quarta-feira, dezembro 31, 2008

Creio que, noutros tempos, menos ambiciosos, se desejava somente um feliz Dia de Ano Bom, o primeiro do novo ano. E parece de grande sensatez não cair no exagero de pedir ou desejar um ano inteiro de felicidade (quase um insuportável castigo dos deuses!), já que deles, «as imortalidades que fingia/A antiguidade, que os Ilustres ama» e que tratam destas matérias votivas, não convém escarnecer - por muito que não existam.
Feliz Dia de Ano Bom de 2009!

terça-feira, dezembro 30, 2008

E o livro do ano é, também como sempre, "A Cidade e as Serras".
Gostava muito que lessem.

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Torna-se insuportável a pressão para fabricar listas dos blogs isto e aquilo.
Impossível não ceder. Cedo: em 2008, tal como em 2006 e 2007 o Pastoral Portuguesa foi a grande surpresa.

sábado, dezembro 27, 2008

Telefonei a dar as Boas-Festas a uma amiga de meus Pais,. Acabou por se falar disto, do estado lamentável de Portugal. «É uma gente que não gosta de crianças, nem de velhos; e também não gosta de flores», disse-me.
Tenho-me perguntado porque senti que muito dificilmente seria vítima de uma burla do género Madoff que, à primeira e a posteriores vistas, parecia ser um investimento seguro. Descobri há pouco: o «factor tempo». Nestas coisas de dinheiros - como de muitas de que depende a nossa liberdade, a prova do tempo é fundamental. Poderia ter milhões que, todos eles, estariam longe das mãos do neófito Mr. Madoff.
On a fine morning

Whence comes Solace?--Not from seeing
What is doing, suffering, being,
Not from noting Life's conditions,
Nor from heeding Time's monitions;
But in cleaving to the Dream,
And in gazing at the gleam
Whereby gray things golden seem.

II

Thus do I this heyday, holding
Shadows but as lights unfolding,
As no specious show this moment
With its irised embowment;
But as nothing other than
Part of a benignant plan;
Proof that earth was made for man.

Thomas Hardy

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Hoje é dia de Santo Estevão, 1º Mártir, que a Igreja festeja logo após o Natal.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Uma boa, afável, consoladora notícia:

Um professor de Física britânico inventou um par de óculos que podem mudar o mundo. Josh Silver, de seu nome, conseguiu uma forma simples de corrigir a visão de milhões de pessoas, a baixo custo.

Do Expresso

domingo, dezembro 21, 2008

O primeiro dia de Inverno esteve muito azul e plácido, um dia muito bonito.
Entretanto, as primeiras inquietações de Inverno:

«O crédito do país - de que depende o pão nosso de cada dia - foi ilustrado pelo falhanço do empréstimo (com aval do Estado) da Caixa Geral de Depósitos, que é um banco do Estado. E, se não há crédito para o Estado, para quem há crédito? Para ninguém. Milhares de empresas fecham ou ameaçam fechar. O desemprego aumenta. Os salários diminuem. A pobreza, envergonhada ou não, começa a parecer intolerável. E gente normalmente sensata prevê um protesto social violento. Se por acaso não se enganar, o que vai acontecer a uma sociedade com instituições políticas degradadas, com uma economia obsoleta e uma classe dirigente irresponsável? Uma vida comatosa e resignada? O colapso do regime? Qualquer coisa nova que não conhecemos e que, portanto, estupidamente, não nos preocupa?»

Vasco Pulido Valente, in Público
Lembro-me muito bem dos meus calendarios do Advento. Eram ingleses ou alemães - acho eu - e tinham muitos prateados e neve. Tentei encontrar um semelhante, mas o estilizado das figuras é diferente. Este aí em baixo foi o que me pareceu mais neutro, sem as diferenças feitas pelo tempo - que toma sempre partido a nosso desfavor.

Advent Calendar aqui

sábado, dezembro 20, 2008

Entro no Público e leio o artigo de Pacheco Pereira: é refrescante ver alguma coisa escrita sem o acompanhamento desta ignorância do Portugal de hoje, que encontramos por todo o lado, desde os  preâmbulos de algumas leis até aos blogs - para não falar já dos «jornalistas». 
Esta gente não leu.

À saída do Público, vi fotografias do novo museu do Douro. O retrato - ou a reprodução - daquele que Lawrence fez da Rainha D. Maria II. A Rainha tem ligações ao Douro, muito deveu aos portuenses, mas a soberana que mandou fazer obras de real  importância para a navegabilidade do Rio Douro foi a bisavó, a Rainha D. Maria I, em finais do Séc. XVIII.  Por isso mesmo, a Ponte Dona Maria no Porto é Dona Maria I e não, creio, Dona Maria Pia, que apenas a inaugurou*. Será que confundiram tudo? Seria congruente com o resto, este clima de sketch falhado que vivemos.

*Estas coisas  iam-se aprendendo, sem esforços, enquanto se esperava o lanche ou naquela meia hora morta antes do jantar.  Será que agora não lancham e se janta mais cedo?

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Compras em Lisboa. Gente apática e tristonha. Há muito de quaresma neste Advento e o Rossio, ornado com as cores do Senhor dos Passos, confirma o desânimo.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

O problema destas fases de crises e atabalhoamentos é ser impossível fugir à vozearia, deixar de ouvir.
Ontem soube que Pacheco Pereira iria para a Europa e que Santana se candidata a Lisboa.
(Do que Pacheco fez na Europa, nada sei, nem me consta que ele alguma vez o tivesse dito e enquanto se mantiver mudo e calado a respeito dessas minudências, com o meu voto não volta para lá).
Santana fez o túnel, aquilo do Gehry teve graça (megalomania por magalomania, antes a de qualidade - isto para quem não achar a obra de Gehry demasiado escultórica) e o pior que possa ter feito não é - nem muito de longe - comparável com a dádiva ribeirinha que Costa fez à lura de Coelho.
Se, depois disto, alguém acha o Santana mau, agradeço o envio para este blog da lista de génios ( edis e estadistas) disponíveis.

terça-feira, dezembro 16, 2008

O Público pergunta-se se o jornalista ( o Público omite pudicamente a profissão) que atirou os sapatos ao Presidente Bush é culpado ou herói.
Podemos escolher este caminho da ingenuidade, aduzir que nestas coisas há sempre duas versões e que o que a uns parece um excesso é, para outros, um razoável modo de expressão.
Assim, vejamos, se o director do público levasse com duas sapatadas como classificaria o acto?
E se fosse o Eng. Belmiro? Ou o 1º-ministro, ou o presidente da república, ou Santo Obama, e o... poder-se-ia prosseguir longamente.
Ou deixar o casuísmo e achar, chãmente, que é um acto ilegal e reprovável.

P.S. Gostei dos bons reflexos e sentido de humor de George W. Bush.
Quem, por aqui, reagiria com a mesma presença de espírito e boa disposição, exceptuado, talvez, Berlusconi?

Constable, Golding Constable’s Flower Garden, 1815

Entre a tarde soalheira, as decisões do FED e a ekphrasis em Eça.
A esse atraso atribuo eu a ausência de menções a Ruskin, às vezes em completo e triste despropósito na universidade, ensaística e blogs portugueses.
....mas é que, de facto, não se percebe - ou não se quer perceber - que o nosso atraso existe -e a geografia não deixa de tomar nele uma parte importante - que não é conjuntural, ou produto de uma visão desfocada de estrangeirados e que temos sempre de contar com ele, tal como alguns cálculos exigem uma constante ou um valor corrigido para serem fiáveis.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Em Portugal e nos USA dois casos ilícitos (ambos ajudados por erros de supervisão): o caso BPN e o Madoff. O primeiro é um caso local, o segundo pode atingir o mundo inteiro. Em ambos, os supostos responsáveis compareceram perante um juiz. Nos USA, Madoff, já acusado, espera o julgamento em liberdade, mediante o pagamento de caução, enquanto os técnicos do SEC trabalham 14 horas por dia nos escritórios da companhia. É o sistema judicial de uma democracia a funcionar. Em Portugal, uma modorra autoritária e abusadora com um bigode postiço de estado de direito, há um preso sem qualquer acusação e nem valerá a pena perguntar quantas horas diárias estarão a trabalhar realmente no caso.
Vamos ver por quantos meses - ou anos - o julgamento do caso dos USA baterá uma decisão da justiça portuguesa.
There still are kindly things for me to know,
Who am afraid to dream, afraid to feel-
This little chair of scrubbed and sturdy deal,
This easy book, this fire, sedate and slow.
And I shall stay with them, nor cry the woe
Of wounds across my breast that do not heal;
Nor wish that Beauty drew a duller steel,
Since I am sworn to meet her as a foe.

It may be, when the devil's own time is done,
That I shall hear the dropping of the rain
At midnight, and lie quiet in my bed;
Or stretch and straighten to the yellow sun;
Or face the turning tree, and have no pain;
So shall I learn at last my heart is dead.

Dorothy Parker

domingo, dezembro 14, 2008

O frio, a neve, os ventos gelados, são algumas das mais graves consequências do aquecimento golobal.

A Castafiore, en grande diva, nunca se lembrava bem (a precisão é inimiga da grandeza) do nome do Capitão Haddock e isso irritava-o; e conseguia encontrar sempre pretextos para lhe cantar a ária das joias, uma tortura para o lobo do mar. Sempre pensei que tal ária fosse tão pouco real quanto o Rossignol Milanais e quando um dia contava aos crescidos das torturas do pobre Capitão e ouvi um «sim, a ária das jóias, do Fausto do Gounod» tive uma surpresa que hoje penso ser comparável à de Eça quando descobriu que o mel existia realmente, que não era uma pegajosa alegoria dos clássicos.

Tudo isto parece hoje bem pequenino, mas, naqueles tempos, não havia as facilidades que há hoje, não havia o disco cá em casa - nem na terra - e passei anos sem ouvir a air des bijoux. Um dia, ouvia a 2 e, de repente, percebi que estava a ouvir a célebre ária. Ouvi e senti-me um traidor ao Capitão - de quem sou um indefectível - por gostar de uma coisa que tanto o mortificava.

Hoje, a propósito de umas buscas, encontrei várias Margaridas - o que são os tempos! - e escolhi esta, a ária completa, por Montserrat Caballé, para todas as leitoras e leitores de Tintin que nunca ouviram a ária de Castafiore.


Interpretação campal.

sábado, dezembro 13, 2008

O Cristo-Rei Samsung e o Terreiro do Paço TMN e outras malfeitorias.
Sinto alguma vergonha, mas é um sentimento a que a me fui de um modo ou outro habituando -como todos nós - nos últimos tempos. Seria pior se tivesse sido sem aviso.
O conselho é que se tomem o Cristo Samsung e a Praça TMN como precussores de outras aleivosias.
Há ainda degraus a descer.
Por vergonhas: aquele haverão da ministra da.... Educação e que condiz tão bem com as iluminações.
Em que outro país da Europa se encontrarão ministros da educação capazes de calinadas de tal quilate, tão reveladoras da falta dos mais elementares hábitos de higiene cultural?
Será possível isto?
É descer mais baixo do que o habitual. E sem qualquer proveito.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Pacheco Pereira deixou um pouco aquele ar de aristocrata tripeiro blasé e conveio em que o tremendismo do Dr. Medina Carreira será, talvez, a forma mas eficaz de acordar o porco (ele não usou este termo ramalhal-eciano, mas a isso se referia).

Também concordo. Apenas não acho que o Dr. Medina Carreira seja tremendista. Não há contra-factos ou outros números que contradigam aqueles em que ele se baseia para dizer que não nos espera nada de bom.
Tremendos, portanto, são esses factos e esses números, não o Dr. Medina Carreira.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Os portugueses perderam poder de compra entre 2005 e 2007 e Portugal está na cauda dos países da zona euro.
O INE diz, contudo, ser preciso prudência na interpretação dos resultados.
O engraçado é que, nas vezes - raríssimas - em que os dados são menos negativos nunca nos recomendam cuidados interpretativos.

Isto depois da entrevista de Medina Carreira....
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Speaking strictly for me we both couldve died then and there
[...]
Now youre telling me youre not nostalgic
Then give me another word for it
You were so good with words
And at keeping things vague
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quarta-feira, dezembro 10, 2008

Às vezes, quando leio os posts num monitor grande, reparo em frases desarrumadas, trôpegas, espalhadas e perdidas, ou atafulhadas (de ques, de de factos, emboras e todavias, que são as minhas rugas de leitor de autos de notícia).
E corrijo, corrijo tudo com um fervor e uma pressa tão injustificáveis que acabo por sorrir com esse ser um pouco aborrecido e meticuloso que vai fazendo as suas aparições em mim e em quem reconheço, bem à contre coeur, o velho que começo a ser.
Atenção: saiu um prefácio novo do Miguel Esteves Cardoso.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Ontem vi, com surpresa, a notícia da morte do Alçada Baptista. Apenas estive com ele uma vez, em casa dos pais de amigos meus.
Gostei de o conhecer, era um bom conversador - como, creio, já não há muitos - a mulher não lhe ficava atrás e foi uma noite divertida.
Lembro-me de se falar sobre aquilo a que é uso chamar a singularidade portuguesa, de como ele dizia ser possível ter nascido na idade feudal e no decurso da sua vida ter passado pelas outras eras até à actual e do difícil que era explicar isso à gente mais nova (pensei, para comigo, que muita gente da minha geração, que é a dos filhos dele, ainda pode dizer o mesmo).
Creio que foi para ilustrar os costumes antigos, de que todos fôramos ainda testemunhas, que alguém terá falado nos pobres cá de casa, aqueles que pediam esmola em dias e horas certos, habitualidade que partilhavam com os outros fornecedores. Decerto já não havia desses pobres (de que, mais uma vez, ainda me lembrava, aqui de casa) mas, informaram os anfitriões, eles tinham - e diziam-no com algum conformado e quase bem disposto desânimo, um ladrão certo e quase privativo, de que eram as vítimas leais. E contaram as conversações trabalhosas para reaverem os bens deles roubados, algumas acções directas mais audaciosas, e os bons conselhos e auxílio que não conseguiam deixavam de dar ao seu ladrão quando este optava pela via mais legal do pedido.
Alçada ficou maravilhado com a história e fez disso o assunto de uma das suas crónicas, então muito lidas; achei simpático esse modo de agradecer a pousada, mas não deixei de lastimar que a conversa não tivesse decorrido sobre os tempos heróicos da Moraes e do Tempo e o Modo - embora soubesse muito bem que alguém como Alçada Baptista nunca contaria - mesmo se usasse um generosos tom de confidência - qualquer episódio que não pudesse, como aquela noite, conter-se numa prosa aprazível e publicável.
E isso é que, com a morte de pessoas como Alçada, porque tinham verdadeiramente o seu quê de outros tempos, se vai irremediavelmente perdendo: a perícia dificil do amável.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Lucas 1,26-38.

Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus.» Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Sá Carneiro, há 28 anos. E Amaro da Costa.
Não duvido: estaríamos hoje bem melhor se o seu assassinato se tivesse frustrado e ambos tivessem podido continuar a sua carreira.
As declarações do 1º-ministro sobre o bom ano de 2009 para os portugueses, quase uma troça tal o impudor e a falta de vergonha revelados, são uma afronta inqualificável.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Mais uma vez o irritante alarme de gelo - que eu não sei desligar - voltou a irromper pela noite.
Quando voltei a deitar-me, depois de ter selvaticamente tirado as pilhas ao termómetro, pensei quanto o Aquecimento Global participa dos caprichos das outras divindades, de como imperscrutáveis são, também, os seus caminhos.

terça-feira, dezembro 02, 2008

A realidade explicada
Não há qualquer motivo económico ou ético confessável para que o estado resolva salvar o Banco Privado Português.
Porque o faz, então, este governo? Um dos motivos será o de aumentar um pouco mais a influência no mundo da alta finança, onde as gentes do PS, salvo alguns happy fews, não tinham entrada. Mas, sobretudo, por esse desejo de não inscrição de que falava José Gil no "Portugal de hoje: o medo de existir".
Este governo partilha com o Prof. Salazar o gosto pela habitualidade, pelo formigueiro ordeiro das coisas de todos os dia, onde poderão caber algumas obras públicas - melhoramentos silênciosos, passado o foguetório da inauguração (v.g. os dez estádios) - mas onde nada, feliz e verdadeiramente acontece. Ao contrário, a bancarrota de um banco, mesmo de um que seja um mero club, para além do estrondo do momento, é algo que se perpetua em exemplos morais, advertências, memórias temerosas, ressentimentos dos membros do club e famílias, tudo um acontecer excessivo e assustador que nos perturbaria a alma.
Um pouco mentiroso o post anterior. Hoje, quando acordei, estava um sol esplendoroso, um céu azulíssimo, e assim foi por todo este dia quieto e bom.
............................
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!

E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
..........................
AG

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Vasco Pulido Valente escrevia ontem no Público que «A força de Sócrates vem da eficácia com que conseguiu meter o PS na ordem, da autoridade prussiana com que trata o Governo e do grande zelo com que policia os portugueses. Numa época ameaçadora e turva, o país prefere, como sempre preferiu, um "homem de pulso", mesmo gasto e pouco amado, a qualquer herói de circunstância, com um exército em revolta atrás de si.»
Por seu lado, também no Público, António Barreto chama a atenção para alguns factos: segundo «os trabalhos de rotina do INE e da União Europeia, o "clima económico" em Portugal nunca esteve, desde há 18 anos, tão baixo como agora. Trabalhos semelhantes sugerem que as expectativas dos consumidores atingiram o mais baixo ponto desde há cinco anos.O crescimento da economia e do produto tem vindo a diminuir todos os dias. Diminui na realidade dos factos, assim como nas estatísticas. O Governo (o mais optimista...), o Banco de Portugal, a União Europeia, a OCDE e o FMI publicam regularmente as suas previsões para 2008 e 2009, baixando sempre as taxas estimadas. Em princípio, Portugal aproxima-se do zero e de taxas negativas (menos 0,2 por cento em 2009, por enquanto...). Há praticamente oito anos que o país tem visto aumentar o atraso relativamente às médias europeias. O desemprego a subir e a atingir níveis desconhecidos há anos. A prometer ainda mais nos próximos tempos. Mais uma vez, os números são controversos: Governo, INE, Banco de Portugal, OCDE, UE e CGTP oferecem estimativas diferentes. Mas num só sentido: desemprego a aumentar.O endividamento público líquido é de mais de 140 mil milhões de euros, muito perto dos 100 por cento do produto. Só os juros anuais pagos por essa dívida serão de cerca de oito mil milhões de euros. Talvez seis por cento do produto.O défice orçamental ultrapassou as previsões, assim como as metas nacionais e europeias, tendo agora o Governo de, ao contrário do que sempre afirmou, recorrer a receitas extraordinárias, no valor de mil milhões de euros, para respeitar o patamar imposto de 2,2 por cento. O défice da Caixa Geral de Aposentações (funcionários públicos e equiparados) será, em 2008, superior a três mil milhões de euros, cerca de dois por cento do produto. Era, em 2005, de 1,5 mil milhões. OOs últimos números disponíveis revelam que a emigração portuguesa retomou e faz agora lembrar alguns anos da década de sessenta. Nessa altura, a emigração era muita, mas o crescimento económico também. Hoje, a emigração é grande, mas o crescimento económico estagna. Calcula-se em cerca de 60 mil a 70 mil o número de portugueses que vão trabalhar para Espanha todos os dias ou todas as semanas, além de dezenas de milhares que já se estabeleceram definitivamente no país do lado. Com a crise económica espanhola, esperam-se tempos difíceis.O número de imigrantes estrangeiros em Portugal está a diminuir e muitos dos que aqui viveram uns anos já se foram embora. O problema é que não são substituídos: ou não deixam postos de trabalho vagos, porque estes são extintos, ou não há portugueses que queiram ocupá-los.As estatísticas demográficas continuam a revelar números que nos obrigariam a reflectir, mas essa não parece ser uma inclinação das autoridades. O número de óbitos já é superior ao número de nascimentos. O envelhecimento é muito rápido. A esperança de vida cresce. O número de pessoas com mais de 65 anos já é muito superior ao de jovens. E não se trata apenas de um problema de força de trabalho. Os gastos com as reformas e pensões aumentam na vertical. Mais: os custos da saúde e dos cuidados com idosos em dependência, nos últimos três ou quatro anos de vida, são iguais a toda a despesa verificada durante os 60 ou 70 anos de vida. É lógico, natural e assim terá de ser, mas a pressão criada sobre as finanças da segurança social é enorme.»
E quanto à formação das novas gerações? De acordo com o relatório da OCDE, «o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico. Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de nove a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o Português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17»
Tudo visto, o autoritarismo prussinano e a actividade policial do actual primeiro-ministro não se traduzem em qualquer benefício para o país. Não há nele nem lucidez nem inteligência: bem pelo contrário, o primeiro-ministro e o governo demonstram, diariamente, a sua incapacidade e a sua inépcia, já que a política não é uma actividade que se esgote em si mesma: prossegue fins, tem objectivos e deve traduzir-se em resultados.
E os resultados deste governo são maus. A ordem de que fala Vasco Pulido Valente é estéril: parece até conduzir, muito directamente, à pobreza e ao atraso (de que, aliás, o amor pela ordem é um seguro sintoma...): vivemos pior - e não mais alegres - do que há 4 anos.
Por isso, tudo se resume em saber - se o tal amor pela ordem, pela polícia e pela humilhação - sem qualquer contrapartida, sem qualquer melhoria, isto é, em vão - se sobrepõe, nos portugueses, ao desejo de não viver tão pobre e tristemente como vivemos.
Há 368 anos, os portugueses arriscaram.