Dia de fazer malas, actividade agradável e cansativa, embora longe de alcançar as dimensões heróicas de tempos idos, quando o processo durava dias (creio que havia uma mala apenas para transportar os livros que cada um queria levar para a praia e lembro-me de um carro que ficava lá, caso alguém quisesse utilizar. Esse alguém era a minha Mãe que, após alguns episódios alguma coisa humilhantes, relacionados com uma esquina difícil, uma sólida esquina dos anos 60, resolveu pôr fim à sua carreira de sportwoman - o carro, porém, ia sempre e por lá ficava).
Perdido o aspecto dramático de outrora, há algumas coisas que, felizmente, se mantêm iguais: há sempre uma coisa que fica esquecida. Eis algo de inelutável, que apenas os mais incautos tentam remediar seja através de um "método" -listas, mnemónicas, verificações levadas até à respectiva mania de - seja através de imprecações (abusivas) a Nossa Senhora dos Navegantes. Eu procedo de outro modo: tento delimitar a importância do objecto esquecido: Carregador de telemóvel? "Aqui está, ponho aqui, já cá está"; o polo azul? Aqui está, já cá está" e assim sucessivamente até ter a ilusão de que me não esqueci de nada. Um perigo grave é a actividade verificatória, quando nos passeamos pela casa, pelas gavetas mais recônditas, e encontramos um "ah isto já cá ficava, ainda bem que encontrei, vou já pôr na mala" Cuidado ao arrumar o dito nas malas: geralmente retira-se sempre alguma coisa que já lá está para caber bem o que lá vamos pôr e é essa gananciosa intenção que se torna responsável pelos "lá ficou, hunft. E agora? Que seca!". Quando voltamos, lá está ela, a coisa esquecida, mesmo ao lado da mala de onde a tirámos, que verificámos ainda mais uma vez antes de sair e onde, julgávamos poder garantir não ficara nada.
Tenho conseguido, nos últimos anos que os objectos esquecidos sejam razoavelmente insignificantes pela renúncia a essas últimas verificações.
Qual será o esquecimento deste ano? Desde que não seja o grande clássico, as chaves das malas que palerma e desnecessariamente fechámos, creio poder estar razoavelmente descansado.
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