terça-feira, novembro 30, 2004

Eu preocupado com divertimentos e o Dr. Sampaio a providenciá-los...
Estou convencido que este governo cai mal. Isto é, cai em vão. Decerto houve aselhices, inabilidades. E houve alguns pecadilhos. Nada que não tivesse acontecido antes.
Mas o que fez cair este governo foi o ser ele formado, melhor, ter a cara de pessoas próximas daqueles que se sentem perto do poder, que estão dentro do círculo comutativo do poder, ou tuteiam quem dele faz parte: ora, de vez em quando, metade dos habitantes desse território parco finge que é nova, que é "diferente", que tem um "projecto", põe umas carantonhas de papelão onde estão pintalgadas as insígnias da gravitas e com um ar de distância, com um ar grave, "governa". Estes, os que agora caem, por demais conhecidos nas redacções dos jornais, na "noite" lisboeta, entre as festas dos empregados mais bem pagos dos interesses, não "calhavam", a "suspension of disbelief" funcionava mal. E, sem fantasia, este - esse - país não vive: começa a matutar que assim não pode ser e reclama carantonhas severas: por isso Cavaco, que quer agora as reformas que não fez, ou Guterres, a versão séc XXI da retórica tão balofa quanto grave do oitocentismo que Eça fustigou. Ou Sócrates, que foi a correr pôr uma caraça lúgubre de estadista.
Substancialmente, não fazem nada de diferente do que estes fizeram. Nem vão fazer. É inútil, pior, é estulto esperar que façam, tratando-se da mesma massa. E a massa é má.
Eu, para que ninguém sofra mais, porque estas coisas sempre custam, e fazem despesa, e alvoraçam (atrasei hoje páginas de leitura) alvitro que se contrate para a governação um bom gerente de hotel suiço. Ficávamos todos melhor servidos.
Se poder vir também algum pessoal...

No outro dia - sempre no outro dia - fui a Lisboa e conversei demoradamente com o meu alfaiate. Acabei por me decidir pelas palas nos bolsos. Depois, resolvido esse e outros assuntos, saído da alfaiataria, respirei o ar frio do Chiado e comprei, numa livraria, o "Ritos de iniciação e sociedades secretas" do Eliade. Quase à porta da livraria conspirava Pacheco Pereira, uma bela nota de "Chiado ancién" que estimei observar. Eduardo Prado Coelho, na Bénard, fez-me perder o ânimo que buscava nuns scones e chá. Desalentado, desci o Chiado.
Estive a pensar em relacionar tudo isto, cosmicamente, como passatempo para a season.

A apresentadora solicitava aos participantes que não se perdessem em "tecnicismos". Ora vamos lá ver em que pode consistir um "tecnicismo", uma questão de datas, por exemplo: nos países do 1º mundo - e em parte dos do 3º - o prazo máximo de prisão sem acusação não vai além de alguns dias ou mesmo de horas. Aqui, pode ir até um ano. E, até muito recentemente, a pessoa podia estar presa sem saber sequer porquê, sendo essa, aliás, a prática corrente. A coisas destas chama a apresentadora "tecnicismos". É interessante.
Tudo o que aqui é dito agora, já o disse antes. Nunca será demais, porém, relembrar o que somos, a persistência da brutalidade, da crueldade, da desumanidade a par com a má fé daqueles que têm o atrevimento de proclamarem na praça pública o "avanço" e a bondade dos nossos códigos.
As questões penais ( e de processo penal) são um bom instrumento para aferir da conta em que nos temos, do que achamos que merecemos, do que somos. E, aqui somos culpados, provisórios inocentes, culpados a ser.

sábado, novembro 27, 2004

O silêncio é, aqui - e "aqui" é o mundo dos blogs - quase impossível: confunde-se com desleixo e abandono, abastardado pela persistência do último post, pela sua "antiguidade" convexa. E gestos tais como posts vazios, grandiloquências de adolescente devoto, excesso de veemência, de afinco, também são pouco recomendáveis.
Fica assim, por isso, como está, um post velho à cabeça, por me apetecer estar calado.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Tons ouro, amarelo, crèmes foncés e esmaecidos, verdes gastos da velha Gobelins (a data, c.1750, constava em baixo numa placa pequena), o programa de uma tarde, a visita à ilha do lago. Um cortesão ajudava as senhoras a subirem para o barco. Alguma melancolia. Pensei, por um tempo, tratar-se de um divertimento há muito aborrecido por todos, mas havia sorrisos de algum entusiasmo. O concerto da ilha, onde já se encontram convivas. Escapam-me os pormenores, há muito que não vejo a tapeçaria e penso agora que estão a acabar os tempos em que a poderei rever sem demasiadas explicações, sem manchas de pretexto, aparecer para o lanche basta, eis todo o necessário - e, se por desejo de mudança que não é de esperar da idade da minha anfitriã, estivesse agora noutro lugar, numa sala menos acessível, ainda assim seria bem acolhido e pareceria natural o meu pedido para a rever. Relembrei-me hoje, depois do almoço, daquele pequeno bosque e da ilha ao ouvir as "Pièces froids" de Satie que foram, pelo labor da luz e da memória, mais do que peças musicais, a sala, a peça de passagem, sempre fria, onde, em tardes de sol, a pequena orquestra esperava os retardatários entre os dois contadores sombrios.

