factos: segundo «os trabalhos de rotina do INE e da União Europeia, o "clima económico" em Portugal nunca esteve, desde há 18 anos, tão baixo como agora. Trabalhos semelhantes sugerem que as expectativas dos consumidores atingiram o mais baixo ponto desde há cinco anos.O crescimento da economia e do produto tem vindo a diminuir todos os dias. Diminui na realidade dos factos, assim como nas estatísticas. O Governo (o mais optimista...), o Banco de Portugal, a União Europeia, a OCDE e o FMI publicam regularmente as suas previsões para 2008 e 2009, baixando sempre as taxas estimadas. Em princípio, Portugal aproxima-se do zero e de taxas negativas (menos 0,2 por cento em 2009, por enquanto...). Há praticamente oito anos que o país tem visto aumentar o atraso relativamente às médias europeias. O desemprego a subir e a atingir níveis desconhecidos há anos. A prometer ainda mais nos próximos tempos. Mais uma vez, os números são controversos: Governo, INE, Banco de Portugal, OCDE, UE e CGTP oferecem estimativas diferentes. Mas num só sentido: desemprego a aumentar.O endividamento público líquido é de mais de 140 mil milhões de euros, muito perto dos 100 por cento do produto. Só os juros anuais pagos por essa dívida serão de cerca de oito mil milhões de euros. Talvez seis por cento do produto.O défice orçamental ultrapassou as previsões, assim como as metas nacionais e europeias, tendo agora o Governo de, ao contrário do que sempre afirmou, recorrer a receitas extraordinárias, no valor de mil milhões de euros, para respeitar o patamar imposto de 2,2 por cento. O défice da Caixa Geral de Aposentações (funcionários públicos e equiparados) será, em 2008, superior a três mil milhões de euros, cerca de dois por cento do produto. Era, em 2005, de 1,5 mil milhões. OOs últimos números disponíveis revelam que a emigração portuguesa retomou e faz agora lembrar alguns anos da década de sessenta. Nessa altura, a emigração era muita, mas o crescimento económico também. Hoje, a emigração é grande, mas o crescimento económico estagna. Calcula-se em cerca de 60 mil a 70 mil o número de portugueses que vão trabalhar para Espanha todos os dias ou todas as semanas, além de dezenas de milhares que já se estabeleceram definitivamente no país do lado. Com a crise económica espanhola, esperam-se tempos difíceis.O número de imigrantes estrangeiros em Portugal está a diminuir e muitos dos que aqui viveram uns anos já se foram embora. O problema é que não são substituídos: ou não deixam postos de trabalho vagos, porque estes são extintos, ou não há portugueses que queiram ocupá-los.As estatísticas demográficas continuam a revelar números que nos obrigariam a reflectir, mas essa não parece ser uma inclinação das autoridades. O número de óbitos já é superior ao número de nascimentos. O envelhecimento é muito rápido. A esperança de vida cresce. O número de pessoas com mais de 65 anos já é muito superior ao de jovens. E não se trata apenas de um problema de força de trabalho. Os gastos com as reformas e pensões aumentam na vertical. Mais: os custos da saúde e dos cuidados com idosos em dependência, nos últimos três ou quatro anos de vida, são iguais a toda a despesa verificada durante os 60 ou 70 anos de vida. É lógico, natural e assim terá de ser, mas a pressão criada sobre as finanças da segurança social é enorme.»
E quanto à formação das novas gerações? De acordo com o relatório da OCDE, «o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico. Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de nove a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o Português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17»
Tudo visto, o autoritarismo prussinano e a actividade policial do actual primeiro-ministro não se traduzem em qualquer benefício para o país. Não há nele nem lucidez nem inteligência: bem pelo contrário, o primeiro-ministro e o governo demonstram, diariamente, a sua incapacidade e a sua inépcia, já que a política não é uma actividade que se esgote em si mesma: prossegue fins, tem objectivos e deve traduzir-se em resultados.
E os resultados deste governo são maus. A ordem de que fala Vasco Pulido Valente é estéril: parece até conduzir, muito directamente, à pobreza e ao atraso (de que, aliás, o amor pela ordem é um seguro sintoma...): vivemos pior - e não mais alegres - do que há 4 anos.
Por isso, tudo se resume em saber - se o tal amor pela ordem, pela polícia e pela humilhação - sem qualquer contrapartida, sem qualquer melhoria, isto é, em vão - se sobrepõe, nos portugueses, ao desejo de não viver tão pobre e tristemente como vivemos.
Há 368 anos, os portugueses arriscaram.

Sem comentários: