quinta-feira, março 29, 2007

Ao contrário do que eu tinha julgado aqueles traços não têm uma função meramente estética ou publicitária: indicam características utilitárias daquelas coisas. A iliteracia dos símbolos tem-me salvo grátis do sobrepovoamento de significâncias inutéis - até ontem; ontem, tudo mudou: dvd+rw é mesmo diferente de dvd-rw (sim, o "-" não é um mero traço de separação mas, creio, um sinal de menos e o "+" não é meramente publicitário). Apenas o acaso fizera com que tivesse comprado vários deles sempre adequados. Pasmei e tremi.

terça-feira, março 27, 2007


Uma cena do Dr. House fez-me lembrar de um conto de Daudet, ou Maupassant, mas mais de Daudet e, de repente, lembrei-me da idade que tenho de ter para ver o Dr. House e lembrar-me de contos de Daudet e, confesso, esmoreci: comecei a matutar que preciso de fazer depressa qualquer coisa e desde sexta-feira passada que tento saber o quê. Lembrei-me do labirinto de Hampton Court, de me perder por lá uma tarde soalheira. Uma tarde inteira, levava um livro para ler. «Estive uma tarde inteira perdido no labirinto de Hampton Court, mas não dei o tempo por perdido: tinha levado um livro, aproveitei e li e até hoje tenho usado, em diversas ocasiões e com aproveitamento, os ensinamentos que dele retirei», diria. Seria a minha façanha. Precisaria, no entanto, ter ocasião para a contar, ocasião de tempo e lugar e obtê-la é difícil nestes tempos em que ninguém pára para escutar uma pequena história agradavelmente "daquela vez julguei-me perdido".

segunda-feira, março 26, 2007

O Miniscente publica hoje, amavelmente, a resposta ao questionário que teve a simpatia de me enviar. Agradeço, novamente, grato, o convite que me quis fazer.
41% ? Demasiado... mas esperável resultado - para mim, pelo menos, coff coff, desde que soube que tinham omitido o nome de Salazar da lista exemplificativa: serem tomados por parvos, a não ser que daí venha algum ganho, é coisa que os portugueses detestam. Isso esplica a desmesura. O resto da explicação foi dado já: protesto pelas dificuldades e mediocridade presentes, a história deserta, inóspita, sem heróis - ou pessoas comuns - que é ensinada, a burrice pcp - incrível aquela tirada final de odetismo - tudo coisas que Salazar (que toda a gente sabia, sem margem para qualquer dúvida, que era mesmo doutor e professor) preveria.
Diverti-me.
Estou a ver a RTP1. Fala-se sobre a boa perseguição do Marquês de Pombal à alta aristocracia que seria, segundo o Prof. Rosado Fernandes, ignorante. Não era. Ignorante, em termos de hoje, seria parte - mas não tão grande quanto se pensa - da aristocracia provinciana, ou a mediana aristocracia de Lisboa que era a de Pombal.

Ah, já agora, de todos os finalistas, apenas Salazar não era aristocrata. De Sousa Mendes a Camões, do Infante D. Henrique a Fernando Pessoa, todos o eram - e sabiam-no. Sim, Cunhal também era aristocrata, com costela dessa pequena aristocracia de província.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa fingiu não ter entendido que a questão do título académico do Sr. Sócrates não é o título ou a licenciatura em si, mas que o actual primeiro-ministro tenha usado - e permitido que usassem - e desde há muitos anos, algo a que não tinha direito.
E isso não é uma questão de somenos.

sábado, março 24, 2007

Acorda-se no sábado pacato e passados dez minutos é-se exposto à cruel realidade: a irrealidade portuguesa. Na televisão, uns patetas alegres pedem a hora europeia para Portugal, por motivos económicos. A par destes - eu diria, acima destes - há a falange tropical que pensa na praia, no Verão, às oito da noite e não pensa nas crianças e gentes em geral a levantarem-se de noite às oito da manhã no Inverno e a viverem com uma hora que não é a local...
O motivo económico é idiota e a Irlanda - nem falo da Grã-Bretanha - aí está para demonstrar que não é necessário viver desajustado da realidade para ter êxito económico.
A questão, porém, deve ser seguida com cuidado: é uma medida grátis, consagra uma insensatez e é apta para provocar um desnecessário mal-estar, isto é, tem todas as condições para obter adesões entusiásticas e ser transformada em decreto-lei.
Alerta, em nome do princípio da realidade: aprenda-se, ao menos, a viver com a geografia.

quinta-feira, março 22, 2007

O meu pasmo de hoje:
Uma juiz alemã não concedeu o imediato divórcio a uma mulher marroquina que vive na Alemanha, espancada pelo marido em território alemão, com o fundamento de que o Corão não condena esses comportamentos (o que é, aliás, falso).
O interessante deste episódio é ser uma ignomínia prismática, de todas as faces - e são muitas - a decisão constitui uma alarvidade.

quarta-feira, março 21, 2007

Notas depois do café: na Segunda-Feira vi o Dr. Francisco Balsemão no programa «Prós e Contras». A questão que pôs, a saber, em quê era diferente o serviço da RTP do prestado pelas outras estações televisões não teve resposta - nem podia ter! - Notou o antigo primeiro-ministro : como pode ser diferente se tem publicidade e, por isso, necessidade de manter e satisfazer audiências? E, em vista disto, como educar o povo, o desejo confesso do ministro Santos Siva (se se chama Santos Silva...)? Não "se educa o povo" com futebol nem com programas culturais emitidos de madrugada (e remetendo, v.g., um programa com as características do programa do Dr. Saraiva para a 2).
Do outro lado, todos os outros convidados mostravam, a quem quisesse ver, o que é um país estatista e pouco dado a reflectir sobre o poder do estado e a origem da sua legitimidade ou os seus limites. Todos os opositores do Dr. Francisco Balsemão sabem uma coisa: de facto, não necessitam de usar argumentos, de convencerem: a RTP é um utensílio necessário para o governo - principalmente estes, medíocres, que tanto merecemos - e de que nenhum prescindirá; e eles bem sabem que, por isso, não é, de facto, concebível em Portugal que desapareça ou que mude até se transformar num verdadeiro e efectivo serviço público - como, por exemplo, vejo a TV5 ser. Uma verdadeira discussão sobre o assunto é, por enquanto, inimaginável, neste país que incensa Pombal, um cruel ditador que encheu os bolsos à custa do erário público e que projecta o culto pelo estado no Prof. Salazar, um digno sacerdote do mesmo. Por tudo isto, as queixas do Dr. Balsemão são recebidas com a bonomia que guardamos para as excêntricidades mansas e a existência de outras televisões, tolerada em nome do que se passa lá fora, será sempre tratada, no fundo, como uma perturbação e uma ameaça que todos, do Dr. Morais Sarmento ao ministro socialista, se apressam a tentar reduzir.

No fim de tudo, e como ninguém disse nada de novo - o que não é, aliás, o pior dos defeitos - ficou daquilo o ter-se podido ver alguém civilizado na televisão. Muito agradável, de facto, rever o Dr. Balsemão.
Bouguereau, Le Printemps, 1886
Chegou hoje mesmo a Primavera: aqui a vemos, ainda combalida.
A caminho do duche: na "revista da imprensa" da RTP1 chama-se repetidamente a atenção para a inesperadíssima notícia da sucessão dentro da Sonae. Para mim, porém, não foi surpresa: muitas vezes pensei em quem poderia suceder ao Eng. Belmiro e tinha já alvitrado que seria o filho, isto por coisas que eu cá sei - entre as quais avultam as disposições do direito sucessório português.
Já a notícia sobre a votação dos "Grandes Portugueses" na 1ª página do DN (Salazar 22 000 votos à frente de D. Afonso Henriques e de Cunhal), passou em silêncio.
Nos alvores do dia: abandonei o castanho, por deprimente.
Tentei alterar a cor, o que consegui em parte, mas do em parte resultou um todo péssimo.
Abriguei-me nestes brancos zen e continuo a ver de templates. Se não encontrar, fica assim, este.

Nota: Encontei esta noite estas palavras (que não via há muito): esquadrinhar e ímpetos.

terça-feira, março 20, 2007

segunda-feira, março 19, 2007

Um dos blogs que, até agora, lia com gosto, o Portugal dos pequeninos, desiludiu-me hoje.
O erro é grave: escreve-se naquele blog que no CDS aquilo foi de "fdp para cima" [pudicas abreviaturas minhas, por causa das senhoras].
Acontece, porém, que não é assim: creio que foi de fdp para baixo.
Entrei na net e vejo que Zezinha Nogueira Pinto se diz* agredida por um deputado de Viseu, tudo por causa das eleições do CDS. Quero ver logo à noite se já ostenta qualquer sinal, discreto embora, da sua nova condição de mártir da vida democrática (uma écharpe escarlata presa por uma pequeno alfinete com a forma de uma palma em rubis - ou diamantes, para não parecer forçada a alusão - e um ar de doce quanto inconformada indignação tem chic, hão-de convir).

* o diz não é dúvida quanto à sinceridade da senhora queixosa, mas mera precaução para o que a aflição de uma senhora pode engendrar.
Mais uma vez se ouve o presidente do sindicato dos procuradores a dizer o que é ou não é admissível que o povo portugês faça...
Se é certo que todos nós partilhamos as apreensões de Vasco Pulido Valente sobre as reformas das polícias, certo é, também, que o importante, nisto de polícias, é saber como se efectiva a responsabilidade dos seus responsáveis. Ora, mais depressa se chama um ministro da Justiça ou do Interior a S. Bento - que digo! - com mais facilidade cai um primeiro-ministro do que se obtém contas de um procurador da república por qualquer dos seus actos. Se o anterior procurador geral até se julgava o titular de um órgão de soberania (!!!!!, sim, sic) e teve o atrevimento de tratar com displicência a Assembleia da República, mandando recado de que não parecia comparecer à chamada dos representantes por ter uma reunião com outros burocratas... prefiro que quem manda nas potícias possa ser retirado do seu cargo com alguma facilidade.

quinta-feira, março 15, 2007

Não sei se não me estarei a repetir, de um modo mais agudo e estridente, neste caso do Chiado e Baixa, mas eu gostava muito da Baixa e do Chiado. Quem não se lembra dos batidos de morango com creme da Ferrari? Um dos gostos de ir a Lisboa prendia-se com aqueles batidos magníficos que, com alguns bolos da Bénard e as panquecas da Caravela compunham a bataria das coisas boas do ir a Lisboa quando eu era pequeno. Também havia direito a escolher um ou dois livros na Bertrand e espiar - actividade por vezes com sucesso - as lojas de brinquedos. Uma delas, na rua Augusta (ou do Ouro?) era a minha preferida, embora a «Kermesse de Paris», no edifício do Avenida Palace, albergasse uma fábrica de armamento não desprezível...
Mais tarde, descobri-me leitor dos olisipógrafos o que faz com que a gente a gente veja em relevo os sítios sobre que leu, e subir o Chiado e passar pelo local onde foi o Marrare ou reconhecer na Casa Havaneza a que Eça frequentara foi um dos meus primeiros - e últimos - prazeres eruditos.
Todos estes sítios, lojas e ruas estavam cheios de gente, uma multidão ociosa e agradável. Parte dessa multidão era de gente que por um motivo ou outro se conhecia e se cumprimentava.
Hoje é o deserto.
Poderei dizer ainda uma vez que gostava mesmo, mesmo do Chiado?
O Chiado perdeu o ar abandonado de há uns anos atrás, mas está morto, como morta está toda a Baixa. Muito egoisticamente penso no que mais directamente me afecta, a perda da Baixa como ponto de encontro. Não foi só a incrível demora na reconstrução depois do fogo que finou a Baixa. A minha geração, a primeira sem ter empregadas, perdeu o hábito de sair. Quando os filhos cresceram - e já cresceram - a Baixa não voltou aos seus roteiros de tardes e o «sair» não foi reinventado em termos actuais. Pacóvia, bacocamente, faz-se a imitação néscia do estar até tarde no emprego - em vão, dados os nossos índices de produtividade - mas não se tenta imitar o encontro de fim de tarde que anima as grandes capitais europeias onde, realmente se produz - veja-se Madrid ou Londres.
Lisboa está menos civilizada, e aquele travo estranho que se sente no deserto Chiado é o da ausência do savoir vivre, é a vitória da vida de subúrbio, de arrebalde inóspito, e da longínqua lembrança do trabalho rural de sol a sol que -escondido e negado - levaram do interior os migrantes do post-25 de Abril.
Fui ontem, Quarta-feira, a Lisboa. Para cá e para lá, companhia agradável. Investiguei Chiado e adjacências.

quarta-feira, março 14, 2007

Os mercados de acções estão num torvelinho, entre outros motivos, pelos medos suscitados pelo atraso no pagamento das hipotecas nos USA, o que poderia levar à falência às empresas financeiras que emprestam sobre esse tipo de garantia. Por sua vez, a existir uma situação mais exposta (bom jargão...) dessas empresas, os bancos acabam por ser afectados, o que já sucedeu com alguns dos bancos suiços. Mas o post não pretende ilustrar a interdependência e a globalização. A propósito de saber se sim ou não o sector dos empréstimos sobre hipoteca necessita de medidas legislativas, os canais noticiosos destas coisas dos dinheiros foram ouvir a opinião de alguns senadores norte-americanos. E a gente fica mesmo com a impressão que o legislativo nos USA é aquilo que o poder legislativo deve ser e que os legisladores participam de modo efectivo dele, que não são os tristes funcionários que são aqui.
Quem, em Portugal, sobre uma questão semelhante iria entrevistar um deputado?
Ninguém, e com a razão de serem os nossos deputados (os representantes eleitos do povo...) funcionários tristes que devem tudo ao chefe do partido, a quem obedecem, e pouco aos eleitores.
A propósito, neste pormenor está um dos erros fatais da nossa democracia (itálicos por diferentes motivos).

terça-feira, março 13, 2007

Num blog para mim quase desconhecido - mas não deve sê-lo para os connaisseurs - um relato de viagem a países longínquos. Cada vez mais saloio desconfiado, quase sempre que por esses blogs leio um roteiro de viagem, ou compêndio de impressões pitorescas e estados de alma viajante, fico com uma de duas sensações : é a primeira a de que o autor do relato não pagou a viagem do seu bolso - o que me é indiferente. A outra, que me incomoda ligeiramente, a de que acabei de contribuir, por interposto imposto, para que alguém se passeie enquanto eu suporto a mesmice do quotidiano.
A leitura do jornal continua profíqua: o chefe da oposição a Mugabe foi preso e espancado na cadeia. Mugabe é o ditador comunista do Zimbabué, recebido pela União Europeia, Chirac à cabeça, com todas as honras.
Momento Judicial
O Ministério Público diz que Fátima Felgueiras recebeu dinheiro de empresários, através de cheques (que estão juntos ao processo). Não cabe aos arguidos o ónus da defesa. Esse ónus cabe à acusação e consiste em fazer a prova do que acusa - neste caso a acusação pública, que tem os recursos do Estado e teve, neste particular caso, anos para investigar. Esse ónus consistirá, aqui, na demonstração que os cheques dos empreiteiros foram creditados na conta da arguida, ou noutra a partir da qual as quantias a que dizem respeito chegaram à posse da arguida. Pelo que posso entender e deduzo do que leio, essa prova não está feita, parece haver elos que, a terem existido, faltam.
Interessante, mas não inesperado.
Eça de Queiroz escreve de Lisboa a sua Filha Maria e diz-lhe que, por se estar a levantar cedo, lhe parecem - e são - longos os dias. Nem mais e é sempre bom ter alguém que admiramos a corroborar as nossas próprias impressões.
Depois da vitamina C (1 gr.):
O Museu de Arte Antiga não tem dinheiro para pagar a água e a luz. Verifiquei, por esta noticiazinha, o pouco que conheço do meu país: pensava não só que essas questões mais comezinhas estavam resolvidas quanto que era apenas por desleixo meu que desconhecia a política de aquisições de obras por parte dos museus nacionais nestes últimos anos.
Que não duvido que haja uma.

segunda-feira, março 12, 2007

2ª feira...
Entre o artigo certeiro de Vasco Pulido Valente (há por aqui um pleonasmo qualquer) sobre a OPA da Sonae, a absoluta grosseria e extraordinária boçalidade a propósito de Agustina Bessa-Luís (tanta, que falar disso alguém, como eu o faço agora, é ainda, a seu modo, participar no que se denúncia), entre o lembrar-me de ter ficado a meditar, quando li que Portugal tinha estado amordaçado, que o grande segredo é, talvez, que o tenha estado em vão, isto é, desnecessariamente, já que nada tinha para dizer ou fazer, o ver que só agora - mas antes tarde do que nunca! - se vê gente incomodada com o cartão tudo em um, vendido como uma modernidade - que já vi muito gabada! - as policías a despachar com o primeiro-ministro, a situação económica sem melhora sensível, as reformas por fazer, entre tudo isto, estas coisas tão díspares entre si senão o serem relativas à nossa terra, seria difícil encontrar motivo para estar bem disposto se não fora ser o habitual da situação e não estivesse a ler o livro do Job.
7 O Senhor disse-lhe:«Donde vens tu?» Satã respondeu: «Venho de dar uma volta ao mundo e percorrê-lo todo.» 8 O Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal.» 9 Satã respondeu ao Senhor: «Porventura Job teme a Deus desinteressadamente? 10 Não rodeaste Tu com uma cerca protectora a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e os seus rebanhos cobrem toda a região. 11 Mas se estenderes a tua mão e tocares nos seus bens, verás que te amaldiçoará, mesmo na tua frente.» 12 Então, o Senhor disse a Satã: «Pois bem, tudo o que ele possui deixo-o em teu poder, mas não estendas a tua mão contra a sua pessoa.» E Satã saiu da presença do Senhor.

Job, I, 7-12

domingo, março 11, 2007

Que dia tão bonito, muito azul, muito luminoso, muito tranquilo, um grande silêncio risonho e bom, muito pacífico, quedam-se nele as horas serenas.
Ao longe, as várzeas - deixem que as várzeas sejam ao longe, antes dos montes, não me contrariem - e até lá o rio, os vergéis.
De correr mundo as terras e os humanos
como paisagem que ante os olhos passa,
e às vezes percorrer umas e outros
nos breves intervalos entre duas viagens,
uma incerteza deixa que é diversa
da que se aprende no convívio longo:
quem se demora vê, sob as fachadas
ou as perspectivas de alta torre feitas
um gesto em que se mostra uma outra vida,
ou troca frases que desnudam crua
o que de interno ser sob as fachadas vive;
mas quem só passa e mal aos outros toca
com mais que olhares ou fugidias vozes,
mais adivinha o que não é paisagem
mas dia a dia tão diverso dela
ou pelo menos para além ansioso.
Mas, se num caso a vida se conhece
e noutro caso nos conhece a nós,
por ambos aprendemos que do mundo
se vive o que não passa, ou se não vive
o que passando é só terras e gentes -
-o conhecer, porém, não se conhece nunca.
Apenas resta a escolha: como descobrir
essa experiência inútil. Antes, pois,
correr do mundo as terras e os humanos
que consumir-se alguém ao lado deles sempre.

Jorge de Sena

in «Visão Perpétua»
(e transcrita aqui)
SB 3/10/1972

sexta-feira, março 09, 2007

terça-feira, março 06, 2007

Desculpem, mas ainda não percebi: o caro Blasfémias é salazarista ou liberal? É que, sendo certo que as leis de condicionamento industrial, entre muitas outras medidas próprias de um forte intervencionismo estatal, não são consentâneas com o liberalismo económico - ou político, no sentido clássico e europeu do termo - ou se é uma coisa ou se é outra.
Respostas ao Impensável.
Através do Blasfémias fiquei a saber com mais pormenor sobre a questão* dos títulos académicos e profissionais do primeiro-ministro ora em funções.

