terça-feira, abril 03, 2007

Detesto burocracia, detesto até à aversão física, à náusea. Admiro e desprezo gente arrumada e minuciosa. Desprezo porque sim, há melhores coisas a fazer do que manter a ordem nas gavetas - mas, por vezes, não há nada melhor para fazer e as minhas gavetas aproveitam-se disso para evitarem o caos. Admiro, porque sei que a minúcia e o rigor são necessários, são, por vezes, indispensáveis, contribuem para criar e preservar referências e valores que, por os sabermos , nos dão descanso e liberdade.
Por tudo isto - e corolários que omito por preguiça - quando há uns anos, vi a data, antevi o ror de horas que ia perder, os requerimentos que teria que fazer, mas chamei a atenção da funcionária: "A data da minha licenciatura está incorrecta, não me licenciei em Abril, mas em Outubro", ouvi-me dizer. Ela percebeu, também, o que a esperava e, em pura vertigem moral, balbuciou "se não for um Domingo, Sr. Dr... deixe estar". Aderi, trémulo, à sugestão e ambos nos precipitámos para o minúsculo calendário que ela segurava com as mãozinhas húmidas: a data que figurava como sendo a da minha licenciatura correspondia a um Domingo de Páscoa. Ela desanimou, mas creio que ainda disse que não tinha mal nenhum, que ia ver o que teria dado origem ao erro. Ouvi-me dizer, àquela Eva, com uma voz sumida e lúgubre: não pode ser, tem de ser a data certa!
A coisa acabou por não ser muito terrífica: algumas idas e vindas entre a Faculdade e a Reitoria (da Clássica, da Clássica...) e percebia-se o erro, fácil de explicar ao ver o Livro de Termos: um Out, de Outubro, escrito em arabesco saca-rolhas, fora tomado por um 4 estilizado, o que antecipava em alguns meses a licenciatura. De resto, tudo em ordem. A nova certidão de curso só estaria pronta daí a um mês e, para não atrasar o andamento do processo na Ordem, usei a que já tinha, mas advertindo, por escrito, do erro. Esqueci-me, no entanto, do canudo e quando o fui ver - era preciso "ir ver" antes de levar o selo - quando o fui ver às catacumbas da Reitoria lá estava o erro, com honras de pergaminho. Tive que ir pedir uma nova certidão e levar lá, e não sei se preencher mais papelada e porque me esqueci de o ir lá ver, dar a última e definitiva, necessária olhadela, nisto se passaram 6 ou 7 anos, creio (já agora, vi-o numa gaveta, cá em casa, no século passado; vou aproveitar esta Páscoa para o rever).
Quando contei algumas vezes estas história de burocracia (os passos que mais gosto são a sugestão da funcionária, a desilusão de ambos perante o Domingo de Páscoa e a necessidade de "ir ver" o canudo), quando contei isto e os meus escrúpulos pequenos tive a surpresa de ouvir de gente que pensaria longe de tais preocupações um "mas fez bem". Eu sei: há erros que devem ser corrigidos, por haver incertezas que não se podem manter. Por nós e pelos outros.
Que o Senhor Sócrates não o saiba eis o que me admira.
Quanto a mim, quero saber tudo, tintim por tintim.

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