No Cinco Dias insurgem-se contra esta coisa de se dizer que agora não se vive tão bem como há uns anos.
Sem duvida que há melhorias materiais, pelo que esta percepção não deixa de ser inquietante. O que leva alguém a dizer que há 40 anos se vivia melhor do que hoje?
Primeiro que tudo, a idade: quem tiver hoje 65 anos lembra-se saudosa e selectivamente dos seus 25...
Mas adiante: nos anos 60, sob o governo de Salazar, Portugal cresceu espectacularmente, foi um dos países do mundo que mais se desenvolveu. A classe média existente consolidou-se e a ela afluía gente nova. O regime, visto como um obstáculo, mas percebido como perto do fim, iria com o seu desparecimento, julgava-se, propiciar um desenvolvimento ainda maior. Por outro lado, a ruralidade fornecia a estabilidade e o sossego a quem vivia ainda nesse país agrícola e, ao mesmo tempo, o ponto de apoio a quem protagonizava as primeiras mudanças (a fuga para as cidades, a emigração para a Europa). Por aqui e por ali, havia a esperança de melhores dias.
E é essa esperança que não existe agora: o fim da ditadura e do Império não trouxe desenvolvimento. As esmolas da UE - porque disso, essencialmente se trata - permitiram, a par com um aumento assustador de impostos, a proliferação do alcatrão e o welfare state mas, sem verdadeiras reformas, com a continuação da atitude de aguda descrença no sector privado e nas capacidades de cada um, proliferou a burocracia e uma nova espécie de devorismo de que se alimentou ainda outra camada de classe média.
Hoje, as esmolas estão a acabar e a realidade veio cobrar os juros da ilusão. E, de repente, esta gente habituada a viver de lugares supérfluos, percebe que à sua frente não tem nada de bom porque espere. E, em volta, vêem, e se não eles, os demais, um pais semi-desértico, megalómano, semi-destruído, imensamente medíocre e assaloiado, um reino do fake - até em coisas tão simples quanto a qualificação profissional dos ministros. E pior desesperantemente se sente, a classe média cada vez mais esquálida, obrigada a equilibrar-se entre os abismos de uma das maiores disparidades económicas e sociais do mundo ocidental, às vezes já na real pobreza, quando vai aqui ao lado, a Espanha, e vê a enorme diferença desse mundo próspero e verdadeiramente moderno. E é lá que vão, em viagens cada vez mais raras, não ao Portugal de 60. Desse Portugal, longe, intocado de há 40 anos, lembram-se, no entanto, da esperança, de quando tudo ainda era possível e eram novos. Viviam materialmente melhor? Bem, talvez não... Viviam mais esperançados.