segunda-feira, outubro 18, 2004

Gosto de ouvir Paula Rego "contar" as suas obras. No outro dia, na televisão, contava alguns das telas que estão em Serralves. Duas delas são inspiradas na vinda para o Estoril de algumas famílias reais europeias e acompanhantes, durante a II Guerra Mundial. Numa delas, contava, um rapaz, português, está de braguilha aberta, pronto a ser abusado por um estrangeiro, presumivelmente um aristocrata, pois então. Que asssim era, como, aliás se dizia e sabia, asseverava Paula Rego. É coisa que sabemos bem que assim era... se optarmos, como Paula Rego optou, talvez malgrè elle, pelo mito do Portugal rural, vivendo uma perene idade de ouro como o entendia o salazarismo: aqui imperaria o bucolismo virtuoso de todo um povo laborioso e feliz e, lá de fora, da Topia, vinham as ameaças, as perversões que contaminariam o bom povo português. Isto é xenofobia, preto no branco demagógico, mitificação primária. É que não era assim aqui, terra da branda violência, terra sem estatisticas - que são obra do diabo -, mas fica mal dizer, ou saber que situações de abuso infantil ocorriam naquela alegre casa aldeã, ou naqueloutra do operário neo-realista, talvez membro do partido.
Ah, falta dizer que os aristocratas estrangeiros abusadores da mocidade pátria, não fazem parte do círculo de grandes pensadores, intelectuais e artistas de esquerda a quem tudo é, foi, evidentemente, permitido. Que o irmão do Conde Balthus produzisse pornografia para consumo de Gide et coetera é assunto que apenas gente de somenos pode não perceber.
Ver Paula Rego, sempre. Ouvi-la? Tsc, tsc.


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