quarta-feira, abril 09, 2008

A propósito, escreve Rui Tavares no Público: «Tenham lá calma. Um acordo ortográfico que muda dois por cento das palavras que nós escrevemos (e um por cento das que os brasileiros escrevem) não obriga a trocar a biblioteca, não destrói a noção de ortografia e não impõe um totalitarismo unitário sobre a língua. O acordo não é uma catástrofe nem um milagre. Mas a sua não-adopção teria alguns custos sérios e neles ninguém parece pensar.»
Itálico meu.
A questão da percentagem já foi devidamente desmascarada: os dois por cento de vocábulos que mudariam não são palavras estranhas que pouco usamos: são pelo contrário, na sua esmagadora maioria, palavras que usamos muitas vezes. É um fato que ninguém discute. E o ato de escrever de uma forma "nova" seria muito incómodo, e ofende a compreensão da estutura da língua que desenvolvemos desde que começámos a escrever.
Diz mais Tavares que «aquando das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, a comissão conjunta luso-brasileira emitia frequentemente dois comunicados, um em cada ortografia.» Bem. mas com este acordo a ortografia não seria única, o acordo prevê ortografias diferentes para a mesma palavra! O que este «acordo» faria seria consagrar essa diferença. Depois do «acordo» comos eria regidido um comunicado oficial luso-brasileiro que se referisse a uma amnistia ou a uma indemnização que os brasileiros escrevem e dizem anistia e indenização, diferença que mesmo o «acordo» manteria?
Mais diz Tavares: «Entre numa livraria francesa e veja o que está escrito nas capas dos romances de Machado de Assis: "Traduit du brésilien." A ideia horrorizaria o grande escritor do Rio de Janeiro. Mas qualquer sugestão de que o brasileiro é um idioma à parte do português é ali muito bem--vinda (seria uma heresia para o francês do Québec, claro), porque aí seríamos numericamente ultrapassados não só pelo francês, como pelo russo e por outras línguas ainda. A impossibilidade de chegar a acordo sobre a ortografia oficial do português é um presente que oferecemos à concorrência.»
A ideia da existência de uma lígua brasileira não se atenuaria com a entrada em vigor de tal acordo: apenas se reforçaria, dizendo-se então que Portugal teria seguido a ortografia brasileira (no desconhecimento que foi Portugal o primeiro a impô-la...). Quem quer a existência de uma língua brasileira - e muitos brasileiros querem - é por provinciana vaidade e pelo amor ao grátis, típico nos destituídos, fala em questões de léxico e sintaxe... O certo é que Portugal e Brasil são dois exemplos de miséria intelectual e governativa, dois países que depois de 90 anos de modernização ortográfica não conseguiram erradicar o analfabetismo (a todos os níveis: Emir Sader, um professor catedrático da celebrada universidade de São Paulo dá erros inacreditáveis, como, entre outros, o famoso «opóbrio»).
Quanto ao triste fim que Tavares nos augura, o essencial será resolver questões como a dos péssimos resultados do PISA de Portugal e do Brasil em português (e em matemática - não é possível um acordo?). Quando resolvermos isso a gente fala.
Até pode ser que a ortografia mude: afinal, tanto quanto os portugueses, são também os brasileiros lesados com a balofa mediocridade que lhes querem impor.

Sobre, entre outras coisas, as duplas ortografias, ler Vasco Graça Moura aqui

2 comentários:

rui tavares disse...

"Depois do «acordo» comos eria regidido um comunicado oficial luso-brasileiro que se referisse a uma amnistia ou a uma indemnização que os brasileiros escrevem e dizem anistia e indenização, diferença que mesmo o «acordo» manteria?"

Muito simples; qualquer das formas serviria. Hoje o estado brasileiro não pode escrever amnistia num documento oficial seu. Amnistia é oficialmente errado. Com o acordo, passa a ser oficialmente certo. Para anistia, a mesma coisa.

De onde procede que, um comunicado conjunto antes teria que ser errado para pelo menos um dos países. E passa a ser oficialmente certo em ambos.

impensado disse...

Anistia é certo no Brasil e Amnistia em Portugal. São já dois modos oficiais de escrever a palavra. Para quê então o «acordo»? Para os nacionalismos brasileiros, vaidades universitárias de ambos os lados e manias das grandezas irrealistas do pobre Portugal que não tem dinheiro para pagar a professores de português para os filhos dos seus emigrantes na Europa. Na Europa!