sexta-feira, novembro 19, 2004

Da sala, fogão aceso, livro novo, alguma neura, contemplo o blog e os caminhos que a ele levam, como sítios longínquos e desabrigados.

quarta-feira, novembro 17, 2004

À minha lista do "também já não era o que foi" veio juntar-se a The Economist: um estudo daquela revista coloca Portugal no 19º lugar (a contar de cima!!!) na lista dos países onde é bom viver. Portugal estaria, segundo o estudo, acima de países como a Grã-Bretanha e a França (sic).
Já há tempos a Economist se tinha declarado republicana tendo, por isso, entrado para a minha lista de "só me faltava esta, não tarda nada estás no cesto dos papéis" .
Está provado agora que ensandeceu de vez.
Menos papelada para ler.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Por vezes chega, velha visita, o sentimento do precário de tudo isto - e "isto" somos nós e tudo o que nos rodeia.
Encontro algum paradoxal alívio num sentir geológico, numa microscopia de lentidão quase incomensurável, absurda.
Uma outra velha amiga, emerge do frio, sorri, admoesta-me sobre as minhas preocupações com as malaises em voga e lembra-me que preciso de ir comprar tinteiros para a impressora.
"Sempre passeia e apanha sol" - diz ela.
Evito a capitulação total: "compro os tinteiros amanhã, em Lisboa. São mais baratos".

sexta-feira, novembro 12, 2004

...................................
Through all their former Places, we
Like Individuals go
Who something lost, the seeking for
Is all that's left them, now

Emily Dickinson

terça-feira, novembro 09, 2004

segunda-feira, novembro 08, 2004

Tarde azul, amena e a eternidade do que já foi. Traços de nuvens rosa, sobre o cinza ténue do fim de tarde.
Schubert, op. 100, breves reflexões sobre a contingência e elogio da peripécia. Vidas aventurosas de antanho e sua glorificação.
Preguiça e vagares.

sábado, novembro 06, 2004

Assisti (ontem?) à libertação da hospedeira do avião envolvido no tráfico de droga.
A justiça venezuelana parecer ser o que a nossa não é: célere.
Nalguns telejornais, contudo, a situação é tratada com o espírito "até que enfim, são inocentes, ora esta, o atrevimento!"
Quando se trata da "nossa" "justiça, ao invés, é preciso ser sereno, respeitar os trâmites, os prazos ( no caso da prisão preventiva sem acusação, 18 - dezoito - vezes superior, em Portugal), aguardar, não discutir o que está em segredo de justiça e aceita-se placidamente que inocentes possam estar presos sem saberem porquê.
Somos assim.

Tarde magnífica. Vou passear.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Estou convencido, pelo que fui lendo nos jornais, que há pessoas inocentes detidas no caso da Venezulea, como já disse num post anterior e, por isso, espero que sejam libertadas o mais depressa possível.Dito isto, averiguemos de legitimidades para mostrar indignação perante o sucedido com a tripulação do avião envolvido no tráfico de droga: o Código de Processo Penal da Venezuela, produto de um governo anterior ao de Chavez, é, incomparavelmente, mais avançado, por mais humano, por mais respeitador dos direitos de defesa que o nosso. Ao pé daquele diploma o nosso código é um amontoado de horrores. Calem-se, por isso, todos aqueles que, aqui, defendem que é preciso "deixar trabalhar a justiça", quando isso significa, por exemplo, poder ter pessoas presas sem acusação durante um ano de e outras enormidades de igual jaez permitidas em Portugal com geral aplauso.O estado das prisões da Venezuela é que já se pode assacar a Chavez e, por isso, não me surpreende que seja o que se diz que é. Convirá, porém, lembrarmo-nos que, pertencendo nós, nominalmente, ao 1º Mundo, o estado das nossas prisões, observado por um norueguês ou um sueco, não será muito menos horrivel do que o dos cárceres venezuelanos, o que não deixa margem para grandes indignações. Atento tudo isto, era melhor que estivéssemos calados.
Com conhecimento ao marujo FNV que já denunciou alguns double standards.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Sempre estive convencido da vitória do Presidente Bush e as primeiras projecções confirmaram a minha previsão. Esperei ainda um tempo para ver se haveria algum suspense, mas logo percebi que não. Que fazer para animar a noite? A resposta surgiu rápida: assistir a tudo através de um canal francês. Assim fiz! E, de facto, muito me ri com a TV5. Os franceses, que ainda há pouco tempo tiveram de optar entre dois homens de estado de uma estatura gigantesca, Le Pen e Chirac e olhavam, por isso, a coisa de muito alto, não deixavam de alinhar pelo smart casual de Kerry e da sua femme-potage, a afro-americana (assim ela se apresenta) Teresa Ferreira. Sem a menor preocupação de rigor ou isenção, falaram, falaram durante horas (o que aquela gente adora ouvir-se e fingir que ouve os outros ouvirem-se...) sobre a má escolha dos norte-americanos.
Enquanto falavam para deplorarem o resultado, devem ter arranjado ocasião para darem as suas ordens de compra, já que, quando acordei, hoje de manhã, a bolsa de Paris estava em alta (franca).
Uma noite divertida com uma conclusão moral e matinal adequada.