quarta-feira, janeiro 31, 2007

Parece-me que há um erro no que diz, um grande erro: não seríamos todos nós, cidadãos comuns, quem estaria sujeito à inversão do ónus da prova, mas quem, e apenas quem, exercesse cargos públicos. Será um dos ossos do ofício da coisa pública, como já acontece no Reino Unido, a pátria do rule of the law que invoca para rejeitar a proposta. Referiu-se a esse regime britânico o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa - que não esqueceu que, a apontar no mesmo sentido, existe já uma directiva comunitária.
Coisas enternecedoras - e todas elas vindas de Paris!

Os RG, Renseignements Généraux, os serviços de informações gerais (as alegrias que a república francesa me dá são infindáveis!) teriam recebido ordens para investigar o património imobiliário de Madame Royal, a candidata socialista ao trono do Eliseu. Teriam sido as informações destes amáveis serviços que forçaram a candidata socialista a declarar que sim, que pagava imposto sobre a fortuna (é coisa que nunca deixa de me espantar, a aptidão dos socialistas para fazerem fortuna e, acima de tudo, o conservarem-na com tanto empenho e eficácia).

A outra notícia que veio da repúblique da Gália foi a do uso de testes de ADN em alguns suspeitos habituais para determinar quem, há dias, tinha roubado a lambretta do filho do ministro de la république, Sarkozy. Uma diligência que faz ternura, de facto: é a fraternité aplicada ao rebento ministerial, com algum esquecimento da égalité, já que parece nunca ter sido usado método tão científico para detectar os autores dos outros milhares de roubos de duas rodas. A notícia não especificava se os acusados tinham ficado em liberté.
A entrevista com Vasco Pulido Valente: um inexplicável luxo.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Se o aquecimento global se mantiver a este ritmo estou em crer que terei de instalar chauffage central...

segunda-feira, janeiro 29, 2007


Depois de saber tudo sobre Masson, descobri ontem que Miss Pearls era bibliotecária. Percebi o porquê de um blog aparentemente tão - uhm, como dizer? - sensato e recatado, emanar uma carga erótica tão... tão intensa, tão Cancioneiro Geral, uma licenciosidade delicada e perturbantemente gótico-manuelina. Fiquei a saber, mas ainda não me recompus verdadeiramente.
Em labirintos e arabescos repousava de alguns rectos intentos a que, por falta de engenho, não alcancei furtar-me, quando vi que aqui se publicava o nome do autor deste blog. Fui numa carreira ao google ver quem era. Lá estava: MARTINS, JOSÉ - Nasceu em meados do século passado [séc. XIX], em Patos, segundo informa Átila Almeida.
Tal como supusera, mais coisa menos coisa.
Curiosidade satisfeita, volto para onde estava.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

«...Tout le malheur des hommes vient d'une seule chose, qui est de ne pas savoir demeurer en repos, dans une chambre.»

Pascal, Pensées

terça-feira, janeiro 23, 2007

Esta minha assiduidade aqui, no blog, radica, creio, no medo de existir que, segundo José Gil, compartilho com os demais portugueses: não quero que o meu algum cansaço do Impensável se inscreva, fique registado pela omissão, e obrigo-me a escrever ainda mais um post.
Vou ter de combater esta compulsão timorata.


O tempo do patrocionador Bris

segunda-feira, janeiro 22, 2007

O que mais gostei hoje nos blogs:

"(...) alguém que tão abnegadamente se eregeu em ombudsman blogosférico da imprensa (...)"

Eregeu é um achado. Significará, creio, erigir perto ou nas costas do mar Egeu, ou, fig: erigir argumentos, argumentar com os métodos dos sofistas das proximidades do Egeu.

P.S. Mesquinho? Seja, mas tenho para mim que o eregeu não é lapso.
Tempos bons para viver: quando as coisas não têm ainda nome e os animais falam.

domingo, janeiro 21, 2007

Cheguei há 10 minutos do depois de jantar em casa de amigos. Noite muito divertida, estive com gente que não via há muito e que gostei de rever.
O poema em que tinha pensado para hoje era o Neutral Tones do Thomas Hardy, apenas por falar de dias de inverno. Gosto muito da terrífica terceira estrofe.

NEUTRAL TONES

We stood by a pond that winter day,
And the sun was white, as though chidden of God,
And a few leaves lay on the starving sod,
-They had fallen from an ash, and were gray.

Your eyes on me were as eyes that rove
Over tedious riddles solved years ago;
And some words played between us to and fro -
On which lost the more by our love.

The smile on your mouth was the deadest thing
Alive enough to have strength to die;
And a grin of bitterness swept thereby
Like an ominous bird a-wing….

Since then, keen lessons that love deceives,
And wrings with wrong, have shaped to me
Your face, and the God-curst sun, and a tree,
And a pond edged with grayish leaves.

sábado, janeiro 20, 2007

Amanhã, domingo, há poema.
A Associação Sindical [sic] de Juízes Portugueses elaborou, a propósito do caso de Torres Novas, um comunicado tão inexplicável quanto ela própria.
Chamou-me nele a atenção esta frase, logo no início - não, não é sobre o problema da "legitimação" embora seja suculento - mas refiro-me ao esclarecimento sobre a admissibilidade de critica:

« Numa sociedade democrática e plural, tendo em conta que a transparência e a crítica são valores inerentes à legitimação democrática dos tribunais, é admissível que as decisões judiciais sejam sujeitas ao escrutínio dos cidadãos, assumindo aí a comunicação social uma função importante. »

É só para dizer que numa democracia não é apenas admissível o escrutínio, pelos cidadãos, das decisões judicias mas absolutamente imprescindível.
Afinal, não são eles o Povo em nome do qual se administra Justiça?
Ou o Povo será, meramente, a entidade patronal?
Foi no Bomba que li o artigo de VPV sobre o referendo. Concordo com muita coisa ( ou não fora ele um dos meus maîtres à penser), mas não partilho o medo de que o referendo enfraqueça a representação. VPV sabe bem o que é a representação em Portugal e disse-no-lo elequentemente depois de ter renunciado ao mandato. Ao que lhe foi concedido para nos representar - antes, creio, de ter havido qualquer referendo.
Se não considerasse que a vida humana começa na concepção e que é, em si, um valor absoluto, teria imenso a discutir e a ponderar. Pensando como penso, resta-me aborrecer e votar "não" - aquilo em que acredito não é discutível.
Quem parece que também votaria não - se considerasse a vida humana absoluta - seria o Dr. House. Os estranhos sintomas de um seu paciente, concebido por inseminação artificial, deviam-se, segundo o seu diagnóstico, a algo que lhe aconteceu quando tinha, quando era 12 células: uma delas foi substituída pela de um outro óvulo, de um gémeo seu. O paciente sofria das consequências do quimerismo.
O que nos acontece quando somos 12 células influencia a nossa vida futura... há entre essa dúzia de células que podem e o que somos muitos anos depois um ininterruptus continuum, uma identidade de destino, de singularidade que nenhum dramático obstáculo, nenhum terrível acontecimento perturba (nem sequer o começo do pulsar desse estranho artefacto onde, quisemos pensar, nasciam os nossos afectos).

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Uma das coisas que me preocupa(va?) no TLEBS é a de me parecerem aquelas designações muito de quem não lê, mais ainda, de quem não gosta de ler, nem da língua portuguesa, a julgar pelo modo como a escrevem.
Serviço Público: muito agradável a manteiga fresca, feita em casa, nos scones tépidos. Pôr, depois, a geleia de chá.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

E não esquecer de assinar, concordando e querendo, a petição anti-TLEBS.
É a última semana.
O link está ai, à direita, nas causas.
Episódio de anglofilite não infecciosa: vontade de me meter num avião - ou no velho e decrépito Sud - e ir estar uns dias a Inglaterra, a Londres (books, shirts, some grooming things, colognes) e, depois, a Hastings ou Torquay e voltar aqui, smoothly.
Sei, porém, de antemão, que a preguiça tem a batalha ganha. Tem? Tem. Tem!? Não, mas tem.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Tenho de me deixar de noitadas, sejam elas para os mais benfazejos fins: o certo é que já não tenho vinte anos e a alucinação ronda, de perto, muy loca:

According to media reports coming out of Latin America, President Chavez is considering a proposal that would establish him as the high priest of his own form of evangelical Christianity, convert his cabinet members into bishops of a lower rank, and submit church activities to the civil and military power of his government

Logo, depois de almoço, hora de sensatez e bonomia, venho ver se este post e o resto (links, etc) ainda aqui estão. Se, antes de almoço, não tiver lido ou ouvido referência a isto nos telejornais, nos teletextos e nos blogs e este post - incluídas estas reservas - se mantiver aqui, resta-me pegar no telefone e marcar a consulta.
Enfim, alguém inteligente e sensato: «PGR não tem solução para violação segredo justiça: (...) o Procurador-Geral da República diz que nada pode fazer para acabar com as violações do Segredo de Justiça. (...) Pinto Monteiro, admitiu hoje que "seja qual for a lei", o segredo de Justiça será sempre violado.»

Mas há solução: desde logo acabar com o segredo de justiça, inexistente nas grandes democracias (não confundir com segredo da investigação policial...). Este segredo de justiça que é quase justiça em segredo - e este processo penal - que o pacto está longe de remediar - é um produto de burocratas estatizantes desejosos de uma burocracia estatizante de um tal jaez que deixaria invejoso o mais minucioso funcionário dos Habsburgos - embora a administração austríaca tivesse servido, de facto, para alguma coisa de útil e de bom (evitou guerras e derramamento de sangue) e este segredo para nada sirva.

terça-feira, janeiro 16, 2007

A quem chegou aqui, ao Impensável, via google, com a pergunta "como ficar com anginas" : é favor deixar-se de fitas, não arranje desculpas!

Lucy Pratt, Cock and Hen amongst Blooms

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Que desonestidade, que estupidez é tudo o que rodeia o ridículo concurso dos grandes portugueses! O boçal expediente de não divulgarem o resultado da votação feita, apenas confirma o que toda a gente já sabe: que Salazar ganhou - e muito porque os votantes detestam desonestidades e espertezas saloias. A coisa ganha ainda outra suplementar graça triste: a de ficarmos a saber que os métodos do regime do Prof. Salazar persistem na televisão - e no país... - que o seu regime criou - e que estão longe de morrer.

domingo, janeiro 14, 2007

Sobrevivi aos dois jantares. No ao café do de sexta e a tempo inteiro no de ontem,estava um outro bloguista que, por mais novo, compreendeu que as ditas de cada noite revertiam a meu favor (sim, sou egoísta).
No jantar de sexta ouvi, deliciado, a reprodução de uma conversa com um edil a quem foi explicado, melhor, exigido, que não houvesse alcatroamento ou melhoria de espécie nenhuma nos caminhos de terra até à entrada da quinta. Houve quem explicasse os melhores argumentos a usar contra o gosto pelas benfeitorias dos nossos autarcas e relataram-se casos de sucesso contra algumas arremetidas de boas intenções.
No de ontem - que ainda não agradeci, telefono depois de escrever isto - houve a descrição de uma prova cega de manteigas que terá durado algumas horas.
Com isto, acabei por não ter que gastar as ditas que tinha conseguido encontrar.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

E... e esta sensaçao estranha de que esta discussão do aborto, por importante que seja, escamoteia a de outra morte: a nossa, a do nosso país.
Entre 1997 e 2005, foram constituídas arguidas 37 mulheres, tendo havido condenação para 17. No entanto, não é possível distinguir quantas dessas mulheres eram grávidas que deram o seu consentimento ao aborto e quantas foram implicadas por participarem na sua prática (médicas, enfermeiras, parteiras). Também não é possível saber quantos casos são relativos à prática de aborto até às dez semanas e após as dez semanas.

Conviria saber, ainda, se alguma dessas 17 cumpriu efectiva pena de prisão.
Mas enfim, o problema não está aí, já que não se trata de de tirar mulheres da cadeia ou de impedir que para lá vão (que desconhecimento da prática dos tribunais, do mundo real, o dessa gente...), mas de permitir que à panóplia dos meios de contracepção se venha juntar o do aborto livre e sem justificações até às 10 semanas e que comunga do consumismo da nossa sociedade, na caso o consumismo de direitos (e a que se junta o culto neo-realista-rocaille e o retro das esquerdas mais modernas).

quinta-feira, janeiro 11, 2007

A discussão à volta do aborto, mormente as reinvindicações dos partidários do sim, tem de chocante a exibição de boas - algumas o são - intenções onde elas deixam de contar: na morte. Assemelham-se aos pedidos para que a pena de morte, um escândalo em si, de per se, possa ser mais humana. Ela é sempre humana, a crueldade é humana e se para os cultores da contabilidade do sofrimento há uma diferença, um ganho sobre a guilhotina no ambiente asséptico de uma sala de injecção letal, para mim, incapaz de entender essas pias preocupações e esses ganhos, condenado a ver - verdadeiramente, condenei-me a ver (ao menos que veja isso) - o derramento de sangue na morte mais exangue e lívida, o escândalo mais cruamente se espraia por estes belos dias de Janeiro, bárbaros, atrozes, muito azuis.
Ruisdael

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ele há males que vêm por bem, e os meus achaques catarrais já me afastaram de dois jantares. O bem não reside nesse afastamento em si, numa qualquer erupção de ascese; o bem consiste em me dar tempo para refazer o meu repertório de frases para jantar, na verdade gasto já há dois anos.
E hoje, estava eu nas saias de Elvira depois do lanche, quando a propósito de uma frase de Lourenço sobre o exagero de apoplexias em Eça me lembrei que, tal como Paul Johnson afirma que Picasso não sabia pintar mãos, pode a gente dizer que Eça não sabia matar as personagens. Não será um achado mas não fica mal com um daquelas coisas lugubremente gelatinosas e tièdes que em outras épocas seriam agradáveis chauds-froids.
O sável ainda vai demorar este ano (por incrível que pareça, por falta de água nos rios!); mas sim, pode aparecer por este época, raro, mas por vezes aparece. Deixei marcado e ficaram de me avisar quando soubessem que iam ter. Resta-me esperar.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Creio que acontece a todos os passeadores o que sucedeu àquele: de repente, percebeu que não sabia onde estava, nunca tinha estado naquele sítio, que se perdera; sem que desse por isso, desviara-se do caminho; por mais livre que tivesse decidido que iriam ser os seus passos, não era por ali: estranhada a fealdade dos sítios, das casas, cogita que em vão são os dias de quem lá mora (tão longe que estão de tudo) e estuga o passo para voltar.
Que havia anos de já haver sável em Janeiro! Pelo que vi no google, é lá mais para os finais de Fevereiro. Lembro-me de ouvir dizer, todavia. E o que li no google era em rios mais a norte, talvez aqui, mais a sul, chegue mais cedo. Vou ver mais logo se tenho razão e encomendar já para mandar fazer de escabeche, ou daquele outro modo, quase carpaccio, em vinagre - e metia, também, vinho branco? Ou vinho branco e apenas um pouco de vinagre? Depois verei. - Fazia-se cá em casa dos dois modos mas noutros tempos em que não havia esta falta de pessoal, porém, sempre mais habitualmente o de escabeche. Se arranjar um sável decente, bom, mando fazer só de escabeche.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

E a primeira alegria maldosa do ano tive-a agora mesmo, por intermédio do Crítico: foi a vaia - parece que monumental - a Saramago no celebérrimo Alla Scala. Alegremente vaiado, diz o Crítico.
Viva a alegria, Bravo! Bis! Bis!

Joseph Cornell, Habitat Group for a Shooting Gallery, 1943

domingo, janeiro 07, 2007

Da caixa de comentários do Futuro Presente:

«Espero sinceramente que a sua separata da Ética tenha chegado em melhor estado que a minha...
Posted by Je maintiendrai Domingo, Janeiro 07, 2007

A minha, dedicada e enviada pelo autor, chegou em óptimo estado!
Posted by jaime nogueira pinto Domingo, Janeiro 07, 2007 »

As dedicatórias dos autores preservam os livros - ou meras separatas - das brutalidades dos correios, eis uma valiosa lição a retirar do comentário-resposta de JNP àqueloutro, tão solicitamente interesssado, do Je maintiendrai.
Uma fonte de desgostos, estes correios, bem o sei.
Meus caros senhores leitores: aqui e ali, livros obrigatórios, a ler obrigatorimente, até aos menos autoritários a não perder.
Tudo bem intencionado, mas o melhor é fazermos rigorosamente o que nos apetece, como diz Pessoa, que também sabia de livros obrigatórios a ler obrigatoriamente:

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
...........................................

sábado, janeiro 06, 2007

Há umas coisas que não fazem sentido: o aborto não é sempre um mal? É, todos o dizem, mesmo os partidários do sim: mesmo praticado que seja na melhor clínica, de um acto invasivo e com os riscos inerentes a qualquer acto cirúrgico. E não se gastam, todos os anos, milhões e milhões para encontrar métodos não invasivos que substituam alguns simples exames que representam bem menos perigos para a saúde do que o aborto?... Não percebo! Mesmo para os que crêem que o feto não é ainda vida humana, como é que se pode estar tão interessado em defender o que será sempre um mal, a realização de um acto perigoso e sempre traumático física e psicologicamente... Se me convencessem hoje de que o começo da vida se não dá na concepção, ainda assim eu acharia leviano que se defendesse o recurso ao aborto fora de indicações terapêuticas precisas e indispensáveis para a defesa da saúde das pacientes.
O que acharia normal que houvesse por aí era gente a pedir consultas de planeamento familiar e informação para combater ignorâncias, e toda uma panóplia de meios que não existem ou, se existem, são mal usados. Votei não no referendo anterior, como tenciono fazer agora, mas tenho uma ideia vaga que muito do que foi prometido então faltou. Mas a essas reivindicações sensatas do que falta, mesmo à correcção de práticas existentes, parece ganhar, no campo do sim, e até com algum gosto, a insistência num mal - porque é sempre um mal - e tudo isso nos coloca no campo do contra-intuitivo, da estranheza...
Francamente, não percebo. Ou antes, percebo, mas - em grande parte - como uma questão sobrevivente de outros tempos, um exemplo de uma malsã nostalgia, de celebração de uma desnecessária crueza, a que se sobrepõe uma doentia proposta nova de um hedonismo sem história, feito de um momentâneo de antemão sabidamente infértil.

O momento do nosso patrocionador

sexta-feira, janeiro 05, 2007

«Quem se arrisca a enterrar dinheiro num país paralítico, com a Espanha e a "Europa" à porta?» pergunta VPV no Público de hoje.
(Eu, muito modestamente e a pensar nos de cá, já tinha lembrando que há fundos de acções estrangeiras ao dispor de qualquer um... de acções de empresas a salvo das ideias do governo luso e da nossa pequenez em geral)
O achado porém, é o país paralítico. Não que seja de uma originalidade ou comicidades estonteantes, não é sequer uma dita ou apodo muito original, mas proferido agora e aqui, em contraponto aos dislates optimistas e esbracejantes do governo, acerta o alvo com a precisão de um dardo inteligente.
País paralítico, país entrevadinho. Define-nos bem.
"Uma democracia adulta também o é pela forma". Concordo, mas não ouvi eu, atónito como já disse por aqui, o Dr. Sampaio, ainda em funções ou apenas saído delas, dissertar em entrevista, sobre os méritos e deméritos de diversos chefes de estados estrangeiros nossos amigos que tinha conhecido no exercício das suas funções??? Assim o fez e ainda me lembro que considerava como a mais "profissional" a Rainha da Holanda, superior, por isso, à da Dinamarca e...
Mais senhor presidente do que isto...
E lá se foi um post... apagado sem glória.
Já agora, o livro do Judt não é do ano passado. Li-o em Novembro ou Dezembro de 2005. É uma bom livro e lembro-me de o ter defendido perante alguém que me lembrava ser um livro feito a partir de outros, um livro em segunda mão, com pouca ou nenhum trabalho de consulta de arquivos. É um facto que o próprio autor reconhece. Já que parece que aqui está toda a gente a lê-lo agora, lembro isso das fontes, embora o livro seja muitíssimo capaz de cumprir a sua missão de traçar as linhas essenciais da Europa dos últimos 60 anos. Mas, sobre Portugal, por exemplo, não lhes parece que faltam uns nomes lá na bibliografia?

Mas, como as tristezas não pagam dívidas, aderi à publicidade nos blogs.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Coisas tristes:

O Abrupto resolveu elencar as coisas boas, as más e as péssimas, estas últimas com direito a ícone, um cão de fila pop art em posição de ataque, o que tudo me parece de gosto muito duvidoso, mas enfim... Entre as coisas péssimas JPP põe lado a lado a entidade reguladora para a comunicação social, a política comunicacional governativa e... os "truques na blogosfera portuguesa para incrementar visitas e ligações artificialmente" !!!!
Se não fora a dor de garganta - estou melhorzinho mas não ainda bom - ficaria de boca aberta, não o tempo de uma larga tarde de Verão, como Eça, mas por toda esta soalheira tarde de Inverno. Temendo pela minha garganta, por uma questão de saúde, apenas ri. Com gosto. Muito.
Nos últimos dias do ano passado suscitou grande alvoroço um parecer de uma associação sindical de juizes sobre o crime de maus tratos previsto no artº 152º do Código Penal por nesse parecer constar que tal crime não está previsto actualmente no que aos casais homossexuais diz respeito, nem o deverá estar, em lei a fazer, pelo menos enquanto extensão da protecção dada aos conjûges. Parece-me sensato e pacífico, se é que ainda sei ler.

(O que a mim faz mais confusão, é a existência de um sindicato ou associação sindical de titulares de órgãos de soberania. É, contudo, uma mera associação particular com o mesmo estatuto que teria uma associação de bloguistas no que à actividade legislativa diz respeito e que pertence, em democracia, ao parlamento e não está dependente dos desejos e entendimentos de entidades privadas.)

