sábado, janeiro 10, 2004

O meu hobby principal é esquecer. Tenho outros, uns menores - não gostar de alguma França, considerar que a mãe de Hemingway escrevia melhor de que o filho - outros maiores: detestar tutelas, ser monárquico, amar Eça de Queirós. Mas, esquecer, esquecer-me convictamente, é o principal, o mais duradoiro, e tendo-lhe achado a única desvantagem de um espantar fácil mas não por demais vexatório, acomodei-me ao desdouro, e ao pasmo já lhe chamo remédio e amparo de monotonia. Isto tudo para dizer que, durante muito tempo, esqueci Vitorino Nemésio e que há meses me relembrei dele e de espantos antigos que tivera ao ler a poesia dele e que desde Outubro pasmo a lembrar nela uma sensualidade e erotismo que, em fim de vida e assim escrita, só conhecia de Garrett. Por isso, na ronda nocturna dos blogues, foi com alegria que encontrei aqui um entusiasta de Nemésio. Para quem não o conhece: Navio Tenho a carne dorida Do pousar de umas aves Que não sei de onde são: Só sei que gostam de vida Picada em meu coração. Quando vêm, vêm suaves; Partindo, tão gordas vão! Como eu gosto de estar Aqui na minha janela A dar miolos às aves! Ponho-me a olhar para o mar: - Olha-me um navio sem rumo! E, de vê-lo, dá-lho a vela, Ou sejam meus cílios tristes: A ave e a nave,em resumo, Aqui, na minha janela. Vitorino Nemésio

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