segunda-feira, janeiro 19, 2009

Leio, nestas horas da noite, os Cadernos de Malte Laurids Brigge, de Rilke. Quantos anos passaram desde que os li pela primeira vez? Ou de uma das vezes que reli partes e de que me lembro ter sido num Verão? Anos, decénios. Nunca me esqueci, da primeira leitura, do médico português de Carlos o Temerário (o neto de D. João I, que dizia nós, os portugueses), mas creio que fundira numa só as essas e os esquifes de Cristoph Brigge e do avô de Hans Castorp.
Quando li, há pouco, o relato da agitação da grande morte do camareiro Brigge lembrei-me ainda da incroyable frivolité des mourants de que fala Proust uma das anotações que faz na véspera - creio que literalmente - da sua morte (aqui, no minuto 7).
Dos Cadernos a morte do camareiro, para verem como fui de Rilke a Proust: «No meu avô, o velho camareiro Brigge, ainda se notava que trazia dentro de si uma morte. E que morte! Evidenciou-se durante dois meses e tão alto que se ouvia lá fora, na quinta.
A ampla e antiga casa senhorial era demasiado pequena para esta morte; parecia que era preciso acrescentar-lhe novas alas, pois o corpo do camareiro tornava-se cada vez maior e continuamente queria ser transportado de um quarto para outro e enchia-se de uma cólera terrível quando o dia ainda não chegara ao fim e já não havia nenhum quarto onde ele ainda não estivesse estado deitado. Nessa altura procedia-se, com todo o séquito de criados, criadas e cães, que sempre tinha à sua volta, à subida das escadas e, com o mordomo à frente entrava-se no quarto onde morrera a sua santa mãe (...).Agora era invadido por toda aquela matilha» - Em Rilke as extravagâncias da morte são autoria dela, somos meros espectadores, entediados, divertidos ou irritados. Ao contrário, a frivolidade de que Proust fala, é-nos imputável, ou melhor, àquele que há-de chegar para se ocupar do nosso fim, e que, tocado já pela morte, hoje trataríamos como a um estranho que se portasse de um modo impertinente.
Usei a tradução de Maria Teresa Furtado, para a Relógio d'Água. Era emprestada a edição que li primeiro, do Paulo Quintela e, esgotada há muito, as releituras dela foram em fotocópias incómodas.

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