Quanto à substância da coisa: o regime que pune os maus tratos aplica-se não apenas a cônjuges ou a quem viva em união de facto, mas a quem se aproveite de relações de proximidade e intimidade domésticas, propícias ao realçar de um ascendente físico, emocional ou económico sobre outrém, para o maltratar e amargurar, contando depois com circunstâncias de inferioridade da vítima para ficar impune: era habitual que as queixas (já em si representando uma magríssima percentagem da totalidade das agressões) fossem, a maior parte das vezes, retiradas. E, por esse motivo, o legislador transformou tais actos em crimes e crimes públicos: não dependem de queixa para ser instaurado o respectivo processo nem o perdão impede aquele de prosseguir. Aqui, como em tudo, há um inconveniente: o de a vítima perder controlo sobre sua intimidade já que tudo pode começar por um telefonema de um vizinho e, por isso, deve-se interpretar este estatuto de crime público como transitório - mas agora necessário - , num país onde a violência dentro de portas é uma triste e grave realidade.
E os homossexuais? Creio que a sua situação caberá em qualquer preceito que, no futuro, venha a proteger quem partilhe o mesmo tecto, ou viva em economia comum, não curando aqui das questões de técnica jurídica a resolver na altura. Escusado é que essa protecção resulte da imitação de uma realidade histórica heterossexual, que seja obtida através do esvazimento das palavras - no caso, cônjuge.
O importante é, afinal, que ninguém sofra e seja humilhado por actos criminosos de quem abusa da sua posição fazendo que haja quem, em sua casa, não tenha abrigo.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

"É estar a gente a vê-los, é estar a gente a vê-los"
É assim, assim é, infelizmente.
E não apenas os aí ditos: faltam os sensatos, pessoas que estimamos, que encontramos nas livrarias, pacatos, bem intencionados, discretos, que podem o que nós podemos, mas que também não querem pagar. E têm, de igual modo, empenhos, para vários hospitais em Paris ou Londres (com viagens e subsídio de estada pagas pela segurança social para um acompanhante) ou para o Hospital de Carrazeda de Ansiães, se necessário for.
E são esses, os que têm as mesmas sensatas prioridades que nós temos, são esses, afinal, que complicam tudo.
Estes dias lindos e eu fechado em casa, transformado num iníquo vaso de secreções... Azar.
As constipações e gripes não eram sequer totalmente desagradáveis quando era pequeno, constituíam um bom momento de estudo sobre nós, propiciava os primeiros olhares sobre as entranhas e o nosso mal-estar e os interditos salvíficos geravam mudanças estranhas, o surgir de uma topologia própria: as salas, a casa de jantar adquiriam a natureza e o exotismo de longínquas paragens inacessíveis. Da cozinha e da copa, outro continente, vinham ecos de palavras de uma língua desaprendida e estranha que recaía sobre actos incompreensíveis.
Alguns rituais compensavam-nos dessa distância: o almoço e o jantar na cama, a empregada preferida que vinha contar histórias logo que pudesse, os livros que eram postos na mesinha de cabeceira para nos distraírmos e demais paleolíticas coisas.
Hoje tudo isso é quase já inconcebível.
Um filme que vi em 2006: o Secrets & Lies. O que eu gostei deste filme! É uma elegante alegoria neo-clássica sobre liberdade enquanto questão de óptica, de ajuste da distância de leitura dos trompe d'oeil pouco deleitosos que aparecem lá ao fim das nossas histórias, da nossa história, onde se acumula a sujidade e a patine de pequenas e ternas mentiras - e em que acabamos por nos rever - e das supresas quando olhamos tudo de um outro local -em nós, de outro local em nós. Com humour. Não é de 2006? Eu sei, mas revi em 2006, quero lá saber se não é de 2006.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Do fundo do sofá onde me vim sentar para me sentir mal com mais comodidade, descubro que o fez anos. É com muito gosto que, entre dois acessos de tosse, procuro a compostura necessária para dar os meus parabéns.
Constipação horrenda, com tosses, alguns arrepios e espilros de uma violência devastadora! Não pude ir ao jantar de Ano Bom - que tanto prezo! - e tive que avisar que não podia ir a um outro, amanhã, em Lisboa. Um espilro assustador e sincero e a minha voz rouquejante convenceram, creio, a anfitriã da minha vera indisponibilidade e sincera pena por não ir já que, desde Wilde, os honestos resfriados, mesmo os mais terríveis - como é o caso - têm uma péssima fama de apressados e desajeitados pretextos: "Jack: Very well, then. My poor brother Ernest is carried off suddenly in Paris, by a severe chill. That gets rid of him."