segunda-feira, outubro 13, 2003

Reli, este fim-de-semana, algumas cartas da correspondência entre Eça e sua Mulher, Dona Emília de Castro.
Numa das últimas que escreve, da Suíça, dias antes de morrer, treze dias antes de morrer, pergunta-se com inquietação, como pode ter sossego e, por isso saúde, com as constantes inquietações de dinheiro.
Poderia ter acrescentado, mesquinhas preocupações, de uma vida de classe média pacata que era a sua.

E Eça de Queiróz era o maior escritor português vivo - continua a sê-lo, aliás - um colaborador assíduo em jornais portugueses e brasileiros, um diplomata de carreira com um cargo de responsabilidade e prestígio.

Hoje, a gente abre o jornal, lê uma coluna assinada por um anónimo e lá vem aquela prosa ressumando elegâncias caras de habitué das grandezas do mundo, em que se fala de Paris, de Roma, de Londres ou de Nova York com o à-vontade com que eu falo das minhas idas às cinco freguesias circunvizinhas.
Mas o que me aborrece mais, confesso, é a ausência de espanto, ou de desilusão, um e outra sintomas certeiros do principiante. Eu bem procuro, mas em vão: aquela prosa dir-se-ia que veio ao mundo rabiscada nos papéis de carta do Waldorf-Astoria, do Ritz, do Savoy, senhora de si, quase indiferente, blaisée.
Amuo. Amuo duplamente: por verificar quão tão longe estou desses usos de mundo e por cair no ressentimento castiço contra o estrangeirado, tradição ressentida em que me não reconhecia.
Apodá-los de provincianos nesses avessos de provincianismo como Pessoa fez a Eça? Seria fácil - e errado.
Dediquei-me a ler algumas coisas que publicavam. E aí... pelos contos, romancinhos, poemas, logo se descobre, às vezes melhor, outras pior escondido, um contentamento inteiro e imenso onde tudo submerge.
Eu não creio na infelicidade ou na miséria, mesmo as de mera convenção, como ponto de origem privilegiado da criação artística, mas narradores, autores implícitos e respectivos familiares - que os há - toda aquela gente se celebra em demasia. Não são provincianos, são parvenus e da alegria, da surpresa da chegada a um lugar ao sol bem pago se fazem, com poucas excepções, as letras actuais.


Prefiro o côté "história trágico-marítima".

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