domingo, setembro 09, 2007

"E só mais uma coisa: enxovalhar os mortos é muito fácil. Pena que não tenham mencionado nenhuma obra de nenhum escritor português vivo. Pode ser que para a próxima corrente."


Cara Charlotte,

Em Portugal não podemos viver da indignação: seria demasiado fatigante e perigoso. Deixarmo-nos levar por ela (e quanto mais justa e límpida e legítima como foi a sua neste assuntinho das correntes mais perigosa a coisa se torna) tolda-nos o raciocínio e faz subir a tensão. Ora vejamos: quem foi o vivo que enxovalhou os mortos se Proust - para só falar desse - viverá ainda tão imenso e vital e eternamente crepuscular quando de todos nós tiver passado a notícia que fomos? E queria que gostassem de Proust? Proust é para ler novo, que o prazer de Proust é muito o relê-lo, como bem dizia Barthes. Mas em novos havia que fazer pela vida e Proust não era rendoso antes de Pedro Tamen. Para quê lê-lo, então, se para mais é imenso e paira, inútil, tão acima do que pode valer seja o que for?
Quer evitar as graçolas e vê-los sérios? Pergunte-lhes sobre os livros -ou autores - que mais lhe renderam.
Quanto rende, hoje em dia, Pessoa? Da casa do dito, a coisa monta a quanto? Em bolsas, quanto se pode retirar dele? Em ajudas de custo e subsídios de refeição para seminários, worksops, apresentações, comunicações, quanto rende por ano? Em elogios feitos a pretexto de, o que se pode lucrar?
Ah, quem brincar, perde o cargo! Está a ver? Que silêncio, que ar sério, que aplicação!

Os meus humildes cumprimentos
Impensado

P.S. A que élites se referia?
Claro que há menos gente a gostar de literatura em Portugal do que geralmente se pensa. Alguns entusiasmos sobre autores e obras são isso mesmo: entusiasmo e os rituais de partilha de novidades, nada mais. Falariam com o mesmo empenho de uma nova espécie de cebolas - o que não seria mau, aliás.

Sem comentários: