segunda-feira, agosto 20, 2007

Aqui nesta areia onde me acoito durante a canícula não se vai para a praia antes das três da tarde. Não era assim quando eu era pequeno - como tenho dito, embora talvez sem a suficiência que o assunto merece: nessa altura, às nove e meia da manhã já as criadas nos levavam através da frígida bruma. Depois, quando a minha geração cresceu, casou e começou a ter filhos, tudo nesta precisa ordem, as coisas tinham mudado, com dramático destaque para a questão do pessoal doméstico, quase desaparecido. Estremunhados, insones e firmes em não abdicarem do direito aos jantares e idas às discotecas, os pais protestavam: a revolução estalou nas hostes e proclamou-se ser uma selvajaria irem as crianças tão cedo para as areias gélidas e sofreram com isso as manhãs alguma coisa no seu até então inabalável prestígio. O bom tempo à tarde, nestes últimos vinte anos, também ajudou e criou-se, a pouco e pouco, o hábito de não ir a correr para a praia, de tal modo que quem calcorreasse a beira-mar antes das três seria olhado de soslaio, se houvesse quem olhasse. A manhã - aqui o espaço de tempo entre as onze e meia e as duas e um quarto - passou a ser ocupada em encontros preguiçosos de leituras de jornais e pequenas reuniões informais «cá em cima» antes e, para os madrugadores, depois do «brunch» onde se contam casos curiosos e se trocam notícias de outros areais. Em suma, «faz-se, fazia-se tempo» para ir para a praia.
Este ano, porém, a nortada, durante anos ausente, voltou - e com ela um frio de bater o dente: começaram a notar-se alguns olhares cobiçosos à praia serena, azul, calma e ao meio-dia ainda deserta. Não sei - nestas coisas nunca se sabe - de onde partiu o ânimo para a revolta, mas hoje, entre os refugiados na piscina, falava-se já, abertamente e sem temores, em ir cedinho, que as manhãs, tinha dito não sei quem que tinha lá ido (talvez uma daquelas mães com filhos ainda pequenos que lá vão vigiar as babby-sitters) que as manhãs estavam de apetite, a praia óptima, bem ao invés das ventanias furiosas da tarde (as horas de sono em falta serão, segundo algumas sugestões, colmatadas por uma sesta. Tudo isto é novo e bem extraordinário!)
E por isso, meus Caros Leitores, interrompo as minhas férias de Impensavel para lhes dizer que hoje à noite irei pôr o despertador, sendo, por isso, bem posssível que amanhã, às onze e meia, meio-dia, já esteja na praia, coisa que, creio, não me acontece há alguns decénios.

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