terça-feira, novembro 28, 2006

«Camarate não foi um acidente, Camarate foi um crime que a justiça portuguesa não foi capaz de julgar. Espero que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condene o Estado português ao pagamento simbólico de um euro, e que esse euro encerre uma severa condenação moral ao Estado português que não foi capaz de levar Camarate a julgamento»
Li agora. Quem assim fala é o Advogado Dr. Ricardo Sá Fernandes.
O Impensavel alegra-se com a notícia e espera que a condenação seja severa.
Não deve, no entanto, ser simbólica: deve ser pesada, embora o dinheiro para a pagar saia dos nossos bolsos. Mas mesmo assim...
Mais: dever-se-ia apurar os responsáveis por no processo nunca ter sido deduzida qualquer acusação, aos quais seria apontada a rua, para onde iriam, com penalizações de pensões, etc.
Enquanto a impunidade durar - e, eventualmente, compensar - pouco ou nada mudará.
Millet, "Bergère et son tropeau", esquisse

Curioso efeito da intempérie: a chuva, as humidades, o suão, tudo parece fazer reviver a minha empalidecida francofilia.

Il pleut, il pleut, Bergère
(ou L'Orage)

Il pleut, il pleut, bergère,
Presse tes blancs moutons,
Allons sous ma chaumière,
Bergère, vite, allons;
J'entends sur le feuillage,
L'eau qui tombe à grand bruit:
Voici, voici l'orage;
Voilà l'éclair qui luit.

Entends-tu le tonnerre ?
Il roule en approchant ;
Prends un abri, bergère,
A ma droite, en marchant.
Je vois notre cabane...
Et, tiens, voici venir
Ma mère et ma soeur Anne,
Qui vont l'étable ouvrir.

Bonsoir, bonsoir, ma mère ;
Ma soeur Anne, bonsoir ;
J'amène ma bergère
Près de vous pour ce soir.
Va te sécher, ma mie,
Auprès de nos tisons.
Soeur, fais-lui compagnie.
Entrez, petits moutons.

Soignons bien, ô ma mère,
Son tant joli troupeau ;
Donnez plus de litière
A son petit agneau.
C'est fait. Allons près d'elle.
Eh bien ! Donc te voilà !
En corset qu'elle est belle !
Ma mère voyez-la

Soupons, prends cette chaise
Tu seras près de moi ;
Ce flambeau de mélèze
Brûlera devant toi ;
Goûte de ce laitage ;
Mais tu ne mange pas ?
Tu te sens de l'orage.
Il a lassé tes pas.

Eh bien ! Voilà ta couche
Dors-y jusques au jour ;
Sur ton front pur, ma bouche
Prend un baiser d'amour.
Ne rougis pas, bergère,
Ma mère et moi, demain,
Nous irons chez ton père
Lui demander ta main.

Fabre d'Eglantine
(guilhotinado em 5 de Abril de 1794 ou, conforme os nomes
que inventou para crismar os meses novos, a 17 de Germinal
)

domingo, novembro 26, 2006

Resto de post:........................................................................ «Imparcial como o destino» dizia Puchkine e é essa indiferença neutra - suprema ofensa - que, em Portugal, cria idades de ouro e pequenas tristezas nebulosas, fertéis, recompensadoras.
Antes isso que a desilusão nítida, imparcial, justa, estéril, muda. Antes esse infinito enquanto dure de Vinícius ao sapiencial desencanto de sabermos ser meramente assim: que o fim seja sempre triste, felizmente.

sábado, novembro 25, 2006


Dia Santo de guarda: há 161 anos, em 25 de Novembro de 1845, nascia
José Maria de Eça de Queiroz

sexta-feira, novembro 24, 2006

Que dia! Há muito tempo que não estava um tempo tão mau. Eu, preocupado com beiras, vigio, diligentemente, depois de ter avisado o Senhor João para estar de prevenção, que podia ter que vir cá de um momento para o outro. Até agora, nada, mas a ventania continua.
Eu gosto da fúria dos elementos, sofisticação de provinciano e, pacato, da mais-valia de conforto que é senti-la através do aroma das torradas e do chá mas, com tantas preocupações de ordem material (as malditas beiras - que nem sequer são beiras decentes, centenárias) não consigo concentrar-me na contemplação da natureza, de a desfrutar, como tudo se dizia - e sentia - deveras noutros tempos.

Umbrella
Moma, NY
Telefonou-me a minha empregada a dizer que "assim ficava em casa" se eu não me importasse - piedade tocante para me fazer crer que dissera eu outra coisa mais de acordo com as necessidades da minha comodidada e tal teria sido levado em conta e talvez mesmo pesado numa decisão que não fosse a de se pôr a salvo deste temporal desfeito. Disse-lhe que sim, que com certeza, que fazia muito bem. E percebo-a, de facto, isto está medonho. Mas e se os médicos e os... e os... e os... pensasssem do mesmo modo? Vai ser esta a linha do meu discurso - que pretendo subtil, conquanto firme -, segunda-feira, assim que ela chegue - se o tempo já estiver melhorzinho e ela se resolver, finalmente, a sair de casa.

P.S. Um parente meu, apanhado num "haviam" e afectuosa mas prontamente denunciado por mim, destinatário do mail que o continha, apresentou as suas imediatas e enfiadas desculpas. Ontem, tendo aparecido para tomar café, deixou cair, com ar casual, "a propósito do outro dia" que Camilo e Machado de Assis tinham caído no mesmo erro.
Dei-lhe os parabéns pela companhia ilustre.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Sempre pensei isso, que
"Life is never fair...And perhaps it is a good thing for most of us that it is not."
Oscar Wilde in “An Ideal Husband”
E muita da minha actividade consiste no cultivo e gestão de circunstâncias atenuantes, para o caso - não esperado - de um acesso de fair play divino.

terça-feira, novembro 21, 2006


Robert Rauschenberg
De uma passeata pelos blogs e universos adjacentes ficou-me a impressão que a palavra «ochlocracy» vai entrar na moda. Diria mesmo que vai manter, em aportuguesamentos que dela se farão, aquela sequência estranha de consoantes "chl" que parece pertencer a uma happy few loção do século XIX, enquanto o português "ocl" nos remete para aflições em vísceras infectas e urgências sobrelotadas. Desmancha-prazeres que sou, é só para dizer que «ochlocracy» em português se escreve mesmo oclocracia. Fica feiote mas é assim mesmo.
Entretanto, como estamos ainda nos tempos heróicos do uso da palavra, uma citação de Mencken sobre a oclocracia ou, como dirão os blogs portugueses, ochlocracy (ou ochlocracia):

«The practical politician, as every connoisseur of ochlocracy knows, is not a man who seeks to inoculate the innumerable caravan of voters with new ideas; he is a man who seeks to search out and prick into energy the basic ideas that are already in them, and to turn the resultant effervescence of emotion to his own uses.
in "The American Credo" de Mencken

segunda-feira, novembro 20, 2006

Fui ver o Almocreve e encontrei a prosa de Vasco Pulido Valente de quem tinha procurado, momentos antes, em vão, o "Glória" para oferecer em acção civilizadora (do meu exemplar, é escusado dizer, não me desfaço).
Mas era só para dizer que, desde a leitura gloriosa, a tragédia de Vieira de Castro me parece poder ter sido uma das fontes do "Alves & Cia", de Eça.
Alves, o Alves, apesar de Godofredo, ao contrário de Vieira de Castro, compreendeu. Compreendeu que a época era a da vitória definitiva da pacatez, da impossibilidade da aplicação de códigos de honra ultrapassados fora dos dramas representados e dos folhetins de capa e espada lidos e apreciados, uns e outros despedidas já tardias dos tempos da heroicidade romântica em questões de ménage - e, no geral, em todas as questões. O Godofredo Alves que sacrifica à pax doméstica e ao conforto moderno e a eles acaba por oferecer os pontos de honra - para não falar de sa petite doute - é o que Vieira não soube ser: um vitorioso. Um vitorioso sensato.

domingo, novembro 19, 2006

Acordar muito agradável. O dia está bonito, entre o nebuloso e o solarengo. Resolvi levantar-me, tomar um café. Agora estou à camilha e leio alguns blogs. Comecei pelo Abrupto . He cares! Como aquele homem genuinamente se preocupa connosco, quanto quer que pensemos bem, quanto nos quer salvar da falácia, das más decisões, quanto nos dá bons conselhos! E quanto é genuína nele essa preocupação paternalista... Admoesta-nos num post em forma de "eu bem tinha dito" sobre Santana Lopes, já que o livro parece confirmar com firmeza as suspeitas da leviandade pensadora do ex-estadista. Ora, eu fui daqueles a ter pensado que, dado ninguém fazer as reformas necessárias e a modificar o essencial, um governo de Santana não apenas não seria mais gravoso que qualquer outro quanto poderia surpreender numa ou noutra medida - além de proporcionar algum divertimento. Não foi assim, houve - ou fizerem crer que houve - demasiada trapalhice.
Mas, e isto é o que conta, expurgado o governo do play-ministrismo, em termos de resultados finais, o país continua a empobrecer e a afastar-se da média europeia com Sócrates - que não tem coragem para reformas necessárias e é mentirozeco e ridículo.
Ou seja, a trapalhice, a cobardia e a ineficácia continuam, só que com catadura sisuda, e por isso, aceitáveis, por serem o habitual.
Quando formos ultrapassados pela República de Malta no ranking dos países da UE avisem-me.

sábado, novembro 18, 2006

Marcel Proust

10 de Julho 1871 - 18 de Novembro de 1922

No dizer de Eça de Queiróz: «Je suis poussif», este week-end, estes últimos tempos.
Falta de vento noroeste ou de um nordeste frio, enxuto, limpído?

sexta-feira, novembro 17, 2006

The hour of the soul

At the deep hour of the soul,
Deep hour - nocturnal...
(Gigantic stride of the soul,
Soul in night's hold.)

At that hour, soul, rule all
The worlds you will
To govern - palaces of soul,
Soul, rule them all.

Make rusty your lips, with snow
Powder your lashes
(Atlantic sigh of soul,
Soul in night's hold...)

Soul, with darkness kohl
The eyes where like Vega
You arise...Of sweetest fruit
Make bitter gall.

Make bitter, dark as coal.
Grow great: and rule.

Marina Tsvetaeva
8 August 1923

Tradução do russo de David McDuff

quarta-feira, novembro 15, 2006

Os restos de um dia de chuva

(...) " Mas temo que a alusão às minhas páginas que leu contenha um mal-entendido. A lembrança [souvenir] a que dou tanta importância não é, de modo algum, o que se chama geralmente assim. A atitude de um dilettante que se contenta em encantar-se com a lembrança das coisas é a contrária da minha. Não que teoricamente, com premeditação, eu tenha constituído a esse respeito un sistema. Nada em mim de mais inconsciente. Mas assim como lendo Stendahl, Thomas Hardy, Balzac realcei, com o intelecto, os traços profundos dos seus instintos que eu gostaria de desenhar por isso nunca ter sido feito se esse tempo me fosse ainda concedido - do mesmo modo lendo-me a mim mesmo determinei imediatamente os traços constitutivos do meu inconsciente. [...] Posso dizer que a lembrança de Dostoïewski, Tolstoï (compreenda bem que quando cito estes grandes nomes não é para me igualar a eles! nem mesmo para deles me aproximar mil léguas!) o «ele deveria mais tarde lembrar-se sempre do momento em que tinha reparado nesta porta» é ainda qualquer coisa de extremamente contingente e acidental relativamente à «minha» lembrança, na qual, encontrando-se modificados todos os elementos materiais constitutivos da impressão anterior, a lembrança, do ponto de vista do inconsciente, toma a mesma generalidade, a mesma força de realidade superior que a lei em física, pela variação das ciscunstâncias . É um acto e não uma voluptuosidade passiva. De resto, a noção de prazer não existe para mim. Não que a minha vida seja desprovida de prazeres como se crê mas como não o procuro apenas acompanha o amor ardente que eu tenho pelas coisas e que talvez, com efeito, esteja um pouco sobreexcitado pela privação. Desculpe o meu estado de esgotamento que se traduz por um balbuciamento espiritual que eu devia evitar a uma inteligência como a sua " (...)

Marcel Proust, Carta a Jacques Copeau, 22 Maio 1913 in "Marcel Proust, Lettres", pg. 616
Paris, Plon 2004
Tradução impensável

terça-feira, novembro 14, 2006


E mandaram cá estes Chrisanthèmes que Renoir anotou tão bem.
Merci bien, veuillez agréer mes hommages les plus respectueux.
O telefonema, nham nham, nham lembrar que tem consulta de dentista às 16 h 30 e nham nhsm. Argh, odeio aquela voz.
Precisava de uns chrysanthèmes aqui, uma exposição deles por inaugurar era útil ou, em substituição, a letra do J'arrive do Brel, mais.... je ne sais pas, não me decido e é tarde. Há exposições de chrisanthèmes no Tintin, mas encontrá-las é difícil.
Começa a fazer frio. Fica assim, sem chrysanthèmes - uma palavra complicada, parece de uma dictée - mas os chrisanthèmes também não são flores simples, está uma coisa para a outra.
Vou dormir, fica assim, despojado, monacal, medievo-minimal.

segunda-feira, novembro 13, 2006

O tempo todo foi já criado e, todo já existente, estas manhãs, as tardes calmas, são pura eternidade, não matéria ou pretexto para alegorias dela.

Com sinceridade o digo: é o que penso neste meu pequenino momento teen.

E la nave va

quinta-feira, novembro 09, 2006

«Las revoluciones, tan incontinentes en su prisa, hipócritamente generosa, de proclamar derechos, han violado siempre, hollado y roto, el derecho fundamental del hombre, tan fundamental que es la definición misma de su sustancia: el derecho a la continuidad.»
Ortega y Gasset
Não tinha o Misantropo nos meus blogs logo ali à mão de semear.
Esquecimento? Preguiça? Fica o assunto resolvido.

quarta-feira, novembro 08, 2006

"Que os liberais acéfalos queiram acabar com a arte e cultura que não se pagam a si e que não tenham necessidade de ópera estatal, de boa música, de bailado, de cinema independente com ajuda pública, ou apoios para as artes visuais, etc, etc"

Eu, que sou conservador (mais, talvez, do que liberal; aliás, o que significa isso em Portugal?) vejo-me em palpos de aranha para saber a que título tenho de subsidiar as idas à opera, a um concerto ou a um bailado, de meia dúzia de senhores e senhoras da classe alta e média-alta, A, AB e B, como se diz agora - de Lisboa (e Porto) que não quer pagar o preço elevado desses espectáculos que nem sequer ou muito raramente saem - e podiam sair? - dessas cidades. Se o ilustre Crítico barafustasse sobre as maleitas do ensino de música, a falta de ensino de música a sério, que me parece ser o que o estado devia fazer e não faz, concordava. Mas subsididar espectáculos? Há um episódio inteligente do "Yes, Minister", a respeito das subvenções estatais à ópera que expõe os problemas muito pertinentes da questão (alguns relacionadas com esta maçada da democracia) num tom que não é totalmente boçal e saloio. Eu, se vivesse em Lisboa, também ia a S. Carlos, claro está - de que fui frequentador há uns anos largos e a preços ultra-subsidiados - mas sou português, o que significa que posso dizer uma coisa e, de imediato, o seu contrário e fazer ainda uma outra "não sim, mas talvez: olhem, afinal sempre vou" que é a formulação de um princípio da lógica nacional (o princípio do terceiro incluído*).
Ah, não percebo é o cinema independente. Independente de quê? Espero que do meu bolso... O melhor cinema que vi foi independente do meu bolso, desde John Ford a Howard Hanks, Lubitsch, a Hitchcock, a... É isso? É essa independência? Mas, além do meu bolso, esses eram, afinal, independentes de quem e de quê?

* Há quem fale a sério (?) em tal princípio, lá fora, em algumas faculdades. Quem quiser pode divertir-se aqui
Profilaxia do génio
O início de Moby Dick do post anterior pode ser usado também, com vantagem e ganho gerais, para evitar o derramamento indiscriminado da palavra "génio" nos blogs. Sempre que nos sintamos na tentação de achar aquele post daquele blog uma coisa genial, aproveitemos aquele litoral refrescante para arejar o discernimento.

terça-feira, novembro 07, 2006

O excesso de chuva substituiu-se aos nevoeiros das noites destes tempos muito quietos de Novembro. São esses, não estes, de temporal, que me fazem lembrar o mais belo começo de livro que já li. Todos os anos, durante aquela altura da vida em que gostamos de notar em nós a persistência dos hábitos, quando nada ainda está perdido por nada estar ainda definitivamente indagado ou resolvido, quando ainda há surpresas a esperar, de nós e dos outros, todos os anos, nos começos de Novembro reparava na lombada, que nesta altura do ano, pela tarde o sol ilumina, e pegava no primeiro volume, onde estes meus dias de agora,os destes cinzentos decénios sem redenção, desciam como uma ameaça sobre o sobrolho de um rapazola decidido a não se deixar abater. E lia, com a calma e lentidão de um pressentimento indesmentível, tal como se eu fora ele e encomendasse a minha alma a um deus paciente e vasto quanto um oceano:

"Call me Ishmael. Some years ago - never mind how long precisely - having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upperhand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off - then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me."

Herman Melville, Moby Dick

segunda-feira, novembro 06, 2006

O Impensável, coitado, tem sobrevido nem sei como... e no Verão passado tinha quase decidido, pouco antes de chegar a Kristiansand, acabar com ele, cruenta decisão, postas as coisas assim, mas de puro bom senso escandinavo; infelizmente, no afã de aproveitar todo o tempo de paragem na reposição do teor de nicotina indispensável à manutenção dos feixes nervosos do pacato autor destas linhas, esqueci. E esquecida a decisão, continuei-o. Mas está baço e anquilosado (não aparece clara a relação entre o relato desta vontade enxantemática de acabar com o Impensável e o que se seguirá, e que vem a ser um agradecimento que queria o seu quê dúbio - se o sono me não condenasse à clareza - mas ela, a relaçao, lá há-de estar e a acharei). É tardíssimo e isto mete links, continuo: no outro dia fui ver os blogs e neste teciam-se elogios ao Pastoral Portuguesa e fui ver. E era bom, bem escrito (quanto a mim, demasiado bem escrito, a prosa é preciso, por vezes, que empape bem em conjunções e orações subordinadas para que ganhe texturas, poeiras, grânulos que sirvam de alimento às aves). Dizia? Ah, e vi a história de Alistair Crump e, à minha frente o que tinha? Um mail que imprimira dez minutos antes, de um amigo meu que nasceu, já se sabe, em Edimburgo! Nem na província de há 35 anos atrás, dizem, se aterrorizavam assim os incréus com tal correnteza de coincidências! O blog, dito isto, pu-lo na minha lista dos mais à mão.
Ontem - ou anteontem. E reparei ontem que este blog estava mencionado no Pastoral com o sacro e herético nome, de Ámen Pélvis. Com o tempo chuvoso, as comissuras espásticas da humidade, poupei o sorriso. Mas agradeço.

domingo, novembro 05, 2006

The little boy lost in the lonely fen,
Led by the wand'ring light,
Began to cry, but God ever nigh,
Appear'd like his father in white.

He kissed the child and by the hand led
And to his mother brought,
Who in sorrow pale, thro' the lonely dale,
Her little boy weeping sought.

William Blake 1757-1827

sexta-feira, novembro 03, 2006

Interior da Havaneza, Agosto de 2005
Soube agora que fechou a Havaneza, a minha tão amada Livraria Casa Havaneza da Figueira da Foz!
Que tristeza!
A Havaneza era um dos poucos sítios decentes deste país: assim vai acabando o que era bom e digno. Fica o que esta gentalha medonha sustenta e os lugares com a calma e aristocrática dignidade da Havaneza, feitos de tempo e memória, estão condenados.
Que tristeza, que amargura!

quinta-feira, novembro 02, 2006

Estou a ler "A queda de Roma e o Fim da Civilização" do Ward-Perkins e pensei neste novo mercado aberto pelos diversos revisionismos: o de nos sossegar sobre a justeza das nossas certezas de juventude: sim, a queda do Império Romano foi mesmo violenta, terrível, sim foi mesmo o fim da civilização, tal qual a Europa conhecia. Sim, como me tinham dito quando eu tinha não sei quantos poucos anos.
Serviço Público:
Veio alguém aqui parar, via google - não a hoje, mas a Outubro de há 3 anos, por causa e busca das queijadas de Pereira.
Ora vejamos, se veio em demanda da receita que pensa ser a original por julgar que é saudosismo o não lhe saberem agora ao que lhe sabiam em criança (se foi criança num decénio decente do século passado), tenho a solução: há uns tempos, depois da vendedora perceber que estava perante um guloso da velha guarda que objectava a todos os «que eram assim mesmo, sempre foram», e lhes opunha um não inexplicado mas veemente, veio a solução honesta e, creio, saudosa: «é o leite». Sim, ela acabou por confessar que o leite usado na feitura das queijadas de Pereira era dantes bom leite de ovelha e hoje é industrial e de vaca. E dessas antigas de que me lembro, já ninguém faz. «E é dessas que o senhor se lembra, é por isso; o resto é tudo como era». Pois é, o resto é igual.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Assunto resolvido.
Acabei por ser acordado, antes da hora a que tencionava levantar-me, pelas criancinhas que pediam os bolinhos. O meu amor às tradições vacilou.
O almoço foi agradável, conhecia toda a gente da minha mesa, a falta de novidade foi compensada pelo tom mais íntimo. Discutiram-se dietas e experiências com dietistas, dos mais conhecidos aos de vão de escada. Ouvi atentamente e alvitrei animadamente segundas opiniões aos casos mais renitentes mas, de vez em quando, o sono aparecia.
Espero que o próximo almoço seja um jantar.
O que vale é que Dia de Fiéis Defuntos é quando um homem quiser e por isso ninguém pode levar a mal que eu esteja com cara de enterro e profundamente magoado amanhã no almoço que me obriga a sair da cama a horas cretinas.