Estas gentes do Portugal profundo são uns maçadores, uns muito necessários maçadores que gostam de queimar pestanas para averiguarem de minudências e insignificâncias tão significativas quanto sejam a da justeza e legitimidade do uso de títulos académicos, tarefa dificultada pelos monstros ocultos e obscurantistas que vivem no labirinto burocrático que é hoje o ensino superior...
O autor deste blog tira o chapéu ao Autor do Portugal profundo.

Do exposto resulta: alguma hesitação quanto ao facto do actual primeiro-ministro ser licenciado - dúvida que não é possível existir num país civilizado. Mas a sê-lo - e por essa inquietante «Universidade Independente» - parece que, nos termos das disposições legais em vigor, não pode usar o título de engenheiro, por não estar inscrito na Ordem.
Mas, seja por isto ou por aquilo, fica a questão de saber como tratá-lo. Há sempre a hipótese sr. Sousa, um clássico, mas hoje em dia parece coisa de somenos e pouco moderna. Eu proponho, por me lembrar do Principal Sousa, um dos membros da regência durante a ausência no Brasil de El-Rei D. João VI, essa mesmíssima designação, já que «principal» é muito adequada para um primeiro-ministro: Principal Sousa é prático e parece-me eufónico: "o Principal Sousa ontem tergeversou". Fica muito bem.

* É uma questão. Pelo menos numa democracia a sério, sê-lo-ia. Um título académico representa trabalho e esforço. Ou se tem ou não se tem. Se não se tem, não se usa. Não constitui qualquer desdouro não ser licenciado neste país de doutoral. Em contrapartida, querer ter o que se não tem, que ridículo - e que injusto para quem obteve os seus títulos académicos com esforço, trabalho e sacrifícios.
Já é muito tarde, cabeceio de sono, e estou aqui ao frio. Vim apagar a luz e a televisão e fiquei a ver a inesperada paisagem e persisto em ver a paisagem, a minúscula paisagem: embrulhado no plaid a que deitei mão, contemplo a montanha verde e, no sopé, alguns arbustos de formas estranhas. A pequena montanha, perfeiramente triângular, é o sinal que assinala as subidas na bolsa e os arbustos a percentagem, 1,33%. Sim, é a montanha Ni, a hierática montanha por onde passa o pedregoso caminho, a vereda de Dukkha.

segunda-feira, março 05, 2007

De vez em quando lêem-se alusões com o seu quê de depreciativo ao modo de falar mais tradicional. É insinuado que as palavras usadas têm o seu quê de aleatório, como se fossem usadas para aborrecer e ser diferente. O que acontece, porém, é que se limitam a ser as palavras mais simples e correctas.
Agora que temos aí outra onda de falta de gosto podemos imaginar a conversa daqui a 50 anos: - «Pai, o professor e outros os meninos dizem contratualizar, o Pai diz contratar porquê? E o Pai também diz que recebeu a carta em vez de recepcionar! E quando uma coisa acaba, o Pai diz que acabou, não diz que foi descontinuada. Lá na escola já me disseram que o Pai deve ser muito pretensioso. É?»

quinta-feira, março 01, 2007



Aqui, onde quase sempre estou, vou fazer de conta que acabei de chegar a uhmm.... digamos, uma hacienda argentina, perto do mar. Acabei de telefonar, desliguei agora mesmo. Não tenho acesso a notícias, à net, aos blogs, mas está bem, é assim mesmo. Não vou ler o jornal, não vou tomar o gin tonic, não vou ver a paisagem. Fecho os olhos.
"....the innocent sleep,
Sleep that knits up the ravell’d sleave of care,
The death of each day’s life, sore labour’s bath,
Balm of hurt minds, great nature’s second course,
Chief nourisher in life’s feast."
Shakespeare, Macbeth



Não sei onde li, mas é assim: o Marquês de Soveral teve como inesperado companheiro de viagem de Lisboa para Paris um reputado tagarela maçador. Quase ainda no começo do caminho estava já farto da secante conversa. Resolveu propor, então, uma espécie de jogo: «Meu caro, vamos fingir que não nos falamos! Damo-nos bem, não estamos de relações cortadas, vamos só fingir que não nos falamos». Não sei já se, no caso, a ideia - que me parece um achado de génio - foi eficaz, mas eu creio no poder do faz de conta.