Há dois anos, sentimentalmente, resolvi vir de Paris de combóio. Já em Espanha, relembrei-me das estações espanholas de há uns anos e reparei no diferente que estavam, diluída a diferença de outros tempos com o além-Pirinéus. Adormeci cedo, perto de San Sebastian e só acordei com o anúncio da chegada à estação de Vilar Formoso: anúncio numa voz antiga, de involuntárias e tristes rispidez e aspereza, aquele "Estação de Vilar Formoso", martelado e metálico, soou-me mofino e envelhecido na demora com que emudeceu na manhãzinha desolada, silenciosa e muito azul de Verão.
Sentei-me, então, acabrunhado, quase atordoado, a tomar o pequeno-almoço e lembro-me de me ter perguntado o que se fizera a tanto dinheiro, a tanto milhão europeu, e como tudo soçobrara perante a granítica inércia do nosso atraso. Com a mesma incredulidade com que Jacintho vira desaparecer toda a sua bagagem, perguntei-me aonde foram tantos fundos, como podiam ter desaparecido sem deixar rasto.
Desde essa altura, quando oiço anúncios de modernidades e coisas que nos mudarão, lembro-me daquela manhã.
Ontem, ao ler a crónica de Vasco Pulido Valente, ainda uma vez pensei no tempo parado da estação de Vilar Formoso.
Transcrevo aqui, do Público:
«(...) Para começar, e ao contrário do que secularmente proclamou a retórica literária e oficial, a posição geográfica isola Portugal do mundo. Nunca, evidentemente, "entrámos" no Mediterrâneo e, no Atlântico, uma potência pobre e pequena não podia aspirar a um papel duradouro e relevante. A "civilização" escorreu para cá muito devagar e com muito atraso. Apesar de uns nódulos por aqui e por ali, o país não se industrializou. E o primitivismo da produção doméstica (como a exiguidade do mercado interno) não permitia uma expansão comercial sólida. Vivíamos da terra, de alguns "negócios", da rapina. A classe média, essa, vivia do Estado: do emprego, do subsídio, do privilégio, do subsídio. Era, e é, uma classe parasitária. Mudar a economia portuguesa implica mudar uma velha cultura. O que não se faz subindo ou descendo ou IVA ou o IRC. Ou com a panaceia do investimento público, que o "fontismo" no seu tempo inventou. Precisamos de espaço, de espaço físico e "espaço humano". Por outras palavras, precisamos de transformar Portugal numa sociedade cosmopolita e de esquecer as fronteiras, que nos sufocam e limitam. A única resposta à crise perene do país não é "nacional". A nova emigração já compreendeu essa realidade básica. E a "Europa", ou parte dela, compreenderá a seu tempo - e com a nossa ajuda - as vantagens da imigração.»
1 comentário:
«Vivíamos da terra, de alguns "negócios", da rapina. A classe média, essa, vivia do Estado: do emprego, do subsídio, do privilégio, do subsídiou.»
E agora, como é? Não me lembro de nenhuma classe média privilegiada. Não devemos viver no mesmo país. O privilégio, o "negócio", o subsidio e o subsidiou é o modus vivendi da classe alta. Era e continua a ser.
Enviar um comentário