terça-feira, janeiro 20, 2004

Lá vai o tempo em que detestava entrevistas. Tinha a impressão que os entrevistados diziam sempre a mesma coisa, paráfrases do que haviam já dito noutras entrevistas e perante perguntas igualmente desinteressantes ou inóquas.
Isso foi no tempo em que, má que fosse, a televisão portuguesa não era, ainda, uma central de telenovelas para preencher o tempo que sobra da exautiva cobertura dos acontecimentos (e não-acontecimentos) futebolísticos.
Talvez pela dieta forçada, espanto-me com o interesse, a quase avidez com que sigo, agora, as entrevistas. Ontem, e já a desoras, ouvi João Salgueiro e Paulo Azevedo responderem a perguntas da Maria João Avillez sobre a situação do país.
Ambos desiludidos, como eu estou, com o governo, ambos a dizer que estamos longe do que seria necessário fazer para podermos ombrear com o resto da Europa, ambos pouco crentes em que sejam feitas as reformas necessárias para isso.
Também eu estou pouco pessimista ao ver que sob os ataques à necessidade de reformas mais do que ideias ou concepções do mundo encontramos, afinal, o imobilismo da ruralidade, ou o fomentado e querido pelas burocracias de um estado desmesurado e patriarcal.
Tenho acreditado, embora com reservas, que o impulso necessário para a mudança virá das franjas "estrangeiradas" da classe média já que essas franjas não deixam de participar dos benefícios da burocracia... Creio, no entanto, que há indícios de que a necessidade de "isto ir para a frente" começa ser sentida por mais gente e não, unicamente, por quererem participar das migalhas da mesa estatal: os modelos de sociedade e quotidianos que lhes entram em casa - mesmo via telenovelas ou de tv-filmes - parecem-lhes mais atraentes e mais propícios. De um certo modo vivem já nesses tempos futuros. Foi pelo que viram nestes últimos que muita gente se questionou, com verdadeira supresa, sobre algumas particularidades do nosso código de processo penal: "então aqui pode-se estar preso este tempo todo antes do jlugamento?" ou "mas não deviam ter logo perguntado às pessoas onde estavam naquelas datas?" foram interrogações que ouvi, feitas nos cafés da esquinas. Em questões de direitos liberdades e garantias já estão muito à frente dos nossos legisladores...
E é bem possível que em outros campos insuspeitados também o estejam.
Falta os legisladores, e os governos - estes ou outros - compreenderem isso.
Ou, para já, aos programadores de televisão. Talvez que "ver pensar" não seja um tão mau produto quanto supõem. Talvez venda.

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