segunda-feira, abril 30, 2007
É a tese oficial do marximo sobre os regimes - não comunistas - dos anos 30. É interessante, por não explicar absolutamente nada, por ser, na interpretação mais benévola, um subtil convite à preguiça. A uma falsa preguiça, no entanto, já que se torna necessário um violento esforço de contenção de toda e qualquer curiosidade intelectual.
Em contraste, este In praise of Idleness do Conde Russell, de 1932, todo ele convida a pensar muito, a pôr na sua leitura aquele tipo de esforço abençoado com que nos espreguiçamos num dia em que acordamos bem dispostos, de bem connosco e com o mundo.
Leia-se - claro que não traduzo: «In the new creed which controls the government of Russia, while there is much that is very different from the traditional teaching of the West, there are some things that are quite unchanged. The attitude of the governing classes, and especially of those who conduct educational propaganda, on the subject of the dignity of labor, is almost exactly that which the governing classes of the world have always preached to what were called the "honest poor." Industry, sobriety, willingness to work long hours for distant advantages, even submissiveness to authority, all these reappear; moreover authority still represents the will of the Ruler of the Universe, who, however, is now called by a new name, Dialectical Materialism.» (itálicos meus)
sexta-feira, abril 27, 2007
Do artigo intitulado "Uma dúvida séria" do Doutor Pulido Valente, hoje, no Público.
Vou ser honesto: ainda não me recompus e os meu modos sofrem da flacidez moral que acomete quem viu soçobrar, num doloroso ápice, as poucas certezas que, incauto, julgava a salvo de ameaças graves. Hoje, nesta miserável situação, padeço de um mundo que me abandonou: não se pode mais falar, convictamente, da «indiferença hostil da natureza» mas de uma certeira e arbitrária maldade a que são alheios os desígnios altíssimos que, esses, não provocam senão desgraças inanimadas, aquáticas, minerais, onde se podem acolher - e espraiar - os nossos lamentos...
Mas isto, isto é medonho e perturbador! -Refiro-me, claro está, ao terrível episódio da lebre vienense, tão mais de estarrecer quanto nada mais distante da natureza de uma lebre do que não saber conviver com a timidez.
quarta-feira, abril 25, 2007
terça-feira, abril 24, 2007
And the fire - wood glow is bright;
The food has a warm and tempting smell, -
But on the window licks the night.
Pile on the logs... Give me your hands,
Friends! No, - it is not fright...
But hold me... somewhere I heard demands...
And on the window licks the night.
Hart Crane, Fear
segunda-feira, abril 23, 2007
Boris Yeltsin acabou - creia-se de que uma vez para sempre - com o poder soviético
Paz à sua alma.
sexta-feira, abril 20, 2007
Mas vim aqui só para dizer que continua o espectáculo 3º mundista, melhor, pidesco e salazarista, pior, apenas pidesco, dos interrogatórios que se prolongam madrugada dentro. E nós convivemos com isto... E essa gente toda que para aí anda e se julga viajada e arejada e lida e julga opinar new yorker acha tudo muito natural. Há persistências... e nessa gente está, atávico, - como nos pides - o aproveitar a madrugada. Dantes, para ir à horta, ou à leira, ou para a ceifa, agora é para aplicar a justiça em nome do povo, por exemplo. Não lhes passa, por isso, pela cabeça que é pura barbárie este procedimento, proíbido - ou já nem sequer imaginável - em qualquer país civilizado (e praticante).
Como explicar-lhes que não se faz, que não é justo, que não é decente? Como tentar fazer-lhes perceber (gente à esquerda e à direita) que estas práticas decorrem de coisas que eles julgam abominar, decorre, afinal, da inquisição, da tortura, de mil crueldades subliminares, dessa crueldade dura e tão desmentida, que é a nossa?
É um cansaço, isto tudo.
«Acontece que os factos não desaparecem perante as conveniências de uns e o entendimento de outros tantos. Por muito "corajoso" e "determinado" que seja, o primeiro-ministro foi particularmente atingido por um caso que mostrou ao país o que o seu retrato oficial escondia. Por trás da imagem de Estado que ele habilidosamente construiu, durante estes dois anos de Governo, surge, agora, à vista de toda a gente, o Sócrates que ele sempre foi: um político sem espessura, educado nos meandros do aparelho e nos favores do partido, que se notabilizou, a dada altura, pelas qualidades cénicas que revelou. O facilitismo que se detecta no seu percurso académico conjuga-se mal com o "rigor" de que faz gala e com a "determinação" com que enfrenta os "interesses" estabelecidos e os grupos de "privilegiados". Não vale a pena escamotear a realidade. Muito menos alterar critérios noticiosos consoante a opinião política dos jornalistas. O facto (por demonstrar) de este Governo ter um "rumo" e "coragem" para o prosseguir não o exime do escrutínio público, nem pode ser visto como um impedimento à liberdade de informação.»
quinta-feira, abril 19, 2007
Em Portugal, onde, felizmente, e graças ao governo que nos rege, não há esses problemas de sobreaquecimento, a bolsa, pacata, subia.
O milionário Banco de Portugal - aquele que tem administradores (Victor Constâncio, entre eles)que ganham mais, bastante mais, que os seus congéneres norte-americanos - falava ontem em mudar a legislação laboral para que a nossa produtividade melhore. Não auferindo ordenados de escândalo, também já me ocorreu o mesmo e disse-o. Que a imprensa não use, com o mesmo destaque, as minhas opiniões grátis, eis o que diz muito sobre o espírito de esbanjamento e novo-riquismo que desenfreado, campeia, etc., etc., etc.
quarta-feira, abril 18, 2007
Ora vejamos:
Há coisas muitíssimo mais importantes, de facto, e por isso, em qualquer país europeu que, em política, viva acima do, como dizer?, pueril realismo fantástico, o percurso académico - e de vida em geral - de um possível primeiro-ministro é investigado à lupa, a uma forte lente, antes que se apresente a eleições (às vezes, a eleições dentro do seu próprio partido, como é sabido de todos). Se chegar a ser incumbido de qualquer cargo político importante, qualquer discrepância está, há muito, investigada e esclarecida - ou ele ou ela nem pensará, sequer, em candidatar-se (a coisa é de tal modo que, actualmente, o que lá por fora se discute é, como também se sabe, a demasia de tais investigações e o grau de perfeição normalizada e politicamente correcta exigida ao político, mas adiante).
Aqui, porém, nada disso se faz. E no caso, o Sr. Sousa, por motivos que não compreendo, tem ajudado pouco a dissipar, com a prontidão e brevidade que seriam de esperar, as arreliadoras discrepâncias surgidas. Eu não tomaria a coisa como ilegítima curiosidade popular: não havendo aquela modernidade esquadrinhadora lá de fora, aqui tudo tem de ser bem visto depois. E quando em documentos entregues ao Parlamento surgem inexactidões e quando... e quando... - e têm sido tantas as curiosidades - é preciso verificar. E verificar bem, já que é lícito que qualquer um de nós pense, em tese, que quem se preocupa com coisa tão mesquinha e infantil qual seja, por exemplo, a exibição abusiva de um título, não seja a pessoa indicada para ser o primeiro-ministro de um país, ademais em tempos de crise*.
* A questão das qualidades humanas - e o carácter - têm sido tratados com certa ligeireza, denotando, afinal, como impera uma visão tecnocrática da política, como se os problemas que se deparam a um govermante possuam soluções imutáveis, alcançáveis por uma técnica, produzindo, por isso, os resultados desejados seja quem for que tome as medidas necessárias. Pode ser assim, em parte, no que se refere à economia (embora grande parte dos factos económicos seja sempre inesperado, inexplicável ou ambos), mas a política não é economia, é parte da... Ética.
Ah, claro que a universidade já não vai fechar. A situação está resolvida por ali, acreditam. Eu, pelo que ouvi ao Eng. Gago, também acho que sim.
Se a empresa que explora a independente fosse cotada na bolsa - não sei se é, aliás - comprava acções.
Teresa de Sousa, no Público de hoje (itálicos meus).
Nada como um bom choque para arrebitar. A questão é exactamente a de haver indícios de não se ter sujeitado às condições a que as pessoas comuns se sujeitam.... Tudo aconselhava, aliás, a que, uma vez no governo, o Sr. Sousa interrompesse "os estudos". Os colegas de Sousa também enviavam, naquela altura, os trabalhos ao Reitor e tratavam-no - mal o conhecendo - por "Meu Caro"?
Um dos males do subdesenvolvimento e da iliteracia é o da dificuldade da evidência.
Torna tudo tão cansativo...
terça-feira, abril 17, 2007
segunda-feira, abril 16, 2007
"(...) Melhor ainda: toda a gente que falar ou escrever na rádio, na televisão e na imprensa, sindicalizada ou não, fica sujeita à autoridade dos polícias da Comissão de Carteira. Em última análise, a Comissão de Carteira, como antigamente a de Censura, determinará o que é lícito ler, ouvir e ler num Portugal ao gosto do dr. Santos Silva e do primeiro-ministro."
Doutor Vasco Pulido Valente, na sua coluna do Público
sábado, abril 14, 2007
quinta-feira, abril 12, 2007
Que privilégio para todos nós, que lição ao mundo, que grande lição ao mundo!
Nota para a compreensão do comentário infra: estava aqui escrito previlégio por privilégio, uma calinada por falta de atenção minha e tão mais triste e tão quase inexplicável - passe a imodéstia - quanto ser verdade eu ter o hábito de reler o que escrevo e ser possuidor de uma antiga «4ª classe» exigente e bem feita, com muitos zeros erros em ditados difíceis, costumando, por isso, escandalizar-me com os dislates que vou lendo por aí. O meu único e triste e fraquíssimo consolo é poder atribuir o erro - e o ter passado em claro - ao muito disparate a que se está hoje diariamente exposto e não a um amolecimento cerebral, aos primeiros sintomas de senilidade.
Agradeço a correcção e peço as minhas desculpas aos senhores leitores deste blog, a quem prometo mais atenção nas revisões dos posts.
De um amigo recebi, a propósito, este mail:
«Sobre a entrevista do Eng.... Sócrates desta noite só me resta mais uma vez, á "laia" de reflexão, fazer minhas as palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen em carta a Jorge de Sena, de Maio de 1962 :
"Caríssimo Jorge,
[...] O Reino da Estupidez de tão magnifico título,apesar de todas as paginas óptimas que tem, parece-me demasiado cheio de questões que afinal talvez não mereçam ser postas na sua obra. Valerá a pena você gastar tanta inteligência para explicar aos parvos que são parvos? ...... "»
Antes de adormecer, quando já estou com muito sono, consigo ainda dizer-me que podia ler umas linhas. E para essas poucas linhas soltas tenho um montículo de livros na mesa de cabeceira. Um deles é uma recolha da correspondência trocada entre uma senhora inglesa e a sua prima canadiana que, durante a II Guerra e tempos atribulados e escassos que se seguiram, lhe enviava generosas encomendas de pequenas coisas que no Reino Unido estavam racionadas ou não havia ( sabonetes, lenços, passas de uvas, fiambre em lata, alguns produtos instântaneos; e presentes mais substanciais e fantastásticos: perús no Natal, via Royal Air Mail). As cartas são quase apenas o agradecimento bem humorado e sentido dessas encomendas. Acabei por ficar intrigado com a minha fidelidade àquele livro, àquele reler, mesmo que seja, as mais das vezes, de literais meia dúzia de linhas e sabendo que é por mera preguiça que repego ainda uma vez no livro, por lá estar, por ser o mais à mão e o fácil de segurar.
No outro dia, porém, descobri o que realmente e principalmente me seduz: a exiguidade do assunto aliada aos mágicos efeitos da repetição, a matéria prima sobre que se edificou tudo o que é na nossa civilização.
Grande burburinho com um acórdão do Supremo. Bem, a lei (artº 484º do Cód. Civil) não deixa margem para dúvidas quanto à possibilidade da divulgação de um facto (i.e, de algo que aconteceu) poder constituir um ilícito (civil ou criminal). Para que o não seja terão que existir causas que afastem a ilicitude: ou o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever. Numa sociedade onde não existe substancial amor pela verdade o Supremo considerou que o direito de expressão deve ceder perante o direito ao bom nome. A questão não é fácil*, embora no caso (futebóis) me pareça de grande generosidade a colocação do bom nome de um club acima do direito de expressão ou do dever de informar.
* Os comentadores - e em parte autores - do Código, Professores Doutores Antunes Varela e Pires de Lima, no seu Código Anotado, T 1, 2ª edição, pg. 421, referem como exemplo de um ilícito que cairia na previsão deste artigo a pessoa que publica no jornal que o Dr. X o não conseguiu curar, o que prejudicaria o bom nome do facultativo (todos podem errar, etc.).
Assim deve ser, de facto, e eu estranhar eis o que diz sobre a minha falta de usos de mundo, condenado a estar para aqui, nestas lonjuras rudes.
quarta-feira, abril 11, 2007
O que este estudo vem mostrar é que os portugueses estão cientes de que a política do betão - o que a Ota, essencialmente, é, não produz crescimento sustentado: os milhões dissipam-se depressa e, gastos, voltamos para onde estamos, para a cauda da Europa, enquanto países ainda há bem pouco tempo mais pobres que nós - e pouco dados à argamassa - se afastam rapidamente para posições mais confortáveis.
Um dos problemas dos políticos portugueses é verem-nos como já não somos, persistindo em tentar comprar os nossos votos através da lantejoula argumentativa, da desmesura e do gigantesco que, crêem, nos ofuscam. Que um aeroporto modesto, com a possibilidade de evoluir consoante o volume de passageiros seja o que, sensatamente, queremos não lhes entra nas cabeças.
terça-feira, abril 10, 2007
in Público de hoje.
Afinal é um caso vulgar de abuso que, filho da vaidade ou de outro qualquer malsão motivo, se traduz no uso de títulos que não podiam ser usados, a coberto do hábito de agir na mais absoluta impunidade.
Se fosse lá fora era demitido (aliás, demitia-se de motu proprio) e, depois de um estágio na Betty Ford Clinic (academic title addict) poderia voltar, daqui a uns anos.
Isto, claro, resolve, de vez, a questão de todos os que escreviam coisas como esta: "Cerca de três semanas depois, não vejo razão nenhuma para alterar a minha posição inicial. A comunicação social continua sem encontrar nada -- repito, nada -- que lhe permita inferir sem margem para dúvidas que José Sócrates não «agiu sempre de forma limpa, leal e legal".
Já disse à minha empregada - dado que não tem responsabilidades públicas - para escolher um título académico que lhe agrade. Ela riu-se e disse: «lá está o sr. dr...» Insisti que pensasse bem, mas ela é antiquada - embora da idade do Sousa - e não quer usar coisas a que não tem direito. Eu não desisto, por achar que ela tem cara de licenciada - ou mesmo mestrada - em engenharia doméstica.
segunda-feira, abril 09, 2007
Mas deixei-me abater - foi o Inverno ou a leitura seca do Diário da República, ou qualquer outra das coisas desagradáveis que nos apoquentam - e só hoje, com as declarações do Senhor Ministro da Ciência sobre a exemplaridade do chefe do governo senti a força revigorante de uma boa e saudável gargalhada.
Quanto ao próximo episódio do folhetim do governo da sarjeta: será que o Sr. Sousa irá justificar na entrevista o motivo que o levou a ostentar um título que bem sabia não possuir e, por isso, usar?
Tirando o engenheiro, que não tem justificação possível, senão a vaidade, para quê utilizar uma entrevista para tentar explicar um vulgar título de licenciado - num país onde os há aos milhares? Parece-me algo de imensamente grotesco, mas adiante.
A vanitas do grande estadista - porque é um grande estadista, disso não há dúvidas - permitiu, no entanto, ver a gigantesca nebulosa de lama que amalgama interesses e influências entre chorudos tachos - era o nome, não era? - o negócio das faculdades e outros igualmente ligados aos favores estatais e como toda essa gente que come disso defende raivosamente a gamela com uivos e silêncios, conforme mais lhes convenha.
quarta-feira, abril 04, 2007
Ora vamos lá a ver... aproveitar em que sentido? Obter uma ilegítima vantagem? Não se trata de tal: ninguém persegue o Sr. Sócrates por alguma infelicidade a que tivesse sido alheio. O que está em causa é, face ao publicado (leia-se, por todos, o Portugal Profundo), a existência de dúvidas - legítimas - sobre a licenciatura do actual primeiro-ministro.
Para além disso, e passando às certezas, já há uma, admitida na página oficial do Sócrates: desapareceu o título de engenheiro, que este não podia usar, mas que usou durante anos - e deixou que os outros usassem durante os mesmísimos anos.
O que está em causa é uma questão de carácter: mentiu o Sousa? E porque se enfeitou o Sousa com títulos a que não tem direito? O que diz isto sobre alguém de quem temos que ouvir declarações sobre os assuntos os mais importantes, declarações que podem levar-nos a tomar decisões que atingem as nossas vidas? Não é o uso de um título que se não tem um dos clássicos exemplos de vaidade e da mentirola a que levam as mais ridículas fraquezas e comezinhas misérias humanas ? Quem não se ri perante os falsos doutores & engenheiros, tão sinal , aliás, do nosso subdesenvolvimento?
E isto não é assunto para a oposição? Considerará esta que o carácter dos homens nada tem a ver com os seus actos?
Pois, ao contrário, creio que o actual primeiro-ministro deveria ser obrigado a explicar tudo muito bem explicado. A não ser... a não ser que tudo seja já indiferente. É possível, é bem possível que neste canto obscuro, onde imperam a boçalidade e o grotesco já nada valha a pena.
O Sócrates não é engenheiro e fez-se, até há dias passar por tal? Ele é que sabe e o que temos nós com isso?
terça-feira, abril 03, 2007
Por tudo isto - e corolários que omito por preguiça - quando há uns anos, vi a data, antevi o ror de horas que ia perder, os requerimentos que teria que fazer, mas chamei a atenção da funcionária: "A data da minha licenciatura está incorrecta, não me licenciei em Abril, mas em Outubro", ouvi-me dizer. Ela percebeu, também, o que a esperava e, em pura vertigem moral, balbuciou "se não for um Domingo, Sr. Dr... deixe estar". Aderi, trémulo, à sugestão e ambos nos precipitámos para o minúsculo calendário que ela segurava com as mãozinhas húmidas: a data que figurava como sendo a da minha licenciatura correspondia a um Domingo de Páscoa. Ela desanimou, mas creio que ainda disse que não tinha mal nenhum, que ia ver o que teria dado origem ao erro. Ouvi-me dizer, àquela Eva, com uma voz sumida e lúgubre: não pode ser, tem de ser a data certa!
A coisa acabou por não ser muito terrífica: algumas idas e vindas entre a Faculdade e a Reitoria (da Clássica, da Clássica...) e percebia-se o erro, fácil de explicar ao ver o Livro de Termos: um Out, de Outubro, escrito em arabesco saca-rolhas, fora tomado por um 4 estilizado, o que antecipava em alguns meses a licenciatura. De resto, tudo em ordem. A nova certidão de curso só estaria pronta daí a um mês e, para não atrasar o andamento do processo na Ordem, usei a que já tinha, mas advertindo, por escrito, do erro. Esqueci-me, no entanto, do canudo e quando o fui ver - era preciso "ir ver" antes de levar o selo - quando o fui ver às catacumbas da Reitoria lá estava o erro, com honras de pergaminho. Tive que ir pedir uma nova certidão e levar lá, e não sei se preencher mais papelada e porque me esqueci de o ir lá ver, dar a última e definitiva, necessária olhadela, nisto se passaram 6 ou 7 anos, creio (já agora, vi-o numa gaveta, cá em casa, no século passado; vou aproveitar esta Páscoa para o rever).
Quando contei algumas vezes estas história de burocracia (os passos que mais gosto são a sugestão da funcionária, a desilusão de ambos perante o Domingo de Páscoa e a necessidade de "ir ver" o canudo), quando contei isto e os meus escrúpulos pequenos tive a surpresa de ouvir de gente que pensaria longe de tais preocupações um "mas fez bem". Eu sei: há erros que devem ser corrigidos, por haver incertezas que não se podem manter. Por nós e pelos outros.
Que o Senhor Sócrates não o saiba eis o que me admira.
Quanto a mim, quero saber tudo, tintim por tintim.
segunda-feira, abril 02, 2007
Como as cadeiras arrumadas
Quando os amigos partiram.
Meus degraus ainda têm a passada do adeus,
Lá quando uma palavra cria tudo,
E o resto, fechada a porta,
É posto nas mãos de Deus.
Então, à minha janela,
Tudo repousa e larga o aro dos conjuntos,
Tudo vem, com um gesto secreto e confiado,
Pedir-me o molde e o amor do isolamento,
Como se um desconhecido
Passasse e pedisse lume
E eu, sem reparar, lho estendesse:
Quando quisesse conhecê-lo,
Só a minha brasa ao longe,
Na noite que se faz pelo peso dos rios
E vive de fogo dado.
Assim nocturno, sou
O suporte de quem não tem para consciência,
Que é como não ter para pão:
As coisas cegas
Prendem-se a mim,
Ao meu olhar, que é único na noite
Pelo seu grande alcance de humildade,
E fico cheio delas,
Como estes sítios ermos, junto de uma cidade,
Cemitérios de tudo, lugares para cães e bidons velhos;
Fico cheio da pobreza e do sinal das coisas,
Como um retrato de gente pobre é pobre e gauche
(Vale a recordação),
Mas sinto-me, ao mesmo tempo, seco e cheio de tacto
Como se fosse o seu bordão.
Vitorino Nemésio in «Eu, Comovido a Oeste»
(Devo confessar-lhe que sou um indiferente incompetente, não consigo deixar de ter um interesse de atento e extremoso pai possidónio pelo destino das minhas intenções, acções e omissões, quero que elas estejam bem na vida e, se não caio na mais total e babosa abjecção paternal, é tudo por conta de um indesejado desleixo de sentimentos que, por temporadas, me vai amparando).
Mas, nunca por nunca seria convidado de Petrónio.