quinta-feira, dezembro 18, 2003

Cena familiar


Rendido às alegrias do "upload", e de "template" natalí­cio, procurei pintura portuguesa. Não é a mais bem sucedida das pesquisas, mas há aqui, por exemplo, num dos "sites" mais antigos da net portuguesa, nomes suficientes para nos animar.
A informação, dispersa embora, ultrapassou a escassez irritante de há 3 ou 4 anos, há novidades, mas em muitos casos parece-me que a preocupação em fazer "design web" ou "artweb" torna as páginas pesadas, muito lentas a carregar e a espera - com banda larga... - revela-se ainda pouco compensadora. Os "sites" dos museus nacionais, se não constituem já a desilusão que eram pouco tempo atrás, são ainda pouco atractivos.
De que andava eu à  procura? De uma cena rural e invernosa, portuguesa, como as pintou o nosso naturalismo. Não encontrei. Algumas paisagens, mas todas com bom tempo. No Inverno, estariam os pintores mais no Leão de Ouro do que no campo, o que é muito compreensí­vel. Mas eu queria, por força, aquele campestre em que o olhar tardo e ingénuo do gosto nacional via um Portugal naturalmente feliz. No passeio, encontrei a doméstica "Cena Familiar" da Aurélia de Sousa, um estudo em ocres quase vermelhos, arruivados: da parede côncava - um fogão? - ao cabelo da mãe - concentrada no que faz ou ausente - prolongam-se na filha através do tecido, num tom mais escuro, que aquela segura sobre a coberta esverdeada da mesa. Encarnada escura, a blusa dela e encarnados os sapatos. Perto dos tons encarniçados, ainda, por corada, a outra criança, a loira, e de blusa branca, comunga de um segundo circulo, este claro, que também as une: o pano que a mãe borda - ou passaja - e se destaca sobre o avental escuro, a boneca da criança que nos vira a cara - e que é quem nos expulsa daquela intimidade - enquanto parece falar à irmã (mas dirá alguma coisa? Ou virou-se naquele momento, por outro motivo qualquer?) - que, a ouvi-la, está entre o contrafeito e o aborrecido.
São os jogos de cores, entre os encarnados, vermelhos e ocres e os brancos que no quadro unem aqueles seres, não as expressões, os olhares.
Lá fora, porém, é Inverno, só pode ser Inverno - mesmo que estejam pouco agasalhadas para os frios